A revolução dos bichos? Como o xenotransplante pode salvar vidas

transplante

Mesmo após quase 70 anos de seu início [*], o transplante de órgãos e tecidos continuar sendo a melhor, ou até mesmo a única, alternativa para salvar vidas ou restaurar funções perdidas em alguns casos. O transplante de córneas possibilita a reversão da cegueira, e o transplante de células-tronco hematopoiéticas pode resultar na cura de leucemias.

Infelizmente, a demanda por transplantes ainda é superior ao suprimento de órgãos ou tecidos. Entretanto, a Universidade de Nova York deu um passo que pode inverter este quadro. Pela primeira vez, um rim suíno foi enxertado e, aparentemente, aceito em um paciente humano. Mas falaremos sobre isso na sequência. Antes, colocaremos os pingos nos I’s.

[*] O primeiro transplante bem sucedido foi realizado em 1954, com rim.

Transplante de órgãos

“O transplante de órgãos é uma operação importante e só é oferecido quando todas as outras opções de tratamento falharam. No entanto, órgãos […] não são o único tipo de transplante”.

Tecidos e células também podem ser utilizados para transplante. E os transplantes são classificados de diferentes formas, dependendo do doador:

  • Autoenxerto: os órgãos, tecidos ou células são obtidos do próprio receptor. Ou seja, doador e receptor são a mesma pessoa.
  • Aloenxerto: os órgãos, tecidos ou células são obtidos de um indivíduo e transplantado em outro, ambos da mesma espécia.
  • Xenoenxerto: os órgãos, tecidos ou células são obtidos de um indivíduo de uma espécie e transplantado em um indivíduo de uma espécie diferente.

Normalmente, os doadores são pessoas recém falecidas, mas alguns órgãos ou tecidos podem ser obtidos de doadores vivos. Vale ressaltar que, até pouco tempo, o xenoenxerto era inviável para humanos. E é sobre isso que iremos tratar neste artigo.

O sistema imunológico: o herói disfarçado de vilão

Em situações normais, nosso sistema imunológico atua de forma a identificar antígenos e combatê-los antes que nos façam algum mal. Mas, como um transplante não caracteriza uma situação como “normal”, este mesmo sistema que nos protege pode representar uma barreira na aceitação do enxerto.

O transplante é, na verdade, um estranho no corpo do receptor. E a rejeição do tecido ou órgão ocorre nos casos em que o sistema imunológico o identifica assim, como estranho, desencadeando uma resposta com intuito de destruí-lo. Isso depende, principalmente, do tipo de enxerto e da disparidade genética entre doador e receptor.

Para minimizar o risco de rejeição, é feito um pareamento minucioso entre os envolvidos (doador e receptor) quanto à compatibilidade imunológica. Via de regra, quanto maior a compatibilidade (ou seja, maior similaridade genética entre ambos), menores as chances de haver rejeição. Mas, a menos que o doador e o receptor sejam geneticamente idênticos, sempre haverá algum grau de rejeição devido à histocompatibilidade. É este mecanismo que diferencia o “próprio” do “não próprio”, através da expressão de moléculas únicas, conhecidas como antígenos.

Nós, humanos, temos um complexo gênico para identificar cada indivíduo: o Human Leukocyte Antigen (HLA) complex, ou complexo Antígeno Leucocitário Humano. A expressão deste complexo faz com que a superfície das nossas células apresente proteínas HLA, nossos antígenos. Através deste sistema de expressão do complexo HLA nosso sistema imunológico é capaz de identificar o que é nosso e o que não é no organismo. Caso sejam identificados estes “automarcadores”, uma resposta imunológica não é desencadeada. Mas, se uma células não exibir estes “automarcadores”, será tratada como invasora e deverá ser eliminada. E é isso que acontece durante a rejeição do transplante.

O casamento do século: xenoenxerto e histocompatibilidade

Agora, se a compatibilidade entre duas pessoas pode desencadear uma resposta contra o transplante, já imaginou o que pode acontecer se o órgão, tecido ou célula, tiver sido obtida de um outro animal? Pois isso aconteceu no Centro Médico Langone Health, da Universidade de Nova York. Como dito no início, “[…] um rim de um porco foi transplantado em um humano sem provocar rejeição imediata pelo sistema imunológico do paciente”.

A primeira impressão é que isso possa ser um pouco sensacionalista. E é, de fato, se não explicarmos o que aconteceu realmente. Mas, embora porcos sejam usados como doadores de válvulas cardíacas para humanos, o doador em questão foi um porco geneticamente modificado, da linhagem apelidada GalSafe, para não expressar a proteína galactose-alpha-1,3-galactose ou alpha-gal. Embora não pertença ao complexo HLA, este antígeno é responsável por causar rejeição imediata pelo corpo humano.

Deixaremos de lado questões importantes, como questões éticas. Abordaremos apenas os resultados deste primeiro teste. E, diga-se de passagem, foi bem sucedido. A receptora do rim foi uma paciente com disfunção renal e morte cerebral (mantida vida com auxílio de aparelhos). E durante o período de acompanhamento, aproximadamente 54h, o rim transplantado manteve a funcionalidade.

A disfunção renal da paciente parece ter sido revertida, visto que os níveis de creatina foram normalizados. Além disso, o volume de urina produzido pela paciente foi semelhante ao de pacientes sem disfunção. Em outras palavras, o rim transplantado cumpriu o seu papel no corpo da receptora.

Considerações

Esta avaliação durou apenas 54h. Então, poucas considerações conclusivas podem ser determinadas. Mas muitas suposições podem ser feitas. Muitos obstáculos devem ser superados, principalmente envolvendo questões éticas e regulatórias. Mas nossa imaginação pode ir longe.

Em um primeiro momento, esta pode ser uma alternativa provisória para pacientes que necessitam de diálise renal rotineira. Ou até mesmo para pacientes com alto risco de morte. À longo prazo, esta poderia ser uma fonte rica de órgãos para humanos, com possibilidade de “fazendas de rins”, “fazendas de corações” e por aí vai… Mas, como dito, cabe às instituições reguladoras abordarem as questões éticas (e outras) necessárias. Nós, aqui, apenas divagamos sobre as possibilidades.

 

O que achou desse conteúdo? Falamos um pouco sobre o rim, a insuficiência renal crônica e a ingestão de água nesse post aqui, você pode se interessar! 

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Referências:

WHO. Transplantation.

British Society for Immunology. Transplant Immunology

Progress in Xenotransplantation Opens Door to New Supply of Critically Needed Organs

Transplante de rim de porco em humano é realizado pela 1ª vez com sucesso

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