Microdosagem de psicodélicos e benefícios à saúde mental

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As substâncias atualmente conhecidas como “psicodélicos” são comumente barradas para o consumo pelas agências sanitárias da maioria dos países. No entanto, em comunidades tradicionais das américas seu uso é amplamente aceito, de forma medicinal ou até mesmo ritualística.

Com isso em mente, uma equipe de pesquisadores recentemente conduziu um estudo com indivíduos que realizam a utilização de psicodélicos em micro doses, a fim de aferir as possíveis consequências / efeitos desencadeados por tais substâncias.

Uso de psicodélicos

Dentre as principais substâncias consumidas, presentes muitas vezes em fungos, estão a psilocibina e dietilamida do ácido lisérgico – LSD.

A psilocibina é uma substância enteógena, ou seja, que possui capacidade de alterar a consciência. Bioquimicamente, esta substância possui poucos estudos farmacodinâmicos e farmacocinéticos. Entretanto, sabe-se que a psilocibina possui interação com o receptor 5-HT2A e com outros receptores de serotonina. Em geral, as reações dependem de características individuais, mas as mais comuns são falta de coordenação motora, distúrbios visuais, náuseas, vertigem, dilatação das pupilas e taquicardia. O tempo de recuperação varia de 4-12 horas.

Já no caso do LSD, sua interação é menos seletiva em relação a psilocibina, atuando de maneira mais ampla com os receptores 5-HT.

Ainda existem poucos estudos acerca da toxicidade de ambas as substâncias, devido a sua proibição de uso. Entretanto, a partir de uma dose limite seu efeito não é mais aumentado, uma vez que não é possível inibir a concentração de serotonina na fenda sináptica. O excedente é excretado por desintoxicação hepática. Para psilocibina, estima-se que para um adulto de 60kg atingir overdose, seria necessário o consumo de cerca de 17kg da substância.

Prática de microdosagem

A prática de microdosagem é o ato de consumir pequenas quantidades de psicodélicos, de forma sub-perceptiva. Ou seja, os efeitos são sutis, mas podem influenciar de forma perceptível. O Guia do Explorador Psicodélico, do Dr. Fadiman, explica com detalhes como realizar a prática com segurança.

Um trabalho recente publicado na renomada Scientific Reports avaliou dados disponíveis na plataforma Microdose.me, o maior estudo de micro dosagem atualmente conhecido.

Os resultados reuniram cerca de 8730 pessoas de 84 nações diferentes. Os participantes foram classificados em “micro dosadores” e “não micro dosadores”, com base na resposta autorrelatada da pergunta “Atualmente, você tem uma prática regular de micro dosagem?”.

O grupo micro dosador era restrito a indivíduos que relataram uma prática atual no momento da participação no estudo. Para estes, foi solicitado especificar a substância, a dosagem, o protocolo de uso e de tempo, a quantidade, a duração desde o início da micro dosagem e as motivações para o uso. O segundo grupo incluiu aqueles que nunca haviam “micro dosado”, além daqueles com histórico de uso, mas que não realizaram durante o estudo.

O uso da psilocibina no regime de micro doses foi amplamente mais relatado em comparação ao de LSD: cerca de 85% para psilocibina comparado a 11%. Os demais participantes responderam realizar o uso conjunto de ambas as substâncias.

Dentre as principais motivações para o consumo relatadas pelos pacientes investigados pela pesquisa, estavam a melhora da atenção, melhora de humor e melhora da criatividade. Cerca de 29% dos usuários relataram questões associadas a saúde mental, sendo que melhora/ajuda foi o tópico mais relacionado ao papel desempenhado pelos psicodélicos em uso.

Alívio dos sintomas relacionados a ansiedade, stress pós-traumático, crises de pânico, depressão, e até mesmo no auxílio de pessoas que buscavam se livrar de vícios em tabaco ou álcool. Com menos relatos, mas ainda assim presentes, estavam associados a utilização da substância no auxílio do transtorno bipolar, problemas alimentares e esquizofrenia.

De fato, após análise refinada dos dados, foi encontrada associação positiva para melhora dos sintomas depressivos, vício em tabaco e eventos traumáticos com o uso de micro doses de tais substâncias.

Microdose.me

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Como mencionado, o “Microdose” está disponível no site microdose.me, e é um estudo correlacional sobre os efeitos da microdosagem de substâncias psicodélicas no desempenho cognitivo e saúde mental.

Para participar, é necessário baixar o aplicativo e preencher um questionário de ingestão, incluindo informações demográficas básicas, histórico médico básico e uso autorrelatado de psicodélicos. Em seguida, será solicitado uma análise de desempenho cognitivo autoadministrado e avaliações de saúde mental no próprio aplicativo.

Independentemente de estar ou não em uso de psicodélicos em micro dosagens, é solicitado manter rotinas diárias normais por até 3 meses, respondendo a questionários diários breves de cerca de 1 minuto por dia. Uma vez ao mês, as avaliações de desempenho cognitivo e saúde mental são repetidas.

Lembrando que não é necessário usar psicodélicos em nenhuma dose para participar deste estudo, e a equipe deixa claro que não fornece nenhuma substância ou instruções de obtenção e uso.

Considerações finais

Da parte dos pesquisadores envolvidos houve o entendimento de diversas limitações do estudo, uma vez que ele se baseou em respostas individuais dos pacientes, e não em análises clínicas propriamente ditas. Entretanto, os indivíduos questionados (de maneira geral) não se conheciam, e estavam distribuídos em diversos países ao redor do mundo, o que reduz alguns vieses.

Tal estudo pode servir como prévia para outros futuros, a fim de determinar melhor o impacto das práticas de micro dosagem nos aspectos de cognição, humor e bem-estar. Ainda, incentivar uma melhor regulamentação quanto a estudos clínicos envolvendo tais substâncias, para elucidar com mais precisão o possível uso terapêutico dessas drogas.

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Referências:

ROOTMAN, Joseph M. et al. Adults who microdose psychedelics report health related motivations and lower levels of anxiety and depression compared to non-microdosers. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 1-11, 2021.

CAROD-ARTAL, Francisco Javier. Hallucinogenic drugs in pre-Columbian Mesoamerican cultures. Neurología (English Edition), v. 30, n. 1, p. 42-49, 2015.

ANDERSON, Thomas et al. Microdosing psychedelics: personality, mental health, and creativity differences in microdosers. Psychopharmacology, v. 236, n. 2, p. 731-740, 2019.

JÉSSICA FERREIRA FARIA. FUNGOS ALUCINÓGENOS: Uma revisão sobre o Psilocybe sp. e a substância Psilocibina. 2017.

 

 

 

 

 

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