Ozonioterapia: há evidências científicas que apoiam a nova regulamentação?

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Na última segunda feira (7 de agosto), o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que autoriza o uso da ozonioterapia como tratamento de saúde complementar no Brasil.

Entenda mais sobre a nova regulamentação, o que a literatura científica traz sobre o assunto, e os riscos do uso indiscriminado da técnica.

 

Lei 14.648/2023 autoriza o uso da ozonioterapia no Brasil

Foi publicado no Diário Oficial da União em 07 de agosto de 2023 o decreto do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, sancionando o uso da ozonioterapia em território nacional.

Segundo a publicação, “fica autorizada a realização da ozonioterapia como procedimento de caráter complementar”, e algumas condições foram estabelecidas para que a técnica possa ser realizada.

Primeiramente, o procedimento apenas pode ser realizado por um profissional de saúde, com nível superior, e devidamente registrado em seu conselho profissional. O realizador é responsável pela aplicação e informação ao paciente, incluindo explicações de que este é um procedimento complementar.

Ainda, destaca-se que a ozonioterapia “somente poderá ser aplicada por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente regularizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou órgão que a substitua”.

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Anvisa reforça: não há evidências científicas que comprovem sua eficácia e segurança

Na segunda feira, a Anvisa publicou um comunicado à imprensa em resposta a sanção. Em nota, a agência comenta que as indicações para os equipamentos aprovados para uso da ozonioterapia são restritos à estética (limpeza e assepsia da pele) e à odontologia (dentística, periodontia, endodontia e cirurgia odontológica).

No comunicado, a Anvisa reforça que não há equipamentos autorizados para outros fins, visto que “ainda não foram apresentadas evidências científicas que comprovem sua eficácia e segurança”.

 

Ozonioterapia: o que é?

A técnica é baseada na aplicação de ozônio no paciente, com o objetivo de melhorar a oxigenação tecidual. O ozônio medicinal é obtido com o uso de um gerador de ozônio, em uma mistura com oxigênio.

Com a entrada do ozônio, há uma indução de ação antioxidante nas células, com ativação de diversas enzimas como superóxido dismutase, catalase e glutationa peroxidase.  Os defensores da técnica afirmam que há uma melhora da resposta imunológica, reduzindo a inflamação e auxiliando no combate a infecções.

Como citamos, a Anvisa libera o uso apenas na estética e na odontologia, mas na prática, sabemos que há diversos profissionais realizando a técnica para outros fins.

Com uma busca rápida, vemos que o procedimento pode ser realizado por aplicação subcutânea, intra-articular, tópica, ampolas retais ou vaginais, e até mesmo em ozonioterapia sistêmica (por auto-hemotransfusão ou injeção endovenosa direta).

Ozonioterapia: há evidências científicas que apoiam a nova regulamentação?

O que a literatura científica diz?

Em uma busca rápida por ozonioterapia em plataformas de pesquisa (como o PubMed, por exemplo), há diversos estudos com terapia de ozônio, visto o crescente interesse pelo tema. Após o uso na pandemia de COVID-19, há muita discussão científica sobre o assunto.

Em relação à COVID-19, os resultados ainda são conflitantes. Uma revisão sistemática com metanálise publicada em setembro do ano passado avaliou 13 estudos com terapia de ozônio. No trabalho, os autores destacam que foi observada uma redução da mortalidade após a terapia, mas esta vista apenas em estudos de caso-controle, e não em ensaios randomizados. Ainda, o intervalo de confiança para os achados é bem abrangente (OR = 0,24; IC 0,07-0,76).

A intervenção com ozônio não apresentou diferenças no tempo de internação, tanto em UTI quanto ambulatorial. No entanto, valores de D-dímero, lactato desidrogenase, PCR e IL-6 melhoraram com o uso da terapia. Também não houve relatos de efeitos adversos graves.

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Em uma revisão publicada na Frontiers in Physiology no ano passado, os autores comentam sobre estudos que descreveram as propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e anti-edema do ozônio medicinal.

Um dos trabalhos citados pelo grupo é um estudo randomizado que compara o uso da técnica com ácido hialurônico na osteoartrite de joelho. Segundo os autores, a combinação de ozonioterapia + ácido hialurônico apresentou melhores resultados, mas sem diferença estatística (ou seja…não foi significativo!).

O artigo ainda apresenta algumas revisões sistemáticas e metanálise que suportam o uso da ozonioterapia na osteoartrite de joelho. No entanto, ao observar detalhadamente os estudos, vimos que a maioria inclui poucos trabalhos, com dados que não eram suficientemente homogêneos, o que reduz o poder estatístico das análises.

Outro comentário, dentro do mesmo artigo, é que “alguns médicos usam a ozonioterapia de forma empírica em pacientes com doenças reumáticas usando infiltrações articulares há anos, supostamente com resultados muito positivos, mas não há grandes trabalhos publicados a esse respeito.”

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Uma outra revisão (sistemática) publicada no ano passado buscou determinar a eficácia e segurança da terapia com ozônio na dermatologia. Segundo os autores, embora promissora, a técnica segue com limitações, visto que os estudos ainda carecem de padronização metodológica. Dessa forma, não é possível avaliar a segurança e a eficácia do uso.

Na odontologia, os achados são mais homogêneos. Ainda assim, alguns pesquisadores destacam que “a maioria dos estudos têm alto risco de viés e alta heterogeneidade, e não é possível chegar a uma conclusão definitiva.”

 

Quais os efeitos adversos?

Embora os profissionais defensores da técnica afirmem que não há efeitos adversos relacionados, a literatura mostra o contrário. A depender da via de utilização, os efeitos adversos podem variar – desde náuseas e vômitos até dores de cabeça e lesões cutâneas.

Há relatos graves, como como infarto da medula espinhal e infarto do miocárdio com elevação do segmento ST, abscesso pré-vertebral, e óbito em caso de auto-hemotransfusão. No entanto, além de muito raros, a maioria dos casos teve aplicação por profissionais não habilitados, ou doses excessivas.

É importante destacar uma contraindicação absoluta: deficiência de glicose-6 fosfato desidrogenase (G6PD), que acomete cerca de 5-7% da população brasileira. A G6PD é necessária para fornecer íons de hidrogênio ao sistema glutationa, e sua ausência torna o eritrócito mais suscetível ao estresse oxidativo. Logo, há maior risco de hemólise.

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Considerações finais

Embora a lei que autoriza o uso tenha sido sancionada essa semana, o uso da ozonioterapia é amplamente difundido. É possível encontrar diversas indicações para o uso, desde o tratamento de disfunções respiratórias, até terapia para doenças autoimunes, infecção por HIV e adjuvante em quimio e radioterapia.

Em diversas páginas, profissionais comentam que a técnica é “segura e eficaz”. Como citamos, a literatura aponta alguns estudos com resultados positivos, mas ainda é controversa. Reforçamos: é necessário mais informação! Ainda há uma lacuna na padronização dos protocolos, visando novos estudos com evidências fortes o suficientes que suportem tais afirmações.

 

Referências:

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Órgão: Atos do Poder Legislativo. LEI Nº 14.648, DE 4 DE AGOSTO DE 2023. Publicado em: 07/08/2023 | Edição: 149 | Seção: 1 | Página: 1.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Comunicado à Imprensa. Publicado em 07/08/2023 11h47. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/comunicado-a-imprensa. Acessado em 07 de agosto de 2023.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). NOTA TÉCNICA Nº 43/2022/SEI/GQUIP/GGTPS/DIRE3/ANVISA.

Hidalgo-Tallón FJ, et al. Updated Review on Ozone Therapy in Pain Medicine. Front Physiol. 2022 Feb 23;13:840623. doi: 10.3389/fphys.2022.840623.

Oliveira Modena DA, et al. Ozone Therapy for Dermatological Conditions: A Systematic Review. J Clin Aesthet Dermatol. 2022 May;15(5):65-73. PMID: 35642231; PMCID: PMC9122276.

Randi CJ, et al. Use of ozone therapy in Implant Dentistry: a systematic review. Oral Maxillofac Surg. 2023 Mar 13. doi: 10.1007/s10006-023-01149-3.

D Ambrosio F, et al. Is Ozone a Valid Adjuvant Therapy for Periodontitis and Peri-Implantitis? A Systematic Review. J Pers Med. 2023 Apr 8;13(4):646. doi: 10.3390/jpm13040646.

Setyo Budi D, et al. Ozone as an adjuvant therapy for COVID-19: A systematic review and meta-analysis. Int Immunopharmacol. 2022 Sep;110:109014. doi: 10.1016/j.intimp.2022.109014.

 

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