Impacto das variantes de APOE na mortalidade por COVID-19

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Em um trabalho recente, cientistas identificaram variantes genéticas comuns à população como fatores que influenciam na mortalidade pela COVID-19. No estudo, foi proposto que tais alterações poderiam explicar parcialmente a heterogeneidade dos desfechos observados em pacientes infectados por SARS-CoV-2.

O gene cujas variantes foram avaliadas foi o já conhecido APOE, envolvido no metabolismo lipídico, e previamente associado a algumas patologias como a Doença de Alzheimer, aterosclerose e metástases em câncer.

 

A variabilidade genética na infecção por SARS-CoV-2 ainda pode ser explorada

Com sintomas que variam de uma infecção assintomática até condições mais graves e com indivíduos incapacitados ou resultando em morte, a heterogeneidade dos desfechos clínicos da COVID-19 ainda é um desafio para profissionais da saúde e cientistas, que unem esforços para compreender os fatores responsáveis por essa variação.

Alguns avanços nesse sentido já foram feitos: já se sabe, por exemplo, que fatores como idade, sexo e comorbidades prévias contribuem para piores desfechos. Entretanto, esses aspectos ainda não são suficientes para explicar totalmente o amplo espectro clínico da infecção por SARS-CoV-2.

Nesse contexto, alguns estudos de associação genética surgem como uma luz nesse caminho, sugerindo a contribuição de variantes genéticas nessa variabilidade.

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Um estudo publicado recentemente na revista Nature pode auxiliar nessa questão. Nele, os pesquisadores demonstraram que camundongos portadores de variantes genéticas comuns do gene da Apolipoproteína E (APOE) possuíam aumentado risco de morte por infecção pelo SARS-CoV-2.

O estudo ainda traz uma análise retrospectiva, e sugere que os pacientes com essas mesmas variantes genéticas tinham maior probabilidade de morrer por COVID-19 durante a pandemia.

O que é a APOE e qual sua possível contribuição nos desfechos da COVID-19?

A Apolipoproteína E é uma glicoproteína, codificada pelo gene APOE e produzida principalmente pelo fígado, sendo encontrada também no plasma (onde é uma das mais prevalentes), no cérebro, entre outros tecidos.

Polimorfismos nesse gene dão origem a três variantes altamente prevalentes na população: APOE2, E3 e E4. Essas, por sua vez, codificam proteínas que diferem em um ou dois aminoácidos – diferença que pode parecer pequena, mas é a responsável pela variante APOE4 ser o fator de risco mais forte para a Doença de Alzheimer, por exemplo.

As variantes da Apolipoproteína E modulam vários processos relacionados ao sistema imunológico, incluindo imunidade antitumoral, aterosclerose e artrite reumatoide. Além disso, também já foram associadas a outras condições como a Doença de Parkinson, o transtorno bipolar, a esquizofrenia, a fibromialgia, entre outros.

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No estudo que comentamos inicialmente, 328 camundongos modificados geneticamente para carregarem as variantes genéticas da APOE humana foram infectados com uma cepa de SARS-CoV-2. Observou-se que o genótipo afetou significativamente a sobrevida desses animais, com as variantes E2 e E4 sendo responsáveis pelos piores resultados de sobrevida em relação à variante E3.

Cabe destacar que na população mundial a variante APOE3 é a mais prevalente. Porém, 40% da população carrega pelo menos uma cópia da variante E2 ou E4 e aproximadamente 3% são homozigotos para E2 ou E4.

O experimento demonstrou ainda que animais com os genótipos E2 e E4, quando comparados aos de genótipo E3, apresentaram uma rápida progressão da doença, cargas virais aumentadas e repostas imunes adaptativas suprimidas logo após a infecção.

De maneira mais aprofundada, numa investigação a nível celular, foi possível identificar que o genótipo E3 parecia reduzir a quantidade de vírus que entrava na célula, enquanto os animais com as outras variantes tinham respostas imunes menos potentes ao vírus.

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Os achados em estudos animais foram apoiados por dados de associação clínica em seres humanos.

Através da análise dos dados de mais de 13 mil pacientes registrados no UK Biobank (Reino Unido) durante a pandemia, os pesquisadores constataram um aumento da mortalidade por COVID-19 nos indivíduos com duas cópias de APOE4 ou APOE2 em comparação aos que possuíam duas cópias de APOE3. Como citado anteriormente, indivíduos homozigotos para essas duas variantes são aproximadamente 3% da população, representando cerca de 230 milhões de pessoas em todo o mundo.

Ainda que esses resultados demonstrem implicações clínicas potenciais, estudos prospectivos são necessários para entender de que maneira eles podem auxiliar em estratégias e no manejo da população no cenário da pandemia. Também é importante levar em consideração o impacto que a vacinação teve na população e, especialmente, avaliar a eficácia dela em indivíduos com diferentes genótipos.

Uma questão levantada pelos pesquisadores é “a possibilidade de se utilizar a genotipagem APOE para uma estratificação de risco em SARS-CoV-2 e talvez outras infecções virais, de modo a permitir que futuros pacientes se beneficiem de abordagens preventivas e terapêuticas mais agressivas, incluindo vacinações de reforço precoce, medicamentos antivirais e terapias com anticorpos monoclonais”.

Referências:

Ostendorf, B.N., Patel, M.A., Bilanovic, J. et al. Nature 611, 346–351 (2022). https://doi.org/10.1038/s41586-022-05344-2

Safdari Lord, J., Soltani Rezaiezadeh, J., Yekaninejad, M.S. et al. Sci Rep 12, 13483 (2022). https://doi.org/10.1038/s41598-022-17262-4

Willson, J. Nat Metab 4, 1430 (2022). https://doi.org/10.1038/s42255-022-00675-w

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