Sistema ABO e a influência na infecção por SARS-Cov-2

ABO sars-cov-2

Existem diversas características (modificáveis e não modificáveis) que podem interferir no risco de um indivíduo adquirir a infecção por SARS-CoV-2 e desenvolver formas mais graves da COVID-19. Nesse post, vamos abordar a relação entre a COVID-19 e o sistema ABO.

Como o sistema ABO influencia no desenvolvimento da COVID-19?

Considerando as características biológicas, alguns estudos mostraram que a presença de determinadas variantes genéticas pode aumentar a susceptibilidade à infecção. Por exemplo, genes envolvidos com o receptor utilizado pelo vírus para entrada na célula (ACE2) e genes envolvidos na resposta imune (como o HLA).

Além disso, o grupo sanguíneo ABO também pode estar associado ao aumento da suscetibilidade a ao desenvolvimento de quadros mais graves da doença.

Anticorpos anti-A e anti-B podem funcionar como anticorpos neutralizantes através da ligação a antígenos A e/ou B expressos no envelope viral. Tal ligação impediria a interação do vírus com o receptor celular ACE2, limitando a entrada do vírus no epitélio pulmonar e a subsequente infecção celular.

Com relação a complicações da COVID-19, um estudo mostrou que indivíduos com tipo sanguíneo A possuem um aumento da atividade de ACE1, aumentando o risco de complicações cardiovasculares. Além disso, pacientes com esse grupo sanguíneo possuem níveis elevados de fator VIII e fator de von Willebrand, o que pode contribuir para uma maior chance de tromboembolismo e COVID-19 grave.

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Sistema ABO e COVID-19: diferentes riscos

Já foram realizadas algumas pesquisas a respeito desse assunto, entretanto, elas possuem limitações e mostraram resultados inconclusivos e contrastantes. Considerando essa problemática, um artigo recente realizou uma revisão sistemática e metanálise englobando 63 estudos, a fim de verificar a associação entre os diferentes grupos sanguíneos do sistema ABO e o risco de infecção, além da associação com formas mais graves da doença

 

Os resultados encontrados foram os seguintes:

  1. Indivíduos que possuem o grupo sanguíneo tipo O possuem menor risco de infecção por SARS-CoV-2, em comparação com os indivíduos que não possuem esse tipo sanguíneo, assim como em comparação com cada um dos grupos sanguíneos separadamente (A, B e AB). Entretanto, os autores destacam que após uma análise de sensibilidade com restrição para os estudos com menor risco de viés, os resultados não foram estatisticamente significativos.
  2. Indivíduos que possuem o grupo sanguíneo tipo A possuem maior risco de infecção por SARS-CoV-2, em comparação com os indivíduos que não possuem esse tipo sanguíneo (indivíduos não A). Esses dados também não permaneceram significativos após as análises mais refinadas.
  3. Indivíduos que possuem o grupo sanguíneo tipo O possuem maior risco de mortalidade em decorrência da COVID-19 em comparação com indivíduos do grupo sanguíneo B.
  4. Indivíduos que possuem o grupo sanguíneo tipo A possuem maior risco de mortalidade em decorrência da COVID-19 em comparação com indivíduos do tipo não A. A análise também foi significativa comparando isoladamente com indivíduos do grupo sanguíneo tipo B.
  5. Indivíduos que possuem o grupo sanguíneo tipo B possuem menor risco de mortalidade em decorrência da COVID-19 em comparação com indivíduos do grupo não B.

 

De maneira geral, foi encontrado um maior risco de infecção em indivíduos que não possuem anticorpos anti-A ou anti-B. Outras revisões também encontraram uma associação entre o grupo sanguíneo A (versus não A) e o maior risco à infecção pelo vírus, e uma redução do risco para o grupo sanguíneo O (versus não O).

Considerando que 74% dos indivíduos do grupo não A são compostos por pessoas com tipo sanguíneo O, o efeito de risco do grupo A pode decorrer, na verdade, do efeito protetor do grupo O. O fato de indivíduos sem anticorpos anti-A e anti-B possuírem menor risco de infecção também corrobora essa hipótese.

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Algumas limitações observadas nessa metanálise incluem a heterogeneidade entre os estudos, devido às diferenças entre as populações, desenhos de estudo, tempos de acompanhamento dos pacientes, avaliações do resultado ou da qualidade do estudo. Ao restringir a análise a estudos com baixo viés, o efeito protetor do grupo O torna-se estatisticamente insignificante. Entretanto, tal fato pode ter ocorrido devido à redução do tamanho da amostra.

Além disso, há pouca ou nenhuma informação sobre vacinação, acesso a cuidados médicos ou presença de mutações.

O que pode estar acontecendo?

Com relação aos mecanismos que explicam esses resultados, suspeita-se que os anticorpos anti-A e anti-B presentes nos indivíduos do tipo O bloqueiem a adesão do SARS-CoV-2 ao receptor ACE2.

Outro estudo também observou que pacientes com COVID-19 possuem níveis menores de anticorpos ABO do que indivíduos do grupo controle, o que pode indicar que o primeiro grupo possui maior risco de infecção.

A relação entre os grupos sanguíneos do sistema ABO e os níveis do fator de von Willebrand também pode influenciar na mortalidade por COVID-19. Indivíduos do grupo O possuem níveis mais baixos desse fator, o que interfere no risco trombótico do paciente. Entretanto, com a utilização da tromboprofilaxia já bem difundida, esse efeito pode ter sido diluído.

A menor mortalidade observada no grupo B pode ser explicada por efeitos demográficos, já que esse tipo sanguíneo é mais frequente na Ásia e é raro na Europa e América (onde a maioria dos estudos foi realizada). Também pode haver influência de uma menor população idosa com menos comorbidades.

Portanto, embora haja mecanismos biológicos que possam explicar os achados, o conceito de associação não deve ser confundido com o de causalidade, e fatores como etnia, idade ou sexo podem ter grande influência no desenvolvimento da doença.

Sabe-se que a frequência dos tipos sanguíneos varia de acordo com etnias, e que elas possuem algumas características em comum (como estado sociodemográfico, estilo de vida ou sobrepeso), o que pode influenciar a probabilidade de infecção ou o desenvolvimento da COVID-19.

Considerações finais

Reconhecer a susceptibilidade dos indivíduos de acordo com o tipo sanguíneo ABO pode ajudar a entender a dinâmica da pandemia em diferentes áreas, além de antecipar possíveis cenários. Também auxilia no conhecimento da transmissão e patogênese do SARS-CoV-2 e na procura por novos alvos terapêuticos ou mecanismos protetores.

Em conclusão, pode haver uma associação entre o grupo sanguíneo do sistema ABO e risco de infecção e mortalidade por SARS-CoV-2.

O grupo O poderia estar associado a um risco reduzido de infecção, mas aumentado de mortalidade em decorrência da doença (comparado ao grupo B). O grupo A poderia ser considerado um fator de risco para infecção e mortalidade, enquanto o grupo B estaria associado a uma menor mortalidade.

Entretanto, devemos destacar que esses dados devem ser interpretados com cuidado devido à heterogeneidade entre os estudos.

Referências:

Gutiérrez-Valencia et al. ABO blood group and risk of COVID-19 infection and complications: A systematic review and meta-analysis. Transfusion, p.1-13, 2021.

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