Síndrome do intestino irritável: o glúten não é mais um vilão?

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Muitos pacientes com Síndrome do Intestino Irritável (SII) evitam certos tipos de alimentos e frequentemente excluem o glúten da dieta. No entanto, um novo estudo buscou avaliar essa relação e, de forma interessante, não houve associação entre a alta ingestão de glúten e o aumento dos sintomas de SII.

Doença celíaca

A ingestão de glúten pode desencadear uma resposta autoimune em pacientes intolerantes, sendo responsável pelo desenvolvimento da Doença Celíaca (DC). Nessa patologia, há uma agressão à mucosa intestinal, atrofiando as vilosidades, criptas e resultando em enterite difusa e uma redução na capacidade de absorver alimentos.

As manifestações clínicas incluem principalmente os sintomas gastrointestinais, como diarreia intermitente ou crônica, distensão abdominal e inchaço, colite, flatulência, cólicas abdominais, má absorção e consequente deficiência de ferro e perda de peso. Os sintomas extra intestinais são fadiga crônica, estomatite aftosa, densidade óssea reduzida, atraso de crescimento em crianças e baixa estatura.

A patogênese da DC está relacionada a fatores genéticos e ambientais. Dentre os fatores genéticos, HLA DQ2 e DQ8 conferem a maior suscetibilidade à doença. Além disso, a disbiose intestinal pode estar relacionada, principalmente na fase ativa da doença.

Estudos de eliminação de glúten realizados em indivíduos não celíacos mostraram que uma dieta “glúten free” exerce efeitos benéficos na prevenção e redução de outras condições, incluindo a síndrome do intestino irritável (SII). Assim, embora os mecanismos moleculares e patológicos das duas doenças sejam bastante distintos, o glúten parece favorecer o aparecimento / desenvolvimento dessas doenças agindo com mecanismos semelhantes.

 

Síndrome do Intestino Irritável (SII)

A síndrome do intestino irritável (SII) é uma desordem funcional caracterizada por dor abdominal e alterações de hábitos intestinais. Essa condição afeta o intestino de forma crônica e recorrente, mas não há alterações anatômicas e químicas que expliquem a patologia – é um diagnóstico de exclusão.

A SII é mais comum em mulheres jovens, e acomete cerca de 5-10% da população global. Um terço das consultas em Gastroenterologia são por causa da SII.

Sua etiologia ainda é desconhecida, mas múltiplos fatores estão envolvidos no seu desenvolvimento, como hipersensibilização de nervos viscerais aferentes, quadros pós-infecciosos intestinais, maior sensibilidade a alimentos e fatores psicossociais.

Muitos pacientes com SII evitam certos tipos de alimentos e frequentemente excluem o glúten da dieta. No entanto, um novo estudo evidenciou que não há relação entre a alta ingestão de glúten e o aumento dos sintomas de SII.

Os pesquisadores descobriram que um certo tipo de carboidrato chamado ‘fodmaps‘ pode estar mais relacionado ao distúrbio intestinal – e ainda assim, os resultados gerais indicam que estes alimentos têm menos influência do que se pensava.

 

O estudo do mingau de arroz

Diversos estudos já avaliaram os efeitos do glúten na dieta de pacientes com SII e observaram uma associação positiva. Em estudos anteriores, os pesquisadores excluíram principalmente os alimentos da dieta dos participantes e isso mostrou uma clara redução nos sintomas da SII.

O que foi visto de diferente agora?

A maioria dos estudos anteriores tiveram poucos participantes e não foram conduzidos duplo-cegos, o que dificulta a avaliação objetiva dos resultados. Ainda, retirar apenas o glúten da dieta não é uma tarefa muito simples, e uma variedade de alimentos acaba tendo seu consumo reduzido durante o período dos estudos.

Com isso em mente, um novo estudo da Chalmers University of Technology e da Uppsala University buscou avaliar a influência do glúten na dieta dos indivíduos com SII. Os pesquisadores avaliaram 110 pacientes após a ingestão de preparados de arroz de diferentes formas – parecido com um mingau. O estudo foi duplo-cego, o que significa que nem os participantes nem os pesquisadores sabiam quem comeu qual mingau de arroz e quando.

Uma das variedades era rica em glúten, enquanto a outra continha grandes quantidades de carboidratos da variedade ‘fodmap‘. Ainda, teve o grupo do “mingau neutro”, que serviu como placebo.

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“Fodmap” é uma abreviatura para “Fermentable oligo-, di-, monosaccharides, and polyols”. São polímeros de frutose, lactose, galacto-oligossacarídeos e álcoois de açúcar, encontrados em uma variedade de alimentos, como laticínios, cereais, cogumelos, frutas e vegetais. Produtos adoçados com xilitol, por exemplo, também são ricos em “fodmaps”.

Os participantes do estudo comeram preparados de arroz ricos em alimentos “fodmaps”, glúten e o placebo em ordem aleatória. Amostras de sangue e fezes foram fornecidas semanalmente enquanto os participantes também preenchiam questionários sobre seus sintomas percebidos.

Os tratamentos propostos incluíam doses diárias de glúten e carboidratos mais altas que o consumo médio da população. De fato, o consumo de “fodmaps” agravou os sintomas da SII, mas não na extensão que os pesquisadores esperavam. As características mais observadas foram dor e distensão abdominal, mas de forma modesta.

O glúten, no entanto, não teve nenhum efeito mensurável nos sintomas percebidos dos indivíduos – nem mesmo quanto a insatisfação com os hábitos intestinais ou quanto a consistência ou frequência das fezes.

 

Como todo estudo, algumas limitações são mencionadas, especialmente por ser um trabalho com alimentos. Estudos de dieta são difíceis de conduzir duplo-cegos, pois muitas vezes pode ser óbvio para os participantes o que estão comendo. Este é um grande obstáculo, pois o conhecimento de que algo foi adicionado ou removido da dieta pode afetar o resultado.

Ainda, eles apontam a provável importância do fator psicológico nesses pacientes. Já foi demonstrado que a SII está relacionada à saúde mental. Simplesmente saber que alguém está sendo testado em um estudo pode reduzir a carga de sintomas.

No entanto, os autores acreditam fortemente nos seus resultados, por ser um trabalho inovador e com um número considerável de participantes. Sem dúvidas, esse trabalho serve de base para outras validações.

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Referências:

For IBS, specific diets are less important than expected. MedicalXpress. 2021.

Elise Nordin, Carl Brunius, Rikard Landberg, Per M Hellström, Fermentable oligo-, di-, monosaccharides, and polyols (FODMAPs), but not gluten, elicit modest symptoms of irritable bowel syndrome: a double-blind, placebo-controlled, randomized three-way crossover trial, The American Journal of Clinical Nutrition, 2021.

Identification of IBS Metabotypes Based on Physiological Responses to Food. NCT03653689.

Di Liberto D, Carlisi D, D’Anneo A, Emanuele S, Giuliano M, De Blasio A, Calvaruso G, Lauricella M. Gluten Free Diet for the Management of Non Celiac Diseases: The Two Sides of the Coin. Healthcare (Basel). 2020

 

 

 

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