A Síndrome de Lemierre é uma complicação rara da faringotonsilite, caracterizada por bacteremia + tromboflebite da veia jugular interna + êmbolos sépticos metastáticos.
A incidência da condição reduziu com o advento dos antibióticos – a ponto de ser considerada uma doença “esquecida” por muitos médicos. No entanto, é um doença grave, e na ausência de terapêutica apropriada, o paciente pode falecer em cerca de 15 dias.
Entenda mais sobre a doença, e como identificar os sinais e sintomas em casos suspeitos.
Síndrome de Lemierre: uma condição rara, porém grave
A Síndrome de Lemierre tem esse nome por ter sido primeiramente descrita pelo Dr. André Lemierre, em 1936. O paciente apresentava sepse pós-anginal, causada por infecção por F. necrophorum, com tromboflebite da veia jugular interna e êmbolos à distância como complicações. Assim, a síndrome também é conhecida como sepse pós-anginal ou necrobacilose.
É uma doença rara – incidência de 3-6 casos por milhão de pessoas por ano, sendo mais comum em jovens entre 14-24 anos (14,4 casos por milhão de pessoas por ano) e do sexo masculino.
O principal fator de risco é a infecção bacteriana prévia da orofaringe, que pode causar danos à mucosa.
A Fusobacterium necrophorum está envolvida em 85% dos casos de Síndrome de Lemierre
Como citamos, a Síndrome de Lemierre é uma complicação após infecção da orofaringe. A Fusobacterium necrophorum está envolvida em 85% dos casos.
As bactérias do gênero Fusobacterium são oportunistas. Elas podem ser parte da flora orofaríngea e gastrointestinal normal. Em caso de infecção viral ou bacteriana prévia na orofaringe, há enfraquecimento da mucosa local, permitindo a entrada e o crescimento da Fusobacterium.
A bactéria apresenta propriedades endotóxicas e, com a progressão da condição, em até 3 semanas há invasão do espaço faríngeo e da veia jugular interna, causando tromboflebite séptica.
A disseminação hematogênica ou linfática permite infecções metastáticas, sendo as mais comuns infecções pulmonares e articulares.
Outros patógenos também podem causar Síndrome de Lemierre, e seguem o mesmo princípio – a infecção causa danos à mucosa local, permite maior proliferação e invasão do patógeno e pode complicar atingindo a veia jugular interna.
Como diagnosticar?
O diagnóstico é uma combinação de avaliação clínica + laboratorial + exames de imagem.
Sinais e sintomas
É importante reconhecer a infecção prévia. Como comentamos, em geral a condição inicia como infecção na orofaringe, mas alguns pacientes podem apresentar início como otite média, infecções odontológicas, sinusite mononucleose.
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Nos estágios iniciais da Síndrome de Lemierre, o paciente apresenta febre alta persistente, calafrios e dor de garganta.
Normalmente, há envolvimento tonsilar ou peritonsilar – tonsilas exsudativas, hiperêmicas e/ou ulceradas. Pode ocorrer dispneia e hemoptise.
Uma vez que a infecção progride, o paciente pode apresentar endurecimento e sensibilidade dolorosa no pescoço. Nessa fase, é possível observar infecção cervical profunda e tromboflebite da veia jugular interna.
Em caso de infecções metastáticas, são observadas principalmente complicações pulmonares (85% dos casos), na maioria como lesões cavitarias necróticas (daí o nome necrobacilose).
Complicações articulares e sepse também podem ocorrer. De forma menos comum, abscessos cerebrais, abscessos renais, pericardite, piomiosite, osteomielite e endocardite.
Avaliação laboratorial
Após a suspeita, a realização de cultura de orofaringe (swab) ou sangue é obrigatória, incluindo teste de sensibilidade. Em caso de infecções metastáticas pulmonares e/ou articulares, aspirados podem ser utilizados.
Mas lembre-se: o patógeno apresenta crescimento lento. Pode levar até 8 dias para detecção da bactéria.
Exames de imagem
Tomografia computadorizada de pescoço e tórax com contraste são padrão-ouro – permite visualização de trombos na veia jugular interna e acometimento pulmonar. Como alternativas, podem ser realizadas ultrassonografia e ressonância magnética.
Como tratar?
Por ser uma condição pós-infecciosa, a base do tratamento é a utilização de antibióticos.
A terapia empírica pode ser adotada para agilizar o tratamento, visto que a cultura pode demorar, mas não dispensa a necessidade do exame. Sugere-se Ceftriaxona + Metronidazol ou Piperacilina + Tazobactam.
Cefiderocol também é uma opção viável para patógenos gram-negativos resistentes. No entanto, não é primeira escolha, pois caso haja crescimento de cepas resistentes, as opções ficam muito limitadas.
Sugere-se entre 3 e 6 semanas de tratamento – os antibióticos têm dificuldade em penetrar coágulos de fibrina, e por essa razão o tratamento é demorado. O tratamento com anticoagulantes associado pode ser utilizado, mas a capacidade de reduzir eventos embólicos ainda é limitada.
Prognóstico
Muitas vezes a Síndrome de Lemierre é diagnosticada tardiamente, apresentando curso fatal e irreversível. Na ausência de terapêutica apropriada, o paciente pode falecer em cerca de 15 dias.
Além disso, todos os pacientes apresentarão alguma complicação – principalmente pulmonar ou articular. Em caso de envolvimento neurológico ou em idosos, o risco de morte é maior.
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Referências:
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