Efeitos da interrupção de natalizumabe em gestantes com esclerose múltipla

capurro gravida

Um estudo publicado recentemente mostra que a interrupção do uso do natalizumabe antes ou durante a gestação pode aumentar o risco de incapacidade após surtos da esclerose múltipla.

Desse estudo, muitos raciocínios têm que ser levados em conta, desde a fisiopatologia da doença, a doença na gravidez e como o natalizumabe age na doença e na gestação.

Esclerose Múltipla: entendendo a doença

A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica crônica progressiva, em que ocorre uma inflamação autoimune com desmielinização da substância branca do sistema nervoso central, podendo afetar cérebro, cerebelo, tronco nervoso, nervo óptico e medula.

De uma forma mais simplificada, os axônios – responsáveis pela transmissão de impulsos nervosos – viram “fios desencapados”, interrompendo ou alterando os sinais nervosos.

A doença possui duas formas de apresentação: 1) em surtos que causam ataques inflamatórios que repercutem em sintomas neurológicos, ou 2) forma progressiva, que se caracteriza por um dano constante na função neurológica.

A EM afeta mais as mulheres, na proporção 2:1. e a idade média das mulheres acometidas pela doença é de 20 a 40 anos, possuindo maior incidência em pessoas que já possuem outra doença autoimune, como diabetes mellitus tipo1 e tireoidite autoimune (não sendo obrigatório possuir outra doença autoimune).

A causa ainda não é bem esclarecida, mas acredita-se ser associada a fatores genéticos (não é hereditária, mas possui genes específicos), fatores ambientes (menores níveis de vitamina D, tabagismo, solventes e vacinas), e infecções (ex: Epstein-Barr, vírus herpes humano). A doença se inicia após um gatilho, que podem ser estresse ou vacinais.

Você já leu nosso artigo sobre o EBV como causa principal para o desenvolvimento da EM? Pode acessar clicando aqui.

A doença não possui um tratamento curativo, mas os surtos podem ser tratados com pulsoterapia com corticoide, plasmaférese ou até metotrexato, dependendo da apresentação. Na manutenção da EM são administrados os imunomoduladores ou anticorpo monoclonal – aqui entra o natalizumabe.

natalizumabe

Preocupações do tratamento de EM durante a gestação

Como a incidência da doença é maior em mulheres, é natural que a gestação seja um assunto de preocupação e estudos. Mas o que a doença afeta na concepção ou quais suas alterações de curso em uma gestante?

A EM não possui interferência na concepção, assim como não aumenta o risco de nascimentos prematuros, malformações congênitas, nem causa aumento do número de cesáreas ou abortos espontâneos. Apesar disso foi observado que as mulheres acometidas por EM possuem menos gestações após o primeiro surto da doença, isso porque há uma diminuição do hormônio anti-Mülleriano (HAM), que é um dos indicativos de reserva ovariana.

O estudo PRISM (The pregnancy in multiple sclerosis) concluiu que as recaídas da doença decrescem durante a gestação, principalmente no 3º trimestre, e aumentam de novo após três meses do parto, chegando a níveis similares dos pré-gestação.

Isso se explica pelo fato de que o estrogênio e outros hormônios sexuais, possuem um efeito antiinflamatório e neuroprotetor, ou seja, ativam uma transformação imunológica durante a gestação, transformando a maioria das células T-helper em Th2 – que possui um efeito anti-inflamatório ao invés do Th1 (efeito pró-inflamatório). A concentração desses hormônios sexuais aumenta constantemente durante a gestação e chegam ao seu máximo no terceiro trimestre, proporcionando a maior taxa de proteção contra recaídas.

Mas e o natalizumabe? Qual seu papel na EM?

O natalizumabe (Tysabri®) é um anticorpo monoclonal anti-ITGA4, ou seja, age contra a subunidade alfa-4 das moléculas de integrina, que são importantes para a adesão e migração de células da vasculatura para o tecido inflamado. Ou seja, o natalizumabe bloqueia essa associação, limitando a adesão e a transmigração dos leucócitos. Na EM a eficácia pode estar relacionada ao bloqueio da migração de linfócitos T para o sistema nervoso central.

Apesar de seus ótimos efeitos, na gestação, o natalizumabe se encaixa como categoria C, ou seja, prescrição com risco, pois não há estudos em humanos e os testados em animais não existem ou mostraram risco fetal. Dessa forma, o natalizumabe deve ser usado apenas em situações em que o benefício potencial justifique o risco potencial ao feto.

Apesar de na gestação ser risco C, na amamentação ele possui pouca ou nenhuma biodisponibilidade oral, sendo compatível com o aleitamento materno.

natalizumabe

Afinal, usar ou não usar natalizumabe na gestação?

O estudo em questão analisou um coorte de 255 pacientes que interromperam o uso da medicação durante a gestação ou antes dela – em um período de dois anos antes a 84 dias após a data da última menstruação. Destas, quase 11% apresentaram incapacidade significativa relacionada a recidivas um ano após o parto. Além disso, durante a gestação e no pós-parto as recidivas também foram requentes.

Esses resultados do estudo estão de acordo com as recidivas encontradas em pacientes não gestantes, em que a atividade da doença retorna em 9-80% dos pacientes após 4 a 7 meses de interrupção da medicação, e retornam aos níveis pré-tratamento com 12 meses de descontinuidade do tratamento.

Os resultados desta pesquisa, segundo os realizadores, podem ser usados para embasar a decisão conjunta de mulher, neurologista e obstetra, sobre o tratamento e seu risco ou benefício do uso da gestação. Mais estudos ainda são necessários para agregar novas informações que podem ser decisivas no curso de doença ou em melhor manejo da gestação para paciente.

—-

Referências:

Você também pode ler mais sobre o Natalizumabe e sobre a Esclerose Múltipla acessando o nosso app WeMEDS®.

Varytė G, Zakarevičienė J, Ramašauskaitė D, Laužikienė D, Arlauskienė A. Pregnancy and Multiple Sclerosis: An Update on the Disease Modifying Treatment Strategy and a Review of Pregnancy’s Impact on Disease Activity. Medicina (Kaunas). 2020 Jan 21;56(2):49. doi: 10.3390/medicina56020049. PMID: 31973138; PMCID: PMC7074401.

 

 

Google search engine

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui