Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): podemos definir um subtipo autoimune?

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O DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) distingue o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) em dois tipos: forma primária e secundária. No TOC primário há uma etiologia multifatorial, com a combinação de fatores biológicos, psicológicos e externos. Recentemente, foi observado que subgrupos de pacientes que apresentam desencadeantes inflamatórios e autoimunes, sendo proposta uma forma secundária da doença – o TOC autoimune.

Transtorno obsessivo-compulsivo

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é o quarto transtorno psiquiátrico mais comum, com uma prevalência de 2,5% durante a vida. Possui início geralmente na adolescência/começo da vida adulta, mas pode estar presente em crianças. No TOC, o paciente apresenta pensamentos obsessivos com comportamentos compulsivos, que geralmente consomem mais de uma hora por dia. Ideias exageradas e irracionais invadem o pensamento e fazem com que o paciente tenha comportamentos repetitivos e estereotipados com o objetivo de anular os pensamentos obsessivos.

Metade dos pacientes não responde adequadamente ao tratamento farmacológico em conjunto com a psicoterapia, o que fez aumentar os esforços para identificar diferentes subgrupos da doença e os mecanismos causadores dessa resistência ao tratamento, a fim de melhorar o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento.

Dessa maneira, foi proposto que um subgrupo desses pacientes com TOC pode ter uma forma secundária da doença, que parece ter uma causa autoimune – trataremos esse subtipo como “TOC autoimune”.

Essa forma secundária do TOC é citada no DSM-V, mas não são fornecidas instruções para delimitar esse subtipo. Portanto, pesquisadores estruturaram uma abordagem clínica para detectar e tratar essa forma autoimune da doença, e vamos detalhar um pouco aqui nesse post.

TOC e ativação autoimune – PANDAS

Já foi estabelecida uma possível associação entre sintomas do TOC e a Desordem Neuropsiquiátrica Autoimune Pediátrica Associada a Infecção por Estreptococos (PANDAS, uma infecção causada pelo grupo A beta-hemolítico de Streptococcus pyogenes). Nessa desordem, a infecção pode desencadear um quadro autoimune da seguinte maneira:

Anticorpos que foram inicialmente produzidos para atacar os antígenos das bactérias passam a atacar estruturas dos gânglios basais devido a uma reação cruzada (ocorrida em função do mimetismo molecular). Considerando que tal região do cérebro parece apresentar disfunção em pacientes com TOC, pode-se sugerir que esses anticorpos poderiam induzir sintomas.

Algumas evidências corroboram essa hipótese, como a presença de anticorpos contra as estruturas dos gânglios basais em pacientes com PANDAS. Esses pacientes também possuem anticorpos contra receptores de dopamina e possuem uma barreira encefálica deficiente, o que permitiria a passagem desses anticorpos.

PANDAS é descrita como uma síndrome neuropsiquiátrica com presença de TOC ou tiques e uma associação temporal do início dos sintomas com uma infecção por estreptococos. É rara em adultos, e os seguintes sintomas devem estar presentes:

  1. Presença de TOC ou tiques;
  2. Início dos sintomas antes da puberdade;
  3. Início agudo dos sintomas e curso episódico (recorrente-remitente);
  4. Associação temporal entre infecção por estreptococos do grupo A e início ou exacerbação dos sintomas; e
  5. Associação com sinais neurológicos (hiperatividade motora ou movimentos coreicos).

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TOC e ativação autoimune – PANS

Além da infecção por estreptococos, outros patógenos e outras doenças que afetam o sistema imunológico também podem desencadear esse quadro autoimune, situação em que o conceito de PANDAS foi ampliado para Síndrome Neuropsiquiátrica Pediátrica Aguda (PANS). A possibilidade de pacientes com COVID-19 desenvolverem a forma secundária do TOC também está sendo pesquisada, visto que pacientes com sintomas neurológicos inexplicados apresentaram produção de anticorpos contra vários antígenos.

Os seguintes critérios diagnósticos de PANS devem ser cumpridos:

  1. Início abrupto e dramático de TOC ou restrição severa de ingestão alimentar;
  2. Presença de sintomas neuropsiquiátricos adicionais (com início severo e agudo), de pelo duas das sete categorias seguintes:

– Ansiedade;

– Instabilidade emocional;

– Irritabilidade, agressividade, e/ou comportamentos de oposição;

– Regressão comportamental (de desenvolvimento);

– Deterioração na performance escolar (relacionada a sintomas relacionados à desordem de déficit de atenção e hiperatividade, problemas de memória e mudanças cognitivas);

– Sinais sensoriais ou motores;

– Alterações somáticas e sintomas como disfunções no sono, enurese ou alteração na frequência urinária;

  1. Sintomas não são mais bem explicados por uma condição médica ou neurológica conhecida, como Coreia de Sydenham, lúpus eritematoso sistêmico (LES), Desordem de Tourette ou outras.

Como os critérios de PANS são bem amplos, apenas fornecem indicações de um possível TOC relacionado a doenças autoimunes.

Outras causas imunológicas

O TOC autoimune também pode ocorrer em virtude da encefalite autoimune, além de já ter sido associado a doenças autoimunes do SNC, como esclerose múltipla. Síndromes relacionadas ao TOC também podem ocorrer no contexto de doenças autoimunes sistemáticas, como LES, dermatomiosite e Síndrome de Sjögren.

Sintomas de TOC têm mais chance de ocorrer em pacientes que possuam uma inflamação no circuito cortico-estriado-tálamo-cortical. Alguns vírus neurotrópicos e bactérias (como a causadora da doença de Lyme) podem gerar uma neuroinflamação, sendo que o envolvimento de linfócitos T ainda não foi bem estabelecido.

Alterações imunológicas também podem ser observadas em pacientes com o transtorno primário, visto que alguns estudos com genes, citocinas e anticorpos observaram envolvimento de mecanismos imunológicos nesses pacientes. Entretanto, essas pesquisas são inconclusivas visto que a prevalência de TOC secundário na população ainda não foi bem estabelecida.

Como diagnosticar?

A fim de desenvolver critérios de diagnóstico, os sintomas podem ser classificados em formas possíveis, prováveis ou definitivamente autoimunes, e deve haver exclusão de diagnósticos diferenciais. Veja o esquema simplificado abaixo:

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Avaliações clínicas devem incluir avaliações psiquiátricas e neurológicas, observação dos sintomas somáticos, de doenças infecciosas, de imunodeficiências, além de histórico médico e familiar.

Devem ser utilizadas análises de sangue, de líquor, eletroencefalograma, tomografias e ressonância magnética. O “painel de Cunningham”, que ajuda a identificar autoanticorpos (como anticorpos contra receptores de dopamina, tubulina e lisogangliosídeos, além da atividade de CaMKII, uma enzima envolvida na liberação de dopamina), pode ser utilizado, embora não tenha sido validado em adultos e sua utilidade clínica seja atualmente questionável. Devem ser utilizados testes confirmatórios para os anticorpos neuronais, como ensaios baseados em células e imunoensaios.

 

Alterações observadas nos exames diagnósticos

No caso específico de pacientes com PANDAS, anticorpos contra estreptococos podem estar presentes no sangue. Anticorpos com reação cruzada (contra gânglio basal) podem ser encontrados no soro e/ou no líquor, mas a significância clínica desses achados ainda não foi estabelecida.

Imagens de ressonância magnética podem apresentar inflamação ou alteração de volume nos gânglios basais, e o eletroencefalograma pode apresentar alterações nos padrões de ondas cerebrais. Tomografias podem apresentar hipermetabolismo nos gânglios basais e hipometabolismo ao longo do córtex. Testes neuropsicológicos geralmente revelam disfunção executiva.

Com relação ao TOC autoimune em geral, podem ser encontrados anticorpos sistêmicos (ANAs contra dsDNA) ou neuronais (contra Ma2, antígeno expresso no interior de neurônios, ou NMDA-R) no sangue e/ou líquor, além de aumento da contagem dos glóbulos brancos. Tomografias mostram alterações no metabolismo dos gânglios basais, córtex, tálamo e corpo estriado.

 

Tratamento

O tratamento para o TOC visa a melhora de vida do paciente, e a associação de terapia cognitiva-comportamental ao uso de antidepressivos tem sido a primeira escolha.

Em geral, o tratamento de primeira linha consiste no uso de Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS) (bloqueiam o transporte de serotonina de volta à célula pré-sináptica, concentrando serotonina na fenda pré-sináptica) com doses mais elevadas que o padrão. Na ausência de resposta, duas outras opções são a Venlafaxina e a Clomipramina.

Para o TOC autoimune, o tratamento de escolha também é psicoterapia e psicofarmacologia (ISRS, Clomipramina, antipsicóticos atípicos). Para pacientes resistentes ao tratamento, podem ser utilizados antimicrobianos, anti-inflamatórios e imunoterapias que atuem contra processos autoimunes. Para pacientes com condições mais graves, recomenda-se administração intravenosa de imunoglobulinas, plasmaférese e rituximabe. Profilaxia com antibióticos é sugerida a crianças com PANDAS que tenham uma apresentação severa da doença. As diretrizes atuais ainda são baseadas em recomendações de especialistas (não em ensaios clínicos randomizados).

 

Conclusão

 O TOC autoimune pode ser causado por síndromes que envolvem alterações no sistema imunológico do paciente, como PANDAS, PANS, encefalite, LES e esclerose múltipla.

A identificação de formas autoimunes de TOC é de extrema importância para um tratamento mais adequado, como a utilização de imunoterapias. Para essa avaliação ser adequada, não deve avaliar-se somente a gravidade dos sintomas (como é feito atualmente para pacientes com PANDAS) e sim utilizar uma avaliação de diversos parâmetros com um time multidisciplinar.

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Referências

Endres, D. et al. Immunological causes of obsessive-compulsive disorder: is it time for the concept of an “autoimmune OCD” subtype? Translational Psychiatry, v. 12, n. 5 (2022).

 

 

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