Um grande estudo, publicado em uma revista renomada na área médica, questionou o uso do ácido fólico em gestantes. Embora polêmico, é essencial explorar bem os dados contidos no artigo e manter nossas condutas na Medicina Baseada em Evidências.
A suplementação de ácido fólico em gestantes é essencial
A suplementação de ácido fólico é de fundamental importância para a saúde do recém nato, sendo sempre recomendada em todas as gestações. É prescrita idealmente de forma profilática no tempo de 3 meses pré-gestacional até o final do primeiro trimestre.
O ácido fólico é importante para a síntese e reparo de ácido nucleicos, e diminui o risco de anencefalia e defeitos do tubo neural (por exemplo: espinha bífida), sendo recomendado usualmente na dose de 0,4 mg/dia ou, caso a mulher tenha algum filho anterior acometido por tais patologias ou que a mulher faça uso de anticonvulsivante, a dose deve ser de 4 a 5 mg/dia.
Sobre o grupo supracitado de usuárias de anticonvulsivantes, foi levantado um questionamento por pesquisadores na JAMA Neurology com o artigo intitulado: “Cancer Risk in Children of Mothers With Epilepsy and High-Dose Folic Acid Use During Pregnancy”.
Risco de câncer em crianças, filhas de mães com epilepsia, e alta doses de ácido fólico usadas durante a gestação
Foi realizado um estudo estilo coorte com bases nos dados de nascimentos de países Nórdicos (Dinamarca, Noruega e Suécia) dos nascidos entre 1997 e 2017, em conjunto com os dados de registros médicos das mães. A amostragem foi de 3.379.171 pacientes, dentre eles 27.784 crianças (51,4% sexo masculino) nascidas de mães com epilepsia.
Dentre as mães com epilepsia, as crianças que foram expostas a altas doses de ácido fólico (> 1 mg ao dia) entre 90 dias antes do início da gestação até o nascimento correspondem a 5.934 crianças, ou seja, 21,4% deste grupo. A média de idade das crianças foi de 7,3 anos (3,5 – 10,9 anos).
Sobre o grupo de mães com epilepsia: 93,2% delas faziam uso de anticonvulsivantes, dentre eles: valproato, lamotrigina, carbamazepina, levetiracetam, topiramato, oxcarbazepina, fenobarbital e clonazepam.
Lendo o resumo inicial do artigo, sem estudar seus números, metodologias e discussão, podemos chegar à uma conclusão precipitada (e equivocada) de que o ácido fólico poderia colocar em risco algumas crianças no seu desenvolvimento no que tange o desenvolvimento de cânceres.
Porém, temos que ter algumas ressalvas. A pontuar:
Proporções, risco absoluto e intervalo de confiança
O risco absoluto de câncer encontrado na análise foi de 1,5 (IC: 0,5 a 3,5) em crianças expostas à altas doses de ácido fólico de mães com epilepsia, comparado a 0,6 (IC: 0,3 a 1,1) em crianças de mães com epilepsia não expostas a altas doses de ácido fólico.
Veja que, embora com um risco maior, os valores do intervalo de confiança não são significativos.
Quando comparados os números em porcentagens dos acometidos em cada amostragem, vemos que o número de crianças acometidas por câncer, em proporção ao número da amostragem dos grupos, sugere que não há ligação direta ao uso do ácido fólico. Caso contrário, a porcentagem das crianças de mães sem epilepsia e de altas dosagens de ácido fólico, deveria se equiparar ao do grupo de crianças expostas a altas doses de ácido fólico em mães com epilepsia.
Entenda mais na imagem abaixo:
Uso de anticonvulsivantes associados
Outro ponto que não é citado no desenvolvimento são os riscos de uso na gestação de cada medicamento:
– Valproato, Carbamazepina, Topiramato, Fenobarbital – categoria D;
– Lamotrigina, Levetiracetam, Oxcarbazepina, Clonazepam – categoria C;
Na própria discussão do artigo, os autores declaram que não foi possível estudar o papel dos anticonvulsivantes no risco de desenvolvimento dos casos de câncer, ou outras características inerentes maternas que poderiam explicar os casos.
Não foi achada nenhuma associação com algum anticonvulsivante em específico. Os tipos de câncer mais frequentes achados na análise, são os mesmos dos achados na distribuição geral da população.
A literatura pode ser controversa
Há ainda a citação dos autores de outros estudos os quais, por outro lado, mostram uma diminuição na incidência de cânceres após a implementação da fortificação de ácido fólico em alimentos, e redução de tumores no sistema nervoso central e leucemia linfoblástica.
Então o artigo não é válido?
O artigo é importante, essencial e robusto! Os pesquisadores fizeram uma análise crítica, expuseram as limitações e responderam o questionamento principal do trabalho. Mas é preciso atenção e cuidado, além de evitarmos o sensacionalismo nas notícias médicas.
Em sua conclusão, os pesquisadores ressaltam que o estudo deve ser considerado na discussão de riscos e benefícios nas pacientes com epilepsia e uso de anticonvulsivantes para a suplementação de ácido fólico em decisão conjunta.
Além disso levanta-se que a associação de anticonvulsivantes e de ácido fólico em altas doses deve ser investigada para esclarecimento de mecanismos e etiologias.
Um ponto que devemos ter sempre em mente e aprender com este artigo é que, muitas vezes, apenas o resumo, sem a leitura integral e análise própria dos dados apresentados nos estudos pode nos trazer a falsa conclusão de malefícios ou benefícios de certa abordagem ou terapia.
O raciocínio completo para tomada de decisões e conclusões deve ser feito por base em análise e conhecimento de dados em sua integralidade para evitar-se fatores de confusão.
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Referências:
Håkon Magne Vegrim; Julie Werenberg Dreier; Silje Alvestad; et al. Cancer Risk in Children of Mothers With Epilepsy and High-Dose Folic Acid Use During Pregnancy. JAMA Neurol. Published online September 26, 2022. doi:10.1001/jamaneurol.2022.2977.
