Toxinas do Veneno de Aranha Marrom: arma para o desenvolvimento de novas terapias em saúde

O veneno de aranha marrom (Loxosceles) é composto principalmente de toxinas proteicas usadas para predação e defesa. Algumas toxinas do veneno de Loxosceles já foram isoladas e extensivamente estudadas, como as fosfolipases D, hialuronidases, fator alergênico, TCTP etc.

Todas essas toxinas foram produzidas como moléculas recombinantes e são biologicamente ativas, podendo ser potenciais ferramentas para o desenvolvimento de antitumorais, analgésicos e outros.

Veneno de Aranha marrom e Loxoscelismo

As aranhas marrons são artrópodes com mais de 150 espécies e estão espalhadas em todos os continentes. No Brasil, são majoritariamente encontradas na região sul do país, se destacando o estado do Paraná.

O quadro de envenenamento por esta aranha é denominado de loxoscelismo, sendo notificados cerca de 80 mil casos entre os anos de 2010 e 2019. Clinicamente seus efeitos podem ser locais ou sistêmicos.

Localmente apresenta edema e eritema com posterior evolução de uma dermonecrose (que se espalha gravitacionalmente). Já o loxoscelismo sistêmico é mais raro, mas pode levar a insuficiência renal aguda e distúrbios hematológicos podendo levar a óbito.

Estes efeitos ocorrem devido as toxinas presentes em seu veneno, que além de levarem ao loxoscelismo, são usados por aranhas para morte e paralização de suas presas. Porém, essas toxinas podem também ser exploradas de acordo com a atividade delas como potenciais drogas ou ferramentas biotecnológicas.

veneno de aranha marrom

Potencial das Fosfolipases D: de antineoplásicos a antibióticos

As fosfolipases D são enzimas que possuem uma ampla gama de atividades biológicas e estão envolvidas na regulação de muitos processos patológicos, incluindo aqueles relacionados às células tumorais.

As fosfolipases do veneno da aranha marrom podem desencadear algumas respostas biológicas nas células do melanoma, como proliferação e influxo de cálcio, além de se ligarem à membrana das células. Já outras isoformas desta mesma toxina reduzem a viabilidade dessas mesmas células, apresentando assim uma potencial atividade antitumoral.

Em uma abordagem alternativa, duas proteínas diferentes foram fusionadas (fosfolipase e desintegrina) aumentando ainda mais sua atividade antitumoral – uma vez que une a capacidade de ligação a células tumorais da desintegrina a atividade antitumoral das fosfolipases D.

antitumoral

Atualmente, a resistência de algumas bactérias aos antibióticos é um grande problema para os sistemas de saúde. Assim, o desenvolvimento de novos medicamentos com atividade antibacteriana tornou-se uma área emergente,

Nesse sentido, as fosfolipases-D do veneno de Loxosceles podem servir como potenciais medicamentos antimicrobianos.

Em um estudo, um peptídeo isolado do veneno apresentou atividade antibacteriana em bactérias gram-negativas, como Pseudomonas aeruginosa e Enterobacter cloacae, e não afetou a viabilidade das células avaliadas. Há evidências de que esses peptídeos surgem de uma clivagem proteolítica de Fosfolipases-D.

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Pontencial das TCTPs na entrega de drogas

As proteínas tumorais controladas translacionalmente (TCTP) são proteínas altamente conservadas e onipresentes, descritas como multifuncionais devido ao seu amplo repertório de funções em relação aos processos biológicos intracelulares e extracelulares. Esta proteína já foi relacionada à atividade inflamatória dos venenos de Loxosceles intermedia.

A contribuição de TCTP-loxosceles para a resposta inflamatória exacerbada observada em pacientes envenenados está relacionada às suas propriedades histaminérgicas – o que sugere que a inibição dos efeitos de ativação de mastócitos poderia ser uma abordagem terapêutica para reduzir os eventos inflamatórios responsáveis pelos principais sintomas do loxoscelismo cutâneo.

Além disso essa proteína revela diversos outros potenciais farmacológicos.

As proteínas TCTP abrigam na região N-terminal de sua proteína, um domínio de transdução que poderia ser aplicado como veículos em sistemas de entrega de fármacos. Estes domínios são reconhecidos como veículos promissores para a entrega de fármacos macromoleculares.

Uma versão modificada desta proteína já foi descrita como um veículo promissor para administração intranasal de insulina.

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Mais recentemente, a TCTP demonstrou translocar-se em oócitos através da zona pelúcida e prevenir a deterioração da qualidade durante a cultura in vitro. A entrega de moléculas exógenas em oócitos ou embriões de mamíferos tem sido um desafio devido à existência da zona pelúcida protetora que envolve a membrana do oócito.

Outros potenciais para a TCTP envolvem promoção da proliferação, diferenciação e função de células osteoblásticas, destacando seu potencial uso como material médico suplementar em odontologia.

A capacidade do TCTP de proteger as células em uma série de condições de estresse foi descrita em cardiomiócitos, e os resultados evidenciam que a proteína TCTP desempenha um papel crítico para a sobrevivência destas células e tem uma função protetora contra a disfunção cardíaca induzida por drogas em camundongos.

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Peptídeos ICK: um possível analgésico

Os peptídeos ICK (do inglês, Inhibitory Cystine Knot Peptides) constituem uma família de peptídeos que caracteristicamente contêm resíduos de cisteína formando ligações dissulfeto intramoleculares.

Esses peptídeos possuem função biológica no veneno da aranha marrom – ação inseticida, por apresentarem efeitos tóxicos em insetos para fins de alimentação. Experimentos demonstraram paralisação de longa duração em moscas varejeiras, revelando seu potencial como bioinseticida – sendo uma possível alternativa para pesticidas químicos altamente utilizados na agricultura.

Além disso, estudos com outros peptídeos desta mesma família demonstram potencial de uso para a medicina. Alguns trabalhos já demonstraram que estes peptídeos podem modular canais iônicos e receptores fisiopatológicos relacionados a mecanismos de dor, descrevendo um possível efeito analgésico, potencial alternativa para pacientes insensíveis a analgésicos tradicionais.

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Papel dos Alérgenos

O envenenamento por veneno de aranha marrom é descrito como causador de reações inflamatórias no local de sua picada, sendo descritos sinais clínicos alergênicos como inchaço, coceira, vermelhidão e erupção cutânea. Esses sinais surgem anteriormente aos sinais inflamatórios, destacando a atividade de toxinas denominadas de alérgenos em seus venenos, mesmo que presentes em quantidade reduzida no veneno animal.

Ainda não foram descritas outras possíveis atividades tóxicas ou como essas toxinas interagem com as células. Porém, elas possuem alto potencial para serem usadas em testes de sensibilidade alérgica cutânea, reduzindo reações adversas ao veneno de aranha marrom e possibilitando tratamentos mais racionais para o envenenamento.

Também podem ser utilizados como antígenos para exames alérgicos sanguíneos, buscando reatividade com imunoglobulinas presentes no sangue dos pacientes e confirmando predisposição a alergias.

Por fim essas toxinas possuem também um potencial de imunoterapia específico para antígenos relacionados, dando origem a vacinas protetoras contra crises alérgicas graves.

Toxinas do Veneno de Aranha Marrom: arma para o desenvolvimento de novas terapias em saúde

Hialuronidases e a melhora da difusão de drogas

Assim como as hialuronidases de mamíferos, as hialuronidases de veneno de aranha marrom pertencem a um grupo de enzimas cujo principal substrato é o ácido hialurônico.

O ácido hialurônico é abundante na matriz extracelular dos tecidos conjuntivos moles de mamíferos. Além de suas funções estruturais básicas na matriz, o ácido hialurônico tem sido associado a funções moleculares mais específicas, como a ligação a proteínas e receptores celulares específicos que medeiam processos fisiológicos importantes.

A degradação do ácido hialurônico pela hialuronidase aumenta a permeabilidade do tecido conjuntivo e diminui a viscosidade dos fluidos corporais. Em relação ao envenenamento, estas enzimas estão diretamente envolvidas na propagação de venenos e toxinas – tornando o tecido permeável para as toxinas dos venenos. Fisiologicamente, também participam de processos importantes como a fertilização e a progressão do câncer.

Quanto aos potenciais biotecnológicos destas proteínas, uma opção está relacionada ao uso combinado com anestésicos locais para aumentar a difusão de drogas terapêuticas injetadas. A aplicação de uma hialuronidase humana recombinante (rHuPH20) ganhou destaque recentemente para a aplicação subcutânea de insulina, morfina, imunoglobulinas e outros fármacos, auxiliando na distribuição destes fármacos,

Em diferentes estudos, foi demonstrado que a administração de hialuronidases com medicamentos antineoplásicos reduz a pressão do líquido intersticial dentro do tecido tumoral. Ainda, agem como fator de disseminação, atuando para aumentar a penetração de agentes oncolíticos, potencializando a eficácia da terapia.

Além disso, a injeção de hialuronidase pode ser usado na área de estética para corrigir hipercorreções inestéticas e para reverter edema crônico ou oclusão vascular após aplicações de preenchimento com ácido hialurônico.

Como as hialuronidases do veneno de aranha marrom pertencem ao mesmo grupo de enzimas das hialuronidases de mamíferos, elas surgem como uma fonte alternativa dessas moléculas.

Toxinas do Veneno de Aranha Marrom: arma para o desenvolvimento de novas terapias em saúde

Foco nos Inibidores de Serino-proteases

Essas moléculas são descritas como capazes de inibir processos de coagulação plasmática, envolvidas na potencialização de distúrbios hemorrágicos causados pelo envenenamento (como hemorragia local na lesão cutânea).

Esses inibidores também podem agir como protetores de proteínas e toxinas presentes no veneno de aranha marrom, mantendo por mais tempo outras proteínas ativas. Estudos com proteínas recombinantes demonstraram atividade dos inibidores de serino-proteases sobre diversos processos celulares, revelando que ela pode ser útil para o entendimento de proliferação, migração e apoptose celular.

Porém, destaca-se seu possível uso para o controle de infestações agrícolas, uma vez que moléculas com suas características podem inibir uma série de enzimas digestivas presentes no trato gastrointestinal de insetos, apresentando um potencial inseticida.

Além disso, por essa característica de inibir serino-proteases, podem auxiliar inviabilizando bactérias, tendo assim alto potencial antibacteriano, com possível uso na substituição em tratamentos de infecções bacterianas resistentes aos antibióticos tradicionais.

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Considerações finais

O veneno da aranha marrom apresenta uma gama de proteínas e peptídeos naturais que podem eventualmente ser usados em produtos farmacêuticos, agentes biológicos e ferramentas para o desenvolvimento de novas terapias.

As potenciais aplicações de tais moléculas e a procura de novas terapias para tratar o loxoscelismo continuarão a estimular os estudos relativos a este veneno complexo, demonstrando a importância de compreender a ação do veneno de aranha marrom ou de suas proteínas isoladas, com diversos potenciais para a medicina moderna.

Referências:

Gremski LH, Matsubara FH, Polli NLC, Antunes BC, Schluga PHC, da Justa HC, Minozzo JC, Wille ACM, Senff-Ribeiro A, Veiga SS. Prospective Use of Brown Spider Venom Toxins as Therapeutic and Biotechnological Inputs. Front Mol Biosci. 2021 Jun 17;8:706704. doi: 10.3389/fmolb.2021.706704. PMID: 34222343; PMCID: PMC8247472.

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