Gota: sinais e sintomas, diagnóstico e tratamento

Gota ou Artrite Gotosa: definindo a doença

A gota é uma artrite inflamatória secundária a depósito de cristais de urato monossódico (ácido úrico) no líquido sinovial. A doença acomete cerca de 3% da população mundial, com prevalência aumentada em países de maior condição econômica – devido ao maior consumo de dietas ricas em carnes, sardinhas, anchovas, frutos do mar, aves domésticas, miúdos, legumes, cervejas, que tem elevado índice de purinas.

A gota é mais comum em homens entre 30 e 50 anos, sendo a prevalência entre homem e mulher na proporção de 7:1. Em mulheres, a doença tem seu pico aos 50 anos, visto que o estrogênio tem efeito uricosúrico (ou seja, elimina ácido úrico).

A doença decorre da hiperuricemia (acima de 7 mg/dL) – ou seja aumento da concentração de ácido úrico na circulação. No entanto, importante ressaltar que a hiperuricemia não é sinônimo de gota: pacientes com níveis elevados de uricemia podem não apresentar a doença. A doença decorre de longos períodos com ácido úrico elevado em pacientes com predisposição (herança poligênica) para desenvolvimento da doença.

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Sinais e sintomas

A evolução da doença pode ser dividida em: (1) hiperuricemia assintomática, (2) artrite aguda, (3) período intercrítico e (4) gota tofosa crônica. Entenda mais:

  1. Hiperuricemia assintomática: aumento do ácido úrico circulatório, porém sem sinais ou sintomas.
  2. Artrite aguda: início abrupto de crise de artrite bastante dolorosa, geralmente à noite, após a ingestão de fatores predisponentes como álcool ou medicamentos.

Usualmente caracterizada como uma monoartrite de articulações periféricas (dor, tumefação, pele avermelhada, extrema sensibilidade), abrindo o quadro na 1ª metatarsofalangeana – denominada “podagra“.

Com o passar do tempo, a doença vai “subindo” com o decorrer das crises – metatarsos, joelhos etc., acometendo, além disso, diversas articulações simultaneamente. Cada crise dura cerca de 3 – 10 dias. Durante as crises, o paciente fica incapacitado de realizar outras atividades.

  1. Período intercrítico: Mais da metade dos pacientes que tiveram uma crise de gota terão novamente. O período entre as crises se denomina “período intercrítico” e pode durar de meses a anos. Com o passar do tempo, o período intercrítico começa a diminuir, apresentando crises mais frequentes.
  2. Gota tofosa crônica: na evolução da doença, pelo longo período de ácido úrico elevado na circulação, esse acaba se depositando sob a forma de cristais de urato em diversos tecidos como a pele e tecidos conjuntivos – formando “tofos gotoso”. O lugar clássico de depósito é na orelha, porém podem ocorrer nas mãos, tendões etc.

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Diagnóstico

O médico deve realizar um exame físico completo, com anamnese questionando e pesquisando fatores de risco relacionado com a doença (hiperuricemia). Deve-se suspeitar de toda monoartrite súbita de membros inferiores.

Deve-se sempre confirmar o diagnóstico de uma monoartrite articular com punção articular (artrocentese), na qual é evidenciada a presença de cristais de urato no interior de leucócitos com birrefringência negativa sob luz polarizada.

Evidentemente, esse líquido deverá ser avaliado microbiologicamente (coloração de gram e cultura) para sempre se afastar infecções. A punção articular pode ser realizada uma única vez, com as demais crises tendo diagnóstico presuntivo.

De toda forma, caso não seja possível realizar a punção, o diagnóstico é (praticamente) fechado em quadros de pacientes com hiperuricemia, com clínica típica, e que melhora com o tratamento proposto.

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Os exames complementares são úteis para avaliar complicações, auxiliar no diagnóstico e exclusão de diagnósticos diferenciais. Devem ser usados direcionados para as outras hipóteses diagnósticas e prováveis complicações.

Nesse caso, sugere-se hemograma completo, creatinina, sódio, potássio, proteína C reativa, além do ácido úrico sérico e urinário de 24 horas. No raio-X articular, nota-se a presença de erosões em “saca-bocado” (ou “em mordida”).

Importante deixar claro, no entanto, que a gota pode se desenvolver com níveis séricos menores que o limite superior da normalidade. E por outro lado, mesmo que os valores estejam altos, isso não é sinônimo da doença.

 

Tratamento – orientações gerais

Os objetivos do tratamento incluem: aliviar as crises aguda, evitar novas crises, evitar complicações e combater causas associadas.

Deve-se orientar os pacientes a evitarem alguns tipos de alimentos que aumentam os níveis de ácido úrico, como sardinhas, anchovas, frutos do mar, aves, carnes, miúdos (rim, fígado), feijão, soja, ervilha. Ainda, orientar que o consumo de álcool, principalmente em cerveja e vinho, predispõem a crises de gota.

A obesidade está intrinsicamente ligada com os níveis elevados de ácido úrico. Por isso, deve-se orientar a perda de peso, sem dietas restritivas – pois isso acaba elevando, paradoxalmente, os níveis de ácido úrico.

Gota: sinais e sintomas, diagnóstico e tratamento

Tratamento – crise aguda

Os medicamentos usados durante as crises são diferentes daqueles usados no período intercrítico para abaixar os níveis de ácido úrico.

O tratamento da crise aguda é subdividido em opções, dependendo da efetividade e de efeitos colaterais dos medicamentos. Os níveis de ácido úrico não devem ser alterados (para mais ou para menos) durante o tratamento da crise, pois isso só agravaria o quadro por deposição de novos cristais.

Tratamento de primeira linha: AINE – anti-inflamatórios não esteroidais (ibuprofeno, diclofenaco sódico, indometacina). Deve-se orientar sobre os riscos de úlcera hemorrágica, principalmente em idosos.

Tratamento de segunda linha: Colchicina. Antigamente considerado como primeira opção, atualmente é de segunda linha por sua dose terapêutica ser muito próxima da tóxica – vários efeitos colaterais como diarreia, náuseas, cólicas abdominais. Sua ação é baseada na inibição da fagocitose de cristais pelos leucócitos.

Tratamento de terceira linha: Corticoides via articular, para monoartrites.

Tratamento de quarta linha: Corticoide via sistêmica, para poliartrites.

Raramente há a necessidade de internar. Exceção feita em casos muitos graves em que há infecção articular associada.

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Tratamento – profilaxia

Os pacientes com gota devem ser tratados durante os períodos entre as crises com colchicina, para se evitar novos episódios.

A estratégia da prescrição de colchicina é muito boa, pois além de evitar novas crises, permite que os níveis de ácido úrico sérico do paciente diminuam, sem que isso desencadeie novos episódios agudos. Após os níveis de ácido úrico se tornarem adequados, pode-se retirar a colchicina aos poucos.

E como reduzir o ácido úrico sérico?

São duas estratégias: reduzindo a síntese ou estimulando a excreção renal. A redução de síntese está indicada principalmente em casos de cálculo renal por ácido úrico, rins comprometidos funcionalmente, ácido úrico urinário de 24 horas > 600 – 800 mg/dia ou ineficácia de medicamentos excretores de ácido úrico.

O medicamento de escolha é o Alopurinol, que inibe a xantina oxidase, não permitindo, em última análise, que ela conversa purinas em ácido úrico.

A redução da eliminação de ácido úrico é o principal mecanismo causador de hiperuricemia (90% dos casos), e reverter a diminuição da eliminação pela urina constitui um bom tratamento. Deve-se, portanto, ser preferencialmente para os pacientes com esse tipo de mecanismo subjacente (avaliação feita pelo exame de urina). Deve-se evitar fazer em pacientes com antecedentes de nefrolitíase, nefropatas e idosos.

Para estes pacientes, sugere-se benzbromarona, probenecida ou sulfimpirazona.

Por aumentar a excreção de ácido úrico, pode existir a predisposição à formação de cálculos renais. Devido a esse fato, recomenda-se ingerir no mínimo 2,5 litros de água por dia e associar à droga escolhida um medicamento que alcaliniza a urina, como exemplo o citrato de potássio.

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Devemos tratar em caso de hiperuricemia assintomática?

De forma geral, os pacientes com ácido úrico elevado, porém sem sintomas não devem ser tratados. No entanto existem algumas exceções:

  1. Níveis acima de 13 mg/dL para homens, e acima de 10 mg/dL para mulheres.
  2. Eliminação urinária de ácido úrico > 1100 mg/ 24 horas.
  3. História familiar de gota.
  4. Prevenção síndrome de lise tumoral em pacientes que irão se submeter a quimioterapia

Nesses casos, o tratamento é exatamente o mesmo para profilaxia.

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Mantendo o seguimento dos pacientes

Deve existir um adequado monitoramento dos paciente, com o objetivo de controle das crises álgicas e complicações. Quadros agudos devem ser acompanhados semanalmente; já em quadros controlados, consultas a cada 6 – 12 meses são suficientes.

Para pacientes em uso de medicamentos que reduzem o ácido úrico sérico, deve-se fazer a medição sanguínea inicialmente a cada 1 – 3 meses, e após a cada 6 meses.

 

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Referências:

Becker, MA. – Clinical manifestations and diagnosis of gout. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA.

Becker, MA. – Treatment of acute gout. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA.

Neogi T. Clinical practice. Gout. N Engl J Med 2011; 364:443.

 

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