Chernobyl: o que aprendemos após 36 anos do desastre?

Chernobyl radiação

A Organização das Nações Unidas (ONU) determinou em abril (26) o dia Internacional em Memória do desastre de Chernobyl. Passados 36 anos do desastre, ainda podemos identificar as consequências da exposição à radiação.

Acidente na Usina Nuclear de Chernobyl

A Usina de Energia Vladimir Ilich Ulianov, popularmente conhecida como Usina Nuclear de Chernobyl, localizada em Pripyat (na Ucrânia Soviética), foi uma instalação construída na década de 1970 para fornecer energia elétrica na Ucrânia. Com uma perspectiva de comportar 12 reatores, o projeto foi descontinuado antes da construção do 5º reator, por conta do desastre de 1986. Dentro de um raio de 30 km da usina, a população total contava com cerca de 125.000 habitantes.

No momento do desastre, a usina contava com 4 reatores RBMK-1000 operacionais. Os reatores Reator Bolsho Moshchnosty Kanalny, ou “reator de canal de alta potência”, eram reatores de água pressurizada de grafite, que utilizavam dióxido de urânio levemente enriquecido (2% U-235). A água que passa pelo sistema tem duas funções: produzir vapor para alimentar as turbinas e refrigerar o sistema aquecido.

Uma das características mais importantes do reator RBMK é que ele pode possuir um ‘coeficiente de vazio positivo’, onde um aumento nas bolhas de vapor (‘vazios’) é acompanhado por um aumento na reatividade do núcleo. À medida que a produção de vapor nos canais de combustível aumenta, os nêutrons que teriam sido absorvidos pela água mais densa agora produzem maior fissão no combustível.

Em 25 de abril de 1986 teve início um teste de segurança para averiguar quanto tempo as turbinas continuariam a girar e fornecer energia para as principais bombas de circulação de água após uma perda de energia elétrica. No dia seguinte, uma série de reações levou ao desastre. De forma resumida, para controlar a instabilidade do reator, os operadores acionaram o sistema de hastes de controle que acabou resultando em um drástico pico de energia.

Após, a interação entre o urânio aquecido e a água de resfriamento levou à fragmentação do combustível, e grande produção de vapor e pressão. O aumento de pressão levou ao comprometimento da estrutura física da usina e ao rompimento dos canais de combustível e do circuito de resfriamento de emergência. A geração intensa de vapor se espalhou pelo núcleo (alimentado pela água despejada devido à ruptura do circuito de resfriamento de emergência) causando uma explosão de vapor e liberando produtos de fissão para a atmosfera.

Imediatamente após (cerca de 2-3 segundos), houve uma segunda explosão, desta vez lançando fragmentos dos canais de combustível e grafite quente para a área externa do prédio. Estes materiais, devido à alta temperatura que estavam, iniciaram vários incêndios, que contribuíram com a maior parte da liberação de radioatividade.

O acidente causou a maior liberação descontrolada de radioatividade no meio ambiente já registrada, e grandes quantidades de substâncias radioativas foram liberadas no ar por cerca de 10 dias. Dois radioisótopos (iodo-131 de vida curta e césio-137 de vida longa) foram particularmente significativos para a dose de radiação recebida pela população.

Estima-se que todo o gás xenônio, metade do iodo e césio, e cerca de 5% do material radioativo (de um total de 192 toneladas) remanescente no núcleo do reator Chernobyl 4 foi liberado no acidente. A maior parte do material liberado foi depositado nas proximidades como poeira e detritos, mas o material mais leve foi carregado pelo vento e atingiu a Ucrânia, Bielorrússia, Rússia, Escandinávia e Europa.

Dica WeMEDS: assista a minissérie ‘Chernobyl’ (lançada em 2019 pela HBO)

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Exposição aguda: as consequências imediatas

A exposição inicial à radiação em áreas contaminadas foi devido ao iodo-131 de curta duração (meia-vida de 8 dias). Mais tarde, o césio-137 (meia-vida de 30 anos) foi o principal perigo. No dia do acidente, cerca de 600 trabalhadores estavam na usina, dos quais 134 sofreram de síndrome aguda da radiação (SAR) e 28 vieram à óbito nos três próximos meses.

Sintomas da SAR incluem manifestações gastrointestinais, como vômito, náusea e diarreia, diminuição de células sanguíneas, cólicas abdominais intensas, perda hídrica, cefaleia e febre alta.

Geralmente, a SAR progride em três fases:

  • Sintomas precoces: enjoo, perda de apetite, vômito, cansaço e diarreia
  • Período sem sintomas (fase latente)
  • Síndrome: diversos padrões de sintomas

Síndrome hematopoiética: ocorre quando a radiação interfere na função hematopoiética, afetando a medula óssea, o baço e os gânglios linfáticos. Nestes casos, o paciente experiencia perda de apetite (anorexia), letargia, enjoo e vômitos imediatamente após a exposição e costumam desaparecer nas primeiras 48 horas, seguido pela fase latente.

Neste momento, as células-tronco hematopoiéticas começam a ser degradadas e um quadro grave de insuficiência de leucócitos, plaquetas e eritrócitos se instala no paciente, aumentando as chances de infecção, hemorragias e anemia. O risco de desenvolvimento de câncer também aumenta consideravelmente nos pacientes que sobrevivem.

Síndrome gastrointestinal: ocorre quando a radiação impacta as células do aparelho digestivo, principalmente as células da cripta intestinal. Sintomas gastrointestinais (enjoo, vômito e diarreia) aparecem nas primeiras horas de exposição e desaparecem nos primeiros 2 dias.

Durante a fase latente, as células de revestimento do aparelho digestivo entram em processo de apoptose e a barreira protetora do intestino é degradada. Diante disso, o paciente sofre de diarreia intensa, frequentemente sanguinolenta, e as chances de infecção aumentam. Normalmente, os pacientes com esta síndrome também experienciam a síndrome hematopoiética e a chance de morte é muito elevada.

Síndrome vascular cerebral: normalmente ocorre em exposições muito elevadas de radiação. Os sintomas iniciais são mais graves e o paciente manifesta confusão, enjoo, vômito, diarreia sanguinolenta, tremores e choque.

Nestes casos, a fase latente é muito curta ou até mesmo inexistente e o quadro do paciente evoluí para pressão arterial baixa, convulsões e coma. As chances de sobrevivência do paciente são muito baixas e o óbito, normalmente, ocorre em até 48 horas.

Quem assistiu a série Chernobyl, da HBO, pode ter se perguntado sobre o porquê da administração de iodeto de potássio em indivíduos expostos à radiação da usina. Um dos resíduos do desastre, o iodo-131, poderia ser absorvido pela glândula tireoide, aumentando o risco de desenvolvimento de câncer da tireoide. O iodeto de potássio administrado, por sua vez, impede a absorção do iodo radioativo pela glândula tireoide, reduzindo assim o risco de neoplasia e lesões na tireoide. Mas vale lembrar: o iodeto de potássio é eficaz apenas para iodo radioativo, não para outros elementos radioativos, e deve ser administrado antes ou imediatamente após a irradiação.

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Exposição crônica: as consequências tardias

De acordo com a estimativa mais atualizada fornecida pelo Comitê Científico das Nações Unidas sobre os Efeitos da Radiação Atômica (UNSCEAR), as doses de radiação que os habitantes da zona de evacuação receberam foram equivalentes à três tomografias computadorizadas. Já os habitantes dos países contaminados (Bielorrússia, Federação Russa e Ucrânia) receberam o equivalente a dose de uma tomografia computadorizada.

Entre os moradores da Bielorrússia, da Federação Russa e da Ucrânia, em 2015 havia quase 20.000 casos de câncer de tireoide relatados em crianças e adolescentes que foram expostos no momento do acidente. Aproximadamente 5.000 desses cânceres de tireoide são atribuíveis a crianças que beberam leite fresco contendo iodo radioativo de vacas que comeram grama contaminada nas primeiras semanas após o acidente.

Os 15.000 casos restantes são devidos a uma variedade de fatores não ligados ao acidente da usina, como aumento da taxa de incidência espontânea com o envelhecimento da população e conscientização do risco de câncer de tireoide após o acidente.

O monitoramento da população exposta não mostrou, até o momento, evidências de diminuição da fertilidade em homens ou mulheres nas regiões afetadas. Mas, em relação à saúde mental, as pessoas expostas à radiação de Chernobyl têm altos níveis de ansiedade e são mais propensas a relatar sintomas físicos inexplicáveis e problemas de saúde.

No ano passado, 35 anos após o desastre ter acontecido, dois novos estudos de referência foram publicados. Os pesquisadores usaram ferramentas genômicas de ponta para investigar os potenciais efeitos à saúde da exposição à radiação ionizante do acidente da usina.

Um dos estudos avaliou mutações de novo (MDN) na linhagem germinativa em crianças nascidas de pais empregados como trabalhadores de limpeza ou expostos a radiação ionizante ocupacional e ambiental após o acidente. O sequenciamento do genoma de 130 crianças (nascidas em 1987-2002) e seus pais não revelou um aumento nas taxas, distribuições ou tipos de MDNs em relação aos resultados de estudos anteriores. Assim, o estudo concluiu que a dose de radiação recebida pela população gerou um impacto mínimo nos efeitos genéticos transgeracionais.

Curiosidade: por conta da desinformação e do medo da radiação, houve um aumento considerável de abortamentos induzidos nos anos seguintes ao desastre da Usina Nuclear de Chernobyl. Estima-se que entre 100.000 e 200.000 gestações desejadas foram interrompidas após recomendações médicas, inclusive em países europeus, longe do local do acidente.

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Em contrapartida, o outro estudo analisou características genômicas, transcriptômicas e epigenômicas de 440 carcinoma papilífero de tireóide (CPT) da Ucrânia (de 359 indivíduos com exposição estimada ao iodo-131 na infância e 81 crianças não expostas nascidas após 1986). O estudo observou que quebras de fita dupla do DNA são eventos carcinogênicos precoces que posteriormente permitem o crescimento de PTC após a exposição à radiação ambiental.

Legado do acidente de Chernobyl

Os efeitos posteriores de ao desastre de 1986 resultaram em esforços globais para melhorar a segurança nuclear em todo o mundo. Surgiram questões sobre a segurança dos reatores nucleares e o que poderia ser feito para evitar um desastre semelhante. A Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) passou a desempenhar um papel maior na segurança nuclear, levando ao surgimento da Convenção sobre Segurança Nuclear – um tratado desenvolvido mundial para promover a segurança dos reatores de energia nuclear.

Hoje, o Reator No. 4 da usina está confinado em uma estrutura de proteção de aço. O local é um lugar abandonado há muito tempo, o que permitiu o retorno de animais selvagens e domésticos – como cavalos, raposas e cães. Até hoje o número de morte decorrentes do acidente é um debate. Sabe-se que 31 pessoas morreram de causas diretas do acidente, seja a explosão ou a exposição aguda à radiação. Entretanto, o número total de afetados pela radiação varia de 31 a mais de 4.000 mortes decorrentes da exposição aguda e/ou crônica.

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Referências:

Health Effects of the Chernobyl Accident. Canadian Nuclear Safety Commission. March 2022.

International research teams explore genetic effects of Chernobyl radiation. NCI Press Release. April 22, 2021.

Yeager M, Machiela MJ, Kothiyal P, et al Lack of transgenerational effects of ionizing radiation exposure from the Chernobyl accident. Science. 2021 May 14;372(6543):725-729. doi: 10.1126/science.abg2365.

Morton LM, Karyadi DM, Stewart C, et al. Radiation-related genomic profile of papillary thyroid carcinoma after the Chernobyl accident. Science. 2021 May 14;372(6543):eabg2538. doi: 10.1126/science.abg2538.

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