Sintomas psiquiátricos em mulheres adultas: qual a influência do ciclo menstrual?

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O ciclo menstrual pode ter um papel na saúde mental?

O ciclo menstrual é caracterizado por flutuações hormonais previsíveis e recorrentes – mais especificamente dos hormônios sexuais estrogênio e progesterona – e é dividido em duas fases: a fase folicular, que tem início no primeiro dia de menstruação e finaliza na ovulação e a fase lútea, que dura da ovulação até a próxima menstruação.

Já se sabe que essa experiência cíclica pode influenciar a saúde mental de mulheres de diversas formas, e que uma das causas dessas influências pode ser o desconforto físico frequentemente experienciado durante o período menstrual (com sintomas como dismenorreia, inchaço das mamas e dor nas articulações) e ser associado com o aumento de estresse, irritabilidade e diminuição na autoestima, por exemplo.

Porém, além de flutuações psíquicas relacionadas aos sintomas físicos, evidências apontam para mecanismos neurais envolvidos na conexão entre níveis hormonais e alterações emocionais e psicológicas.

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Revisando o ciclo menstrual

Para que a compreensão dos mecanismos envolvidos com possíveis influências dos hormônios sexuais na saúde mental de pessoas que menstruam, é essencial que a fisiologia do ciclo menstrual seja tomada como base.

As fases do ciclo menstrual, folicular e lútea, são marcadas por grandes diferenças nos níveis dos hormônios sexuais estrogênio e progesterona. Na menstruação os níveis de ambos estão baixos e, conforme a fase folicular avança e o desenvolvimento folicular é estimulado pelo hormônio FSH (hormônio folículo-estimulante), secretado pela glândula pituitária, os níveis de estrogênio sobem diariamente.

Esse aumento nos níveis de estrogênio atua como feedback positivo para a secreção do hormônio LH (hormônio luteinizante), que atua na liberação do folículo dominante (ovulação) e transforma o folículo em corpo lúteo, que então passa a liberar grandes quantidades de progesterona e quantidades moderadas de estrogênio.

Caso o óvulo não seja fertilizado, o corpo lúteo irá degradar e os níveis de estrogênio e progesterona irão diminuir drasticamente, fazendo com que o endométrio descame e o ciclo menstrual-ovulatório recomece novamente com a chegada da menstruação.

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Ciclo menstrual e saúde mental: entenda a relação

Inúmeras revisões já apontaram a exacerbação de diversos sintomas psiquiátricos de acordo com as fases do ciclo menstrual, incluindo comportamentos aditivos, psicose, suicídio, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. Essas revisões aumentaram a compreensão científica dos efeitos do ciclo menstrual na saúde mental das mulheres e apontam para alguns dos efeitos mais proeminentes do estrogênio e da progesterona nessas análises.

Supõe-se que níveis mais altos de estrogênio protegem contra sintomas psiquiátricos como psicose, aumentando, portanto, a vulnerabilidade à psicose quando o estrogênio está baixo (como na menstruação).

O estrogênio também auxilia na consolidação da memória por meio do aumento da ativação do hipocampo, que, no contexto do tratamento para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), demonstrou facilitar a extinção da memória de medo. Além disso, o estrogênio, regula negativamente a transmissão de dopamina, imitando a ação antidopaminérgica de muitos medicamentos antipsicóticos.

Já a progesterona pode ter efeitos ansiolíticos por meio de aumento na alopregnanolona e, subsequentemente, aumento da potencialização de GABA. Outros metabólitos da progesterona, entretanto, não são ansiolíticos. Na presença de estresse, a progesterona é convertida em cortisol, aumentando a resposta ao estresse e debilitando o processamento emocional. Por isso, já foi sugerido que a progesterona pode ser a base dos sintomas de humor relacionados à menstruação.

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Diversos trabalhos já demonstraram que os sintomas de transtorno de ansiedade social e de estresse pós-traumático parecem piorar na fase lútea (maior ansiedade interpessoal e memórias intrusivas mais frequentes, por exemplo).

Já com relação ao uso de substâncias, o uso de álcool durante o ciclo menstrual parece ser influenciado pelo humor, de modo que o uso de álcool está associado ao humor negativo nas fases pré-menstrual e menstrual, e ao humor positivo em torno da ovulação.

Em relação ao tabagismo, a fissura parece ser menor na fase lútea do que na fase folicular, o que pode ajudar a explicar por que as tentativas de parar parecem ser mais bem-sucedidas quando feitas durante a fase folicular: se as mulheres experimentam uma redução nos desejos na fase lútea após as tentativas de parar feitas durante a fase folicular, elas podem ser capazes de sustentar essas tentativas por um período mais longo.

Com relação às taxas de suicídio e tentativa de suicídio, os estudos são claros e convergentes: as taxas e tentativas de suicídio são maiores durante a menstruação.

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É essencial que o rastreio do ciclo menstrual passe a ser considerado em transtornos psiquiátricos. Apesar do significativo progresso com relação à ligação entre o ciclo menstrual e saúde mental, diversas lacunas ainda permanecem abertas, como o seu efeito na síndrome do pânico, distúrbios alimentares e bipolaridade.

Cumulativamente, esses resultados fornecem uma compreensão preliminar do efeito do ciclo menstrual sobre esses sintomas, e mais pesquisas de alta qualidade em cada área são necessárias.

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