De olho na hidroxicloroquina quanto ao risco de retinopatia.

hidroxicloroquina

A hidroxicloroquina (HCQ) é cada vez mais usada no tratamento de uma variedade de doenças autoimunes, com papéis bem estabelecidos em dermatologia e reumatologia e papéis emergentes em oncologia. Com a pandemia de COVID-19, tornou-se um medicamento muito popular, e muitos trabalhos foram impulsionados para o melhor entendimento dos efeitos desse medicamento.

Uma nova pesquisa apresentada em novembro deste ano no encontro anual do American College of Rheumatology (ACR) mostrou que o uso de hidroxicloroquina em doses mais altas e por longos períodos pode ser um fator de risco para retinopatia.

Retinopatia por hidroxicloroquina

A retinopatia é um tipo de dano ocular que pode levar à perda de visão. O envolvimento da hidroxicloroquina (HCQ) no seu desenvolvimento ainda é incerto, mas algumas hipóteses são propostas.

Um estudo identificou que tanto a cloroquina quanto a HCQ inibem fortemente a atividade de absorção de um polipeptídeo transportador de ânion orgânico (OATP1A2), expresso em células de epitélio pigmentar retinal humano, sugerindo um possível efeito da HCQ no ciclo visual. O aumento da permeabilidade desse epitélio e a alteração da degradação lisossomal em resposta a HCQ também já foi demonstrado.

Ainda, a avaliação de tecidos oculares após longo prazo de administração da droga demonstrou um acúmulo da HCQ no epitélio, podendo explicar a progressão da retinopatia, mesmo após a interrupção do tratamento.

Embora diversos estudos já tenham avaliado a interação entre a HCQ e a retinopatia, muitos possuem uma coorte reduzida ou em centros exclusivos, não representando necessariamente o que acontece em toda a população. Mas um novo trabalho fortaleceu alguns resultados algumas evidências encontradas.

 

HCQ como um fator de risco

O estudo incluiu quase 5 mil usuários de HCQ de longo prazo, que tomaram o medicamento entre 1997 e 2020. A idade média dos pacientes que iniciaram a HCQ foi de 56 anos e mais de 90% eram mulheres.

Os pesquisadores observaram quantos pacientes desenvolveram retinopatia com base em exames de tomografia de coerência óptica (OCT). Todas as varreduras foram revisadas por pelo menos um oftalmologista especialista, de forma independe. Todas as varreduras anormais e um subconjunto de varreduras normais também foram revisadas por um segundo especialista.

Cada varredura foi classificada como retinopatia leve, moderada ou grave, sem retinopatia ou retinopatia não relacionada à HCQ, como a doença causada pela degeneração macular. Eles também classificaram o padrão do dano: parafoveal ou pericentral.

Cada caso de retinopatia relacionada à HCQ foi pareado com até cinco casos de controle por idade, sexo e ano em que começaram a usar a droga. Os autores avaliaram a duração do uso, dose cumulativa e média diária do medicamento, além dos fatores de risco potenciais para retinopatia, como etnia e doença renal crônica.

De todos os pacientes analisados, 164 pacientes retinopatia por HCQ, incluindo 100 casos leves, 38 moderados e 26 graves. Destes, 131 casos apresentaram padrão parafoveal de retinopatia e 33, padrão pericentral.

Outro dado interessante: o risco de retinopatia dobrou a cada cinco anos adicionais em que os pacientes usaram HQC. A dose cumulativa também aumentou o risco relativo do desenvolvimento do dano (RR 4,28 para cada 500g adicionais).

Alguns dados já eram descritos como potenciais fatores de risco e foram confirmados, de forma independente da HCQ. Pacientes com ascendência asiática apresentaram um risco geral aumentado de retinopatia, bem como doença ocular nos graus moderado ou grave e com um padrão pericentral. O estudo também observou que ter doença renal crônica foi associado a um risco duas vezes maior de retinopatia geral e três vezes maior de retinopatia moderada ou grave.

 

Monitorar a hidroxicloroquina no sangue pode ser útil

Esse não foi o único estudo a identificar a relação entre a HCQ e a retinopatia. Inclusive, a Academia Americana de Oftalmologia (AAO), desde 2016, identificou a HCQ entre os fatores de risco para a retinopatia.

Além disso, um outro trabalho anterior já havia proposto que monitorar as concentrações séricas de HCQ em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) é útil na previsão da retinopatia.

Na ocasião, os pesquisadores descobriram que a frequência geral de retinopatia foi de 4,3% nos pacientes com LES. Nos primeiros cinco anos, o risco de retinopatia nesses pacientes era de 1%. Em 6-10 anos, o risco aumentava para 1,8%, de 11-15 anos para 3,3% e após 21 anos de uso o risco de desenvolvimento de retinopatia beirou os 10%.

Um maior risco de toxicidade da HCQ foi observado entre os pacientes mais velhos, aqueles com índice de massa corporal mais alto e pacientes com maior duração do tratamento. Posteriormente, a retinopatia por hidroxicloroquina foi prevista por níveis mais elevados do medicamento no sangue.

 

Considerações

Os achados destes trabalhos podem auxiliar na identificação de pessoas com risco aumentado à retinopatia, auxiliando os profissionais de saúde nas decisões individuais para os pacientes. Como mencionado, a AAO já definiu o uso da hidroxicloroquina como fator de risco associado a retinopatia. Logo, é importante destacar a importância do rastreamento preventivo e monitoramento da retinopatia em pacientes usuários de hidroxicloroquina a longo prazo.

_______________________________________________________________________

Referências:

Jorge A, Melles R, Conell C, Lu N, Marmor M, Young L, McCormick N, Zhang Y, Choi H. Risk Factors for Hydroxychloroquine Retinopathy and Its Subtypes – Prospective Adjudication Analysis of 4,899 Incident Users [abstract]. Arthritis Rheumatol. 2021; 73 (suppl 10). https://acrabstracts.org/abstract/risk-factors-for-hydroxychloroquine-retinopathy-and-its-subtypes-prospective-adjudication-analysis-of-4899-incident-users/. Accessed December 17, 2021.

Higher doses and longer use of hydroxychloroquine increase risk of severe eye complication. MedicalXpress. 2021.

Petri, M. et al. Hydroxychloroquine Blood Levels Predict Hydroxychloroquine Retinopathy. 2019.

Yusuf IH, Sharma S, Luqmani R, Downes SM. Hydroxychloroquine retinopathy. Eye (Lond). 2017 Jun;31(6):828-845. doi: 10.1038/eye.2016.298. Epub 2017 Mar 10. PMID: 28282061; PMCID: PMC5518824.

Jorge A, Ung C, Young LH, Melles RB, Choi HK. Hydroxychloroquine retinopathy – implications of research advances for rheumatology care. Nat Rev Rheumatol. 2018 Dec;14(12):693-703. doi: 10.1038/s41584-018-0111-8. PMID: 30401979.

 

 

 

 

Google search engine

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui