Embora o processo de sequenciar o DNA humano tenha avançado muito com o Projeto Genoma Humano, em 2001, algumas partes do nosso DNA ainda permaneciam um mistério. Antes do estudo realizado por Arang Rhle e colaboradores, mais da metade da sequência de DNA do cromossomo Y não havia sido elucidada.
O sequenciamento completo do cromossomo Y possibilita uma visão mais ampla da constituição genética do homem, possibilitando a análise de diversas doenças. Além disso, os dados sobre o esse cromossomo foram adicionados aos dados já existentes do genoma humano, em um projeto que contém informações de uma amostra diversa para que possa refletir melhor a população global.
Cromossomos sexuais em humanos
Relembrando: os seres humanos possuem 46 cromossomos, que se encontram agrupados em 23 pares: 22 pares são chamados de cromossomos autossomos, ou seja, são iguais entre homens e mulheres, e 1 par é constituído por cromossomos sexuais – dois cromossomos X no caso da mulher (cis), um cromossomo X e um cromossomo Y no caso do homem (cis). Todos os cromossomos já haviam sido sequenciados, e, com esse estudo, o cromossomo Y foi o 24º cromossomo a ter sua sequência descoberta.
A sequência completa do cromossomo X foi publicada em 2020. Se o Y é muito menor do que o X, qual a dificuldade em obter sua sequência?
O cromossomo Y
O cromossomo Y é composto por uma sequência de DNA extremamente repetitiva. Ou seja, é como se ele fosse formado por várias repetições de ‘ATGTATGTATGTATGT….’. E é essa característica que torna o seu sequenciamento tão complexo.
O Y possui 62,5 milhões de pares de bases e, dentre esses, mais de 30 milhões são sequências repetitivas. Isso significa que quase metade do cromossomo Y é composto por DNA satélite – como os cientistas classificam essas sequências repetitivas.
Além das repetições, o cromossomo Y possui palíndromos – sequências de letras que são iguais para frente e para trás; outro fator que dificulta o sequenciamento.
Lembrando que o sequenciamento é feito através da leitura de várias partes do DNA. A partir dessas partes, softwares de bioinformática montam a sequência de DNA. Entretanto, com uma sequência muito repetitiva, essa montagem torna-se mais complexa, o que também explica a demora no sequenciamento do cromossomo Y.
Como o estudo foi realizado?
Um grupo de pesquisadores composto por mais de 100 cientistas que participam do chamado Consórcio Telômero-para-Telômero (T2T) conseguiu sequenciar o cromossomo Y graças a uma nova tecnologia de sequenciamento de “leitura longa”, além de ferramentas de bioinformática capazes de lidar com essas sequências repetitivas.
Além de identificar genes presentes no Y, os pesquisadores observaram que uma parte dele havia sido erroneamente considerada de origem bacteriana em estudos anteriores.
Qual a relevância dessa descoberta?
O cromossomo Y já foi associado a diversos fatores na saúde do homem, desde questões mais óbvias como a infertilidade até uma influência no sistema cardiovascular e em patologias como o câncer.
Os genes que estão presentes no cromossomo Y estão relacionados a diversas funções reprodutivas essenciais, como a espermatogênese.
A descoberta da sequência do cromossomo Y permite que pesquisadores cataloguem variações normais que ocorrem entre os indivíduos, assim como identifiquem situações em que não há produção de espermatozoides (azoospermia). Esses dados podem ser muito úteis para clínicas de fertilização in vitro e para pesquisas sobre a atividade desses genes.
Alguns estudos mostraram que há uma perda quantitativa do cromossomo Y conforme o indivíduo envelhece, especialmente em células que passam por processos de divisão celular com mais intensidade (como as células sanguíneas). Em algumas pesquisas, essa redução foi associada a um aumento da gravidade do câncer de bexiga e a um maior risco de doenças cardíacas.
O pesquisador Kenneth Walsh, professor de bioquímica e genética molecular da Escola de Medicina da Universidade da Virgínia, elucidou que essa perda do cromossomo Y pode explicar a diferença de longevidade entre homens e mulheres: homens vivem cerca de seis anos a menos que as mulheres. Questiona-se, entretanto, se a perda do cromossomo Y é um biomarcador do envelhecimento, ou se há uma relação de causalidade direta.
—
Referências:
RHLE, A. et al. The complete sequence of a human Y Chromosome. Nature, v. 621, p. 12. 2023.
CNN BRASIL. Katie Hunt. Cientistas sequenciam completamente o cromossomo Y humano pela primeira vez. 2023. https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/cientistas-sequenciam-completamente-o-cromossomo-y-humano-pela-primeira-vez/. Acesso em 02 de outubro de 2023.
G1. Will Dunham. Pela 1ª vez, cientistas sequenciam completamente o cromossomo Y humano. 2023. https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2023/08/25/pela-1a-vez-cientistas-sequenciam-completamente-o-cromossomo-y-humano.ghtml. Acesso em 02 de outubro de 2023.
