Influência da Cannabis em pacientes com Cetoacidose Diabética

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Um novo estudo identificou um aumento de pH considerável em pacientes com cetoacidose diabética em uso de Cannabis, sugerindo a inclusão da avaliação do uso no momento do diagnóstico.

Cetoacidose diabética

A cetoacidose diabética (CAD), assim como o estado hiperosmolar hiperglicêmico, é uma das mais sérias complicações agudas do diabetes. Geralmente o fator precipitante da CAD pode ser identificado. Na maior parte das vezes, infecções e o uso inadequado de insulina (por erro ou descontinuação) desencadeiam a complicação.

Para que os critérios de CAD sejam preenchidos, de acordo com a Associação Americana de Diabetes (ADA – American Diabetes Association), é necessário que além de hiperglicemia (glicemia sérica > 250 mg/dL), também coexistam condições de cetose (cetonúria, obtida por exame de urina, ou cetonas obtidas de forma sérica), acidose arterial (pH ≤ 7,25 – 7,30) e índices de bicarbonato sérico < 15 mmol/L. O ânion GAP na CAD é elevado, de pelo menos 10.

Em contraste a estes critérios, entretanto, um recente estudo publicado no periódico Diabetes Care apontou valores laboratoriais bem diferentes diante do uso de Cannabis: mais de 90% dos pacientes em CAD que haviam feito uso da droga apresentaram valor do pH arterial de pelo menos 7,4, e de bicarbonato sérico > 15 mmol/L.

O estudo

No trabalho citado pelo periódico, foram analisados 68 adultos com diabetes tipo 1 atendidos em serviço de emergência por um total de 172 eventos de CAD, que receberam diagnóstico de acordo com o CID-10. Os critérios de seleção foram glicemia > 250 mg/dL, intervalo aniônico > 10 mmol/L, presença de cetonas (aqui defininidas por beta-hidroxibutirato ≥ 0,6 mmol/L) e resultado do exame toxicológico de urina realizado à admissão.

Após o ajuste para idade e sexo, o pH venoso médio foi de 7,42 para usuários de Cannabis, significativamente maior do que o pH de 7,09 entre não usuários. Ainda, a média do intervalo aniônico sérico de usuários de Cannabis foi de 20,9 mmol/L versus 23,9 mmol/L entre não usuários, e a média de bicarbonato sérico foi de 19,2 mmol/L versus 9,1 mmol/L, respectivamente – uma diferença altamente significativa!

Dos 74 eventos de cetoacidose diabética entre usuários de Cannabis, 96% tinham pH venoso ≥ 7,4 e bicarbonato sérico ≥ 15 mmol/L no momento do atendimento hospitalar.

Com base nos achados, os autores definiram um novo termo para o fenômeno: “Cetose hiperglicêmica em decorrência da síndrome de hiperêmese por Cannabis”.

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Comportamento da Cetose Hiperglicêmica por Cannabis

A síndrome de hiperêmese por Cannabis foi descrita em pessoas que usam a substância de forma intensa ou crônica. Acredita-se que o quadro esteja associado a uma diminuição da motilidade gástrica, que causa vômitos cíclicos matinais e dor abdominal – sintomas eventualmente (e curiosamente) aliviados por banhos quentes.

Além disso, os vômitos associados à síndrome de hiperêmese por Cannabis geram alcalose metabólica como um grande mecanismo de compensação, de forma que, nestes casos, a alcalose metabólica seja o principal problema.

A abordagem imediata na cetoatocidose relacionada ao uso de Cannabis é a mesma da cetoacidose diabética grave, envolvendo basicamente a reposição volêmica e a administração de insulina, que visam reduzir o intervalo aniônico.

Qual a importância disto?

A cetose hiperglicêmica em decorrência da síndrome de hiperêmese por Cannabis ganha importância quando falamos de prognóstico. O seguimento dos pacientes com esta síndrome é diferente, visto que o indivíduo provavelmente retornará ao pronto-atendimento com frequência a menos que interrompa o uso da substância.

Dessa forma, é importante lembrar da hiperêmese por Cannabis em todos os pacientes com diabetes tipo 1 e sintomas de cetoacidose diabética que apresentam pH e bicarbonato elevados, diferentes dos valores comumente encontrados.

Sugere-se que, uma vez percebidos tais dados, todos os pacientes sejam indagados sobre/examinados para uso da droga. Para tanto, aconselha-se tanto a realização de pesquisa urinária para Cannabis, quanto perguntar objetivamente ao paciente sobre o uso.

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Referências:

Irl B Hirsch, Michael Emmett. Diabetic ketoacidosis and hyperosmolar hyperglycemic state in adults: Clinical features, evaluation, and diagnosis. UpToDate®. Mar 2020.

Suspeite de uso de Cannabis na cetoacidose diabética com pH elevado – Medscape – 3 de janeiro de 2022.

Halis Kaan Akturk, Janet Snell-Bergeon, Gregory L. Kinney, Anagha Champakanath, Andrew Monte, Viral N. Shah; Differentiating Diabetic Ketoacidosis and Hyperglycemic Ketosis Due to Cannabis Hyperemesis Syndrome in Adults With Type 1 Diabetes. Diabetes Care 1 February 2022; 45 (2): 481–483. https://doi.org/10.2337/dc21-1730

 

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