Medicina de Precisão, Bioética e Farmacogenômica: experiência centrada no indivíduo

A medicina de precisão é um campo que vem ganhando cada vez mais destaque. A possibilidade de oferecer tratamentos personalizados de acordo com a composição genética, clínica e fatores ambientais que cercam o paciente é um atrativo para o médico e para o paciente, gerando um diagnóstico mais preciso e maiores chances de uma boa resposta ao processo terapêutico.

Entretanto, apesar de todas as vantagens oferecidas, é necessário fazer um pequeno recuo e se perguntar: esse tratamento personalizado possui o indivíduo como centro do processo? A farmacogenômica não é a única informação a ser considerada; deve-se observar também características da vivência do indivíduo.

Alguns aspectos da bioética e uma reflexão a respeito desse tópico podem auxiliar a fornecer ao paciente o melhor (e mais individualizado) tratamento possível.

O que é a medicina de precisão?

A medicina de precisão, também chamada de medicina personalizada, é uma “forma de medicina que utiliza os genes ou proteínas da própria pessoa para prevenir, diagnosticar ou tratar uma doença”, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer.

Entretanto, para que a farmacoterapia seja realmente personalizada, dois fatores também devem ser levados em consideração:

  1. Tratar o paciente como uma pessoa capaz;
  2. Levar em conta as experiências passadas com medicações.

medicina de precisão

Enquanto um tratamento centrado no paciente está mais focado no diagnóstico e no tratamento médico, um tratamento centrado no indivíduo é baseado em relações éticas, considerando o indivíduo como um colaborador ativo nas decisões do tratamento, baseando-se nas necessidades do indivíduo, da sua família, na sua história e capacidades.

A relação deve ser baseada em pilares da ética nas relações, como respeito mútuo; comprometimento e conhecimento sólido. Os valores da bioética também devem ser levados em consideração: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça.

A experiência do paciente com medicações (assim como a de parentes ou outros conhecidos) é importante pois pode influenciar no seu comportamento no tratamento atual. Em especial experiências negativas que seus conhecidos tenham vivido (em termos de reações adversas, por exemplo), podem fazer com que o paciente tenha uma percepção diferente da medicação.

De maneira resumida, a farmacoterapia centralizada no indivíduo deve se basear em: experiência anterior do indivíduo com medicações; bioética; e farmacogenômica.

 

Quais são as considerações da bioética?

 

Privacidade

A privacidade é uma das características a ser observada. Questões verificadas no diagnóstico genético (testar se um indivíduo tem uma certa doença, por exemplo) também estão presentes na farmacogenômica (testar como um indivíduo processa determinada medicação).

Por exemplo, uma pessoa que tenha escolhido realizar um teste de diagnóstico genético tem o direito de tomar decisões informadas e independentes a respeito de quando (e se) outros poderão saber detalhes a respeito de seu genoma (empresas de seguro, empregadores, instituições de educação, cônjuges e outros membros da família, pesquisadores e agências sociais).

Essa problemática é aplicada de maneira um pouco diferente à farmacogenômica, visto que esse tipo de teste não tem como objetivo obter informações sobre o risco de um indivíduo desenvolver determinada doença. Portanto, as preocupações sobre privacidade são um pouco menores nos testes farmacogenômicos.

Entretanto, algumas situações delicadas podem ocorrer. Por exemplo, vamos supor que um indivíduo tenha realizado testes farmacogenômicos para verificar sua resposta em relação a tratamentos para abuso de substâncias. A privacidade dessa informação abrange a esfera social do indivíduo, podendo torná-lo vulnerável a uma estigmatização.

bioética

Autonomia e consentimento informado

A autonomia do indivíduo também é importante, no sentido de que ele tem direito de tomar suas próprias decisões. Para que uma decisão informada e autônoma seja tomada, uma pessoa deve ter informação sobre as potenciais consequências de seus atos, ou seja, deve haver um consentimento informado.

Para que o consentimento informado seja possível, o indivíduo deve ser informado a respeito das potenciais consequências de realizar o teste farmacogenômico, assim como de não o realizar. Esse processo envolve oferecer educação ao indivíduo e fornecer a oportunidade de responder suas dúvidas, e não apenas assinar um termo de consentimento.

Além disso, o indivíduo também tem direito de escolher quem pode ter acesso às suas informações genéticas.

 

Responsabilidade do conhecimento

Os profissionais de saúde precisam ter ciência da responsabilidade que envolve ser a fonte de conhecimento para os pacientes. Eles possuem muita informação em áreas de importância para o paciente, nas quais esse paciente sabe pouco ou nada.

Nesse sentido, surge uma questão significativa: quem deve avaliar a proporção entre benefício e malefício da realização dos testes farmacogenômicos? O médico, que geralmente sabe mais sobre a interpretação dos resultados? Ou o paciente, que antes de decidir como agir a respeito dos resultados do teste, deve decidir se realmente quer realizá-lo?

farmacogenomica

Respeito ao indivíduo

A realização de testes farmacogenômicos gera um problema delicado: a categorização dos resultados. Por exemplo, uma mulher com câncer de mama poderia ter seu tratamento com tamoxifeno negado, pois os testes farmacogenômicos do alelo CYP2D6 (enzima metabolizadora no fígado) sugerem que a paciente é uma metabolizadora pobre do tamoxifeno. Outro exemplo seria um paciente ser rotulado como “difícil de tratar”.

Por isso é essencial a perspectiva de ver o paciente como uma pessoa, um indivíduo, para realizar o tratamento como uma experiência individual, e não apenas visualizar o paciente como o objeto de uma certa doença.

 

Qual o peso do conhecimento?

Embora o objetivo dos testes farmacogenômicos seja fornecer informações a respeito da resposta a uma droga ou risco de ocorrência de efeitos adversos, os testes podem, sem intenção, fornecer informações sobre a predisposição do paciente a desenvolver certas doenças ou condições, fornecer informações sobre prognóstico ou informações sobre outras drogas que não tenham sido atualmente prescritas.

Muitos testes relacionados a resposta a medicamentos também estão associados a doenças. Por exemplo, o alelo APOE4 associado a menores concentrações necessárias de varfarina também pode fornecer informações a respeito do risco de desenvolver doença de Alzheimer. Esse fenômeno é chamado de “efeito colateral de conhecimento” dos testes farmacogenômicos.

bioética

Mas e se um paciente não quiser saber essa informação genética adicional a respeito dele próprio? Esse é o chamado “peso do conhecimento”. Existem muitas situações em que um indivíduo não quer saber o risco de desenvolver uma doença debilitante para a qual não existe tratamento.

Esse peso do conhecimento também pode afetar o profissional de saúde. Considerando um paciente que tenha risco para uma doença séria, esse indivíduo pode não querer informar os membros de sua família. Essa situação é delicada para o profissional de saúde, pois esses parentes possuem o mesmo risco genético do paciente. Há um conflito ético para o profissional, que pode entender que o potencial dano em não informar aos parentes do paciente é maior do que o potencial dano de violar a privacidade do paciente.

Outra consideração dessa situação seria o paciente identificar membros da sua família que possuem risco, sem primeiramente ter permissão desses membros para que sejam identificados ou contatados.

 

Realizar ou não o teste farmacogenômico: decisão centrada no indivíduo

A escolha de realizar ou não um teste farmacogenômico envolve informações muito específicas sobre genética, sobre o teste, sobre a doença e sobre o potencial tratamento. Por exemplo, qual é a penetrância desse gene? Qual a probabilidade de um falso negativo? E de um falso positivo?

O profissional de saúde deve trabalhar em conjunto com o paciente a fim de responder suas dúvidas, fornecendo um conhecimento sólido ao indivíduo e respeitando sua autonomia de tomar essa decisão.

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Trabalho em conjunto

Por fim, para que o paciente consiga tomar uma decisão com autonomia e devidamente informado, o profissional de saúde deve trabalhar em conjunto com o indivíduo para que todas as informações sejam esclarecidas. Levando em consideração os princípios éticos, a vivência anterior do paciente com medicações e o conhecimento sobre farmacogenômica, essa tecnologia pode ser aplicada tendo o indivíduo no centro do processo.

Referências:

Stratton, T.P.; Olson, A.W. Personalizing Personalized Medicine: The Confluence of Pharmacogenomics, a Person’s Medication Experience and Ethics. Pharmacy 2023, 11, 101. https://doi.org/10.3390/pharmacy11030101

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