Diagnóstico preciso do Autismo com auxílio de Inteligência Artificial

criança com transtorno do espectro do autismo

Um estudo recente buscou identificar se seria possível identificar o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) em um indivíduo por meio de fotografias de sua retina. Veja mais sobre o trabalho, publicado na JAMA Network.

 

Avanço da inteligência artificial na medicina

No cenário atual, testemunhamos uma transformação acelerada no campo da medicina, impulsionada por avanços significativos em diagnósticos, tratamentos inovadores, terapias medicamentosas direcionadas e intervenções cirúrgicas alimentadas por tecnologias de inteligência artificial (IA) de última geração, incluindo as poderosas técnicas de aprendizado profundo (DL).

A rápida evolução do aprendizado de máquina (ML, do inglês) desempenha um papel fundamental nessa revolução médica. Na esfera da saúde, esses algoritmos de ML exploram dados médicos para gerar descobertas inovadoras e resultados promissores.

Essa convergência de tecnologia e medicina está moldando um novo paradigma, destacando a importância da integração dessas ferramentas avançadas para aprimorar a prática clínica e proporcionar avanços significativos na prestação de cuidados de saúde.

No final do ano passado, avançamos ainda mais em direção a este novo paradigma. A questão era: seria possível identificar o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) em um indivíduo por meio de fotografias de sua retina?

Essa investigação promissora representa um marco significativo, demonstrando a capacidade de combinar avanços tecnológicos e conhecimento médico para alcançar objetivos inovadores no diagnóstico e caracterização de condições complexas como o TEA.

inteligencia artificial

Transtorno do espectro do autismo diagnosticado por IA

Vamos começar explorando como funcionou o estudo.

Para esta pesquisa, os pesquisadores contaram com a participação de 958 voluntários, dos quais foram capturadas 1890 imagens dos olhos. Dentro desse grupo, metade possuía diagnóstico de TEA, enquanto a outra metade apresentava um desenvolvimento típico (DT) e foi cuidadosamente selecionada para corresponder à mesma faixa etária e sexo dos participantes com TEA.

É importante ressaltar que houve uma seleção rigorosa, excluindo participantes com TEA e transtorno psiquiátrico grave, indivíduos com DT e transtorno psiquiátrico, assim como aqueles com doença neurológica ou ocular. Isso destaca um aspecto crucial que será abordado em breve.

inteligência artificial

Com base nos dados coletados, foi possível desenvolver o modelo de ML. Para quem não está familiarizado com o processo de desenvolvimento de um modelo, aqui está um resumo:

Cada indivíduo foi categorizado como TEA (se estivesse no espectro do autismo) ou DT (se não estivesse). Em seguida, pelo menos uma imagem da retina foi associada a cada participante. O algoritmo, então, buscou identificar padrões na imagem que poderiam ser relacionados ao diagnóstico.

Suponhamos que, nas imagens dos participantes com TEA, tenha sido identificado um padrão X na região A, enquanto nos participantes com DT, a mesma região apresentava padrões Y ou Z. Cada vez que o padrão X era identificado na região A, a probabilidade de o algoritmo classificar a imagem como pertencente ao diagnóstico de TEA aumentava.

Após a construção do modelo, foi realizada a sua avaliação. E para surpresa de todos, inclusive dos pesquisadores (acredito eu), alcançou-se uma precisão de 100%. Ou seja, o modelo foi capaz de diagnosticar indivíduos com DT como DT e indivíduos com TEA como TEA.

transtorno do espectro autista

Perspectivas futuras

Isso significa o fim da psiquiatria? Claro que não. Em primeiro lugar, porque a psiquiatria vai muito além do diagnóstico de pacientes com ou sem algum transtorno do espectro do autismo.

Em segundo lugar, porque o modelo apresentou uma precisão de 100% em um conjunto de dados de teste fornecido pelos pesquisadores.

É comum (se não essencial) dividir os dados em dois grupos: treinamento e teste. As imagens de teste foram apresentadas ao algoritmo sem os diagnósticos associados. Assim, o modelo forneceu os diagnósticos, que foram posteriormente comparados aos diagnósticos reais dos pacientes. Portanto, é crucial notar que o modelo obteve 100% de precisão neste conjunto específico de dados de teste (o que, por sua vez, já é impressionante).

Embora o destaque deste estudo seja notável, acredito que sua maior contribuição pode não residir no algoritmo em si. Diante das limitações, como o uso de dados de um único centro, é desafiador antecipar o desempenho do modelo em outras populações. E mesmo que sua aplicabilidade seja ampliada, a exclusão de dados de pacientes com condições neurológicas e psiquiátricas restringe significativamente sua utilidade, considerando a alta prevalência dessas condições associadas ao Transtorno do Espectro do Autismo.

Por fim, o modelo se destina a distinguir entre pacientes com TEA e aqueles sem a condição, enquanto na prática clínica, enfrenta-se a complexidade de diferenciar o TEA de várias outras desordens neurológicas e psiquiátricas, cujos sintomas frequentemente se sobrepõe**.

Possivelmente, a descoberta mais relevante deste estudo não reside na capacidade diagnóstica da retina por algoritmos de ML, embora válida, mas sim na contribuição desta estrutura ocular para a compreensão e elucidação do TEA. Em conjunto com pesquisas anteriores, este resultado sugere a viabilidade da retina como uma ferramenta para compreender alterações estruturais no cérebro e seu impacto nos pacientes.

autismo

**Opinião pessoal: acredito que, embora não seja impossível, será muito difícil construir um modelo deste tipo, capaz de identificar diferentes transtornos e condições psiquiátricas e neurológicas. Neste mesmo trabalho, os pesquisadores utilizaram as imagens de pacientes com TEA para construir um modelo capaz de identificar a severidade dos sintomas. E, mesmo tentando isolar a condição (neste caso, o TEA), a acurácia foi consideravelmente inferior ao modelo de diferenciação TEA x DT. É provável que, por conta da sobreposição de sinais e sintomas entre estas condições, também haja sobreposição de padrões em nível de algoritmo.

Referências:

Kim JH, Hong J, Choi H, et al. Development of Deep Ensembles to Screen for Autism and Symptom Severity Using Retinal Photographs. JAMA Netw Open. 2023;6(12):e2347692. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.47692

 

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