Tofacitinibe para artrite reumatoide: aumento do risco cardiovascular e de câncer

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Um estudo recente, publicado na The New England Journal of Medicine comenta sobre os riscos e benefícios do uso do tofacitinibe em pacientes com AR. Nesse trabalho, os autores identificaram um aumento dos riscos cardiovasculares maiores e do desenvolvimento de câncer.

Artrite reumatoide – como tratar?

A artrite reumatoide (AR) é uma doença crônica inflamatória autoimune de caráter progressivo, com acometimento articular – em especial mão, pé e punho. Acomete cerca de 1%da população, mais frequentemente mulheres, e pode cursar com deformações. O pico de prevalência ocorre próximo aos 50 anos. Assim como grande parte das doenças autoimunes, sua etiologia permanece incerta, e fatores ambientais e genéticos estão envolvidos.

Nesse post, não vamos focar na fisiopatologia da doença ou suas manifestações. Para mais detalhes, você pode encontrar uma descrição completa no nosso app WeMEDS. Vamos direto ao tratamento:

O objetivo geral da terapêutica da AR inclui reduzir a inflamação e os achados sistêmicos, melhora álgica, assim como preservar e proteger articulações. O ideal é iniciar o tratamento o mais precocemente possível, utilizando as drogas antirreumáticas modificadoras de doença (DMARDs). De forma multidisciplinar, as medidas gerais que todos os pacientes devem tomar incluem fisioterapia, psicoterapia, repouso articular e colar cervical quando apropriado.

Como primeira linha de tratamento, utilizam-se os DMARDs sintéticos, e em geral a primeira escolha é o metotrexato (MTX). Caso o paciente seja intolerante ao MTX ou não responda ao tratamento em três meses, outras opções como sulfassalazina ou leflunomida podem ser utilizados. Eventualmente, hidroxicloroquina pode ser uma opção em casos de refratariedade.

Pacientes que não respondem adequadamente ao uso de DMARDs sintéticos, inclusive em uso combinado, por até 6 meses, podem se beneficiar do uso de biológicos. Como opções terapêuticas nessas classes temos os medicamentos anti-TNFα, análogos de CTLA-4, neutralizadores de CD20 e bloqueadores de interleucina-6.

Para alívio dos sintomas, podem ser associados AINEs e corticoides sistêmicos ou intra-articulares, e em casos de apresentações sistêmicas, a pulsoterapia com corticoide pode ser benéfica.

Tá, mas e o tofacitinibe? Ninguém vai falar dele?

Uso de tofacitinibe na AR

O tofacitinibe (Xeljanz®) é usado em pacientes com AR com resposta inadequada a um ou mais DMARDs. Também pode ser usado em artrite psoriásica e colite ulcerativa.

Seu mecanismo de ação se dá ao inibir as Janus quinases (JAK), enzimas intracelulares envolvidas na estimulação da hematopoese e na função das células imunes por uma cascata de sinalização. Em resposta a essa sinalização por fatores de crescimento, as JAKs ativam transdutores de sinal e ativadores de transcrição (STATs) que regulam a expressão gênica e atividade intracelular. A inibição das JAKs pelo tofacitinibe impede essa transcrição gênica, reduzindo células NK, IgG, IgM, IgA e proteína C-reativa, bem como estimulando a produção de células B.

tofacitinibe

Recentemente, um artigo foi publicado na revista The New England Journal of Medicine comentando sobre os riscos e benefícios do uso do tofacitinibe em pacientes com AR. E os resultados encontrados não foram muito animadores.

O uso de tofacitinibe aumenta os riscos de efeito cardiovascular maior e desenvolvimento de câncer

Um estudo de fase 4 avaliou quase 3 mil pacientes que receberam 5 mg ou 10 mg de tofacitinibe duas vezes ao dia, randomizados em comparação com um inibidor de TNF (adalimumabe ou etanercepte).

O infarto do miocárdio não fatal foi o efeito colateral cardiovascular mais comum entre os pacientes com tofacitinibe. Após um seguimento médio de quatro anos, o risco de sofrer um evento cardiovascular foi maior nos pacientes em uso de tofacitinibe em comparação ao uso de inibidor de TNF (43% com a dose 10 mg e 24% com a dose de 5 mg).

O risco combinado para as duas doses de tofacitinibe aumentou 1,33 vezes a chance de um evento cardiovascular maior ocorrer. Os pesquisadores concluíram que, em 5 anos e meio, essa probabilidade cumulativa é de 2,2% no grupo experimental e 0,7% no grupo controle.

Ao avaliar o risco adicional de neoplasias, o resultado foi essencialmente o mesmo, independentemente da dose de tofacitinibe. Em comparação aos pacientes em uso de inibidores de TNF, a incidência de câncer foi mais alta com o uso de tofacitinibe (4,2% dos casos, com ambas as doses), e a probabilidade cumulativa de desenvolver câncer em 5 anos e meio foi de 6,1% com o uso do medicamento. O câncer de pulmão foi a neoplasia mais frequentemente observada nesse grupo de pacientes.

Quando a equipe analisou os resultados secundários, eles descobriram que a dose de 10 mg do tofacitinibe produziu um risco 48% maior de infecção grave, e ambas as doses tofacitinib mostraram um risco elevado de herpes zoster e infecções oportunistas.

Ainda, a dose de 10mg indicou um aumento de duas vezes nos eventos hepáticos, de oito vezes no risco de embolia pulmonar, e de três vezes tanto na trombose venosa profunda quanto na morte por qualquer causa.

Mas vamos com calma em chamar o tofacitinibe de vilão!

Como todo estudo, precisamos destacar as limitações. Nesse caso, todos os voluntários do estudo tinham pelo menos 50 anos de idade, AR ativa (apesar do tratamento com MTX) e apresentavam pelo menos um fator de risco cardiovascular. Já temos aqui alguns pontos a favor do câncer e dos eventos cardiovasculares.

Conversamos também com um de nossos colunistas, Dr. Nathan M. Catolino. Ele é Reumatologista, tem experiência em AR e no uso do medicamento na sua rotina, e nos ajudou a esclarecer alguns pontos importantes.

O estudo não exclui os eventos ocorridos pelos inibidores de TNF, então eles não são “os mocinhos”, ao mesmo tempo em que o tofacitinibe também não é “o vilão”. É importante avaliar o risco-benefício e os efeitos notados na clínica, além de uma boa identificação do perfil histórico do paciente antes da prescrição.

Alguns pacientes se beneficiam com o uso de inibidores de JAKs, e simplesmente não respondem a outras terapias. Em alguns casos, é necessário um esquema de tentativa e erro até o paciente entrar em remissão da doença.

Por fim, podemos dizer que aqui foi avaliado o medicamento em monoterapia, em combinação a outro medicamento, também em monoterapia. Qual a implicação das combinações dos diferentes DMARDs? E os sintéticos?

Ainda há muitas questões a serem respondidas. Por enquanto, fica o alerta!

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Referências:

Tofacitinib’s Cancer, CV Risks Outlined in Older Patients with Rheumatoid Arthritis. Reuters Health Information. Medscape. Jan 27, 2022.

Risks and Benefits of Janus Kinase Inhibitors in Rheumatoid Arthritis — Past, Present, and Future. The New England Journal of Medicine. Jan 27, 2022.

Ytterberg SR, Bhatt DL, Mikuls TR, Koch GG, Fleischmann R, Rivas JL, Germino R, Menon S, Sun Y, Wang C, Shapiro AB, Kanik KS, Connell CA; ORAL Surveillance Investigators. Cardiovascular and Cancer Risk with Tofacitinib in Rheumatoid Arthritis. N Engl J Med. 2022 Jan 27;386(4):316-326. doi: 10.1056/NEJMoa2109927.

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