Epigenética, escitalopram e gestação: qual a relação?

Um grupo de pesquisadores buscou avaliar se o uso de antidepressivos no período pré-natal poderia impactar em alterações epigenéticas no recém-nascido. Para isso, utilizaram um dos ISRS mais prescritor para gestantes: o escitalopram.

Qual seria o papel do escitalopram e das alterações epigenéticas no neurodesenvolvimento da criança a longo prazo? Será que alterações de metilação no DNA podem explicar a relação?

O estudo foi publicado ano passado na revista Translational Psychiatry, que faz parte do grupo Nature. Veja mais sobre este trabalho que investiga a relação entre epigenética, escitalopram e gestação.

 

Mais de 1 em cada 10 mulheres sofrem de depressão no período perinatal

Mais de uma em cada 10 mulheres experimentam depressão perinatal, e sintomas depressivos duradouros durante a gravidez podem contribuir para resultados adversos tanto para a mãe quanto para a criança.

Para tratar a depressão moderada a grave, as mulheres grávidas estão cada vez mais recebendo prescrições de antidepressivos, com 1 a 7% das mulheres grávidas usando inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). O citalopram e o escitalopram, estruturalmente similares (daqui em diante, trataremos esses fármacos como (es)citalopram), são coletivamente os ISRSs mais prescritos para mulheres grávidas.

depressão na gestação

O uso de antidepressivos na gestação pode oferecer mais riscos ao bebê?

Estudos farmacoepidemiológicos têm associado esses dois fatores (tanto a exposição pré-natal a antidepressivos quanto a depressão materna durante a gravidez) a um aumento do risco de alterações no neurodesenvolvimento da criança.

Os mecanismos subjacentes não são conhecidos, mas já foi demonstrado que a exposição pré-natal a antidepressivos pode estar associada a diferenças epigenéticas no sangue do cordão umbilical (em particular, na metilação do DNA (DNAm). No entanto, os estudos mostram resultados conflitantes, visto que há diferença entre os genes candidatos escolhidos e a definição de exposição ao medicamento, além de muitas pesquisas apresentarem um tamanho amostral pequeno e a falta de um grupo para controle.

Também já foram publicados alguns estudos que encontraram associação entre o DNA metilado e a exposição pré-natal a antidepressivos; entretanto, cada estudo encontrou uma região diferente do genoma.

gravida tomando antidepressivo remédio

Epigenética, escitalopram e gestação: entenda o estudo

Um estudo publicado pelo grupo Nature na Translational Psychiatry apresenta análises de associação do epigenoma e investiga:

(1) A exposição pré-natal ao (es)citalopram ou a depressão materna podem estar associadas a diferenças no DNAm no sangue do cordão umbilical de recém-nascidos?

(2) Quais são os efeitos de interação do (es)citalopram e do DNAm sobre o neurodesenvolvimento da criança a longo prazo?

A pesquisa foi realizada com uma grande quantidade de indivíduos (n = 114.500 crianças, n = 95.200 mães e n = 75.200 pais), sendo que 40,6% das mulheres que deram à luz entre 1998 e 2008 consentiram em participar. As informações vieram do biobanco Norwegian Mother, Father and Child Cohort Study (MoBa), que contém dados de questionários sobre o uso materno de escitalopram e depressão durante a gravidez, além de informações sobre os desenvolvimento neurológico infantil.

escitalopram e gestação

Assim, os pesquisadores dividiram as amostras em três grupos:

(1) expostas durante o pré-natal ao (es)citalopram;

(2) expostas durante o pré-natal à depressão materna e

(3) controles não expostos a antidepressivos nem à depressão materna.

No grupo do (es)citalopram, outros antidepressivos foram permitidos, exceto quando usados concomitantemente com (es)citalopram para a mesma indicação. As indicações para o uso foram depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental, sendo que esses transtornos foram analisados através de questionários.

O neurodesenvolvimento das crianças foi analisado em várias idades a partir de questionários, com algumas alterações observadas sendo transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), prejuízo nas habilidades de comunicação e no desenvolvimento psicomotor.

tdah

O escitalopram está associado a uma alteração na metilação do DNA?

Os pesquisadores analisaram os padrões de metilação de DNA no sangue do cordão umbilical nos três grupos: (1) expostos ao (es)citalopram (n = 306), (2) depressão materna (n = 308), e (3) controles selecionados (n = 344).

Com essas análises, NÃO foi observada diferença significativa na metilação de DNA associada à exposição pré-natal ao (es)citalopram ou à depressão materna. Entretanto, foram observados mais sintomas de TDAH e atrasos na comunicação e nas habilidades psicomotoras entre crianças expostas ao (es)citalopram durante a gravidez.

Crianças expostas pré-natalmente ao (es)citalopram (7.5%) tinham significativamente mais chances de ter um diagnóstico de TDAH em comparação com os controles (2.9%). Estudos anteriores já haviam relatado uma associação entre exposição pré-natal a antidepressivos e diagnóstico de TDAH na criança, mas os resultados tinham sido conflitantes.

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Conclusão

Embora a exposição pré-natal ao (es)citalopram esteja associada a maiores sintomas relacionados a TDAH, atraso na comunicação e psicomotor, os mecanismos epigenéticos de metilação de DNA não parecem ser a causa subjacente a essa associação.

 

Referências

OLSTAD, E. W. et al. Effects of prenatal exposure to (es)citalopram and maternal depression during pregnancy on DNA methylation and child neurodevelopment. Translational Psychiatry (2023) 13:149.

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