Acidentes ofídicos no Brasil: sinais e sintomas, tratamento e prevenção

Os acidentes ofídicos ainda são um importante problema de saúde pública devido à sua alta frequência e severidade. Existem aproximadamente três mil espécies conhecidas de serpentes e 20% delas são venenosas.

Compreender todos os sinais e sintomas clínicos, bem como as características básicas e hábitos das serpentes, pode nos auxiliar no tratamento correto dos pacientes, reduzindo o risco de óbitos.

Com isso em mente, trouxemos uma revisão sobre os diferentes tipos de acidentes ofídicos que ocorrem no Brasil.

Desde 2000, houve um aumento de mais de 400% nos registros de ocorrências de acidentes ofídicos

Em julho de 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) adicionou os acidentes ofídicos à lista de doenças tropicais negligenciadas, incentivando um controle efetivo para esse problema de saúde pública.

De acordo com o Relatório Internacional de Prevenção de Injurias Infantis da OMS (2008), são relatados mais de 400.000 casos de incapacitação por acidentes ofídicos ao ano pelo mundo, devido aos componentes dermonecróticos, citotóxicos, miotóxicos ou hemorrágicos em venenos de serpentes, causando danos ao tecido conjuntivo e a células epiteliais e musculares.

No Brasil, há mais de 10 anos os acidentes por  animais  peçonhentos  foram  adicionados  à  lista  de  notificação compulsória, e segundo o Ministério da Saúde, entre 2000 e 2016 houve um  crescimento  no  registro  de  ocorrências  de  440,87%.

Em 2020, foram registrados 31.395 acidentes com serpentes, dos quais 121 levaram as vítimas ao óbito. Os estados com os maiores índices de notificações por acidentes ofídicos foram o Pará, com 5.723, Bahia, 3.118 e Minas Gerais, totalizando 3.030 casos. Norte e Nordeste, juntos, notificaram cerca de dois terços de acidentes ofídicos de 2021. Os maiores índices de letalidade foram encontrados no Amapá (1,09%), Maranhão (0,89%) e Rio Grande do Sul (0,85%).

Sobre as características dos pacientes, 76,3% são homens, com idades entre 40 e 64 anos e moradores de zona rural. A população indígena apresentou a maior taxa de letalidade, com 1,12%, tendo 2,5 mais chances de evoluírem para óbito.

acidente ofidico

4 diferentes grupos de serpentes são encontradas no Brasil

Animais peçonhentos são reconhecidos como aqueles que produzem ou modificam algum veneno e possuem algum aparato para injetá-lo. Os principais animais peçonhentos que causam acidentes no Brasil são algumas espécies de serpentes, de escorpiões e de aranhas.

Algumas espécies de serpentes produzem uma peçonha em suas glândulas veneníferas capazes de perturbar processos fisiológicos e bioquímicos normais de uma vítima de seu bote, causando alterações do tipo colinérgicas, hemorrágicas, anticoagulantes, necróticas, miotóxicas, citolíticas e inflamatórias.

No Brasil, algumas espécies de serpentes peçonhentas são de interesse em saúde pública – das famílias Viperidae e Elapidae. Os acidentes causados por estas serpentes são divididos em quatro grupos, de acordo com o gênero da serpente causadora.

acidentes ofidicos
Os quatro grupos de serpentes peçonhentas do Brasil – disponível em www.cienciabrasilis.com.br

Acidente Botrópico – Jararaca

É causado por serpentes da família Viperidae, dos gêneros Bothrops (jararacuçu, jararaca, urutu, caiçaca, comboia).

São animais de coloração diferente em cada espécie, que se camuflam em seus habitats. Sua cabeça possui formato triangular, com presença de fosseta loreal. São animais mais agressivos que outras espécies brasileiras.

É o grupo mais importante, apresentando 75% dos casos registrados, com cerca de 30 espécies em todo o território brasileiro. São encontradas em ambientes diversos, desde beiras de rios e igarapés, áreas litorâneas e úmidas, agrícolas e periurbanas, cerrados, e áreas abertas.

Os principais sintomas do acidente botrópico são:

– Na região da picada = dor e inchaço, podendo apresentar manchas arroxeadas (edemas e equimose) e sangramento descontrolado. Pode evoluir com infecção e necrose na região.

– Sistêmicos = quadro hemorrágico. Sangramento de gengiva, pele e urina. Pode evoluir com insuficiência renal.

O tratamento é feito com soro antiofídico, o número de ampolas é variável de acordo com a gravidade do acidente. São 3 disponíveis: SABr = Soro antibotrópico (pentavalente), SABL = Soro antibotrópico (pentavalente) e antilaquético e SABC = Soro antibotrópico (pentavalente) e anticrotálico.

Acidente Botrópico

Acidente Crotálico – Cascavel

É causado pelas cascavéis da Família Viperidae, do gênero Crotalus.

Representando aproximadamente 8% dos casos, as cascavéis são identificadas por apresentarem cabeça triangular, fosseta loreal, pupilas ovaladas e, principalmente possuem um guiso em sua calda, usado para alertar possíveis agressores. Tem ampla distribuição em cerrados, regiões áridas e semiáridas, campos e áreas abertas.

É uma serpente de baixa agressividade – somente ataca ao se sentir extremamente ameaçada. Porém, os acidentes com o gênero Crotalus são os que apresentam maior mortalidade, sendo quatro vezes superior a mortalidade causada pelos acidentes com animais do gênero Bothrops.

O quadro clínico usualmente apresenta os seguintes sintomas: mal-estar, vômitos, “fácies miastênica” e diminuição de capacidade de movimentação, dores musculares generalizadas, mioglobinuria, incoagulabilidade sanguínea e aumento de tempo de coagulação.

O tratamento ocorre com soro antiofídico SABC = Soro antibotrópico (pentavalente) e anticrotálico e SACr = Soro anticrotálico, e o número de ampolas varia de acordo com a gravidade do caso.

Acidente Crotálico

Acidente Laquético – Surucucu

Também é causado por serpentes da família Viperidae, mas pela espécie Lachesis muta (surucucu-pico-de-jaca).

A surucucu é a maior serpente peçonhenta do Brasil. Possui escamas granulares e levemente eriçadas em sua calda, tendo coloração amarelada com diversas manchas escuras ao longo de seu corpo. Seu habitat é a floresta Amazônica e os remanescentes da Mata Atlântica.

O acidente laquético possui um quadro semelhante ao acidente por jararaca. A região da picada apresenta dor e inchaço, podendo apresentar manchas arroxeadas (edemas e equimose) e sangramento descontrolado na região. A dor piora com o passar do tempo.

De forma sistêmica, há principalmente sintomas vagais – dor abdominal, vômitos, diarreia, bradicardia e hipotensão. Pode ocorrer hemorragia gengival, cutânea e hematúria. Devido a potencial gravidade do acidente laquético, são sempre considerados clinicamente moderados ou graves, não havendo casos leves.

O soro utilizado para o tratamento é o SABL = Soro antibotrópico (pentavalente) e antilaquético.

Acidente Elapídico – Coral

É causado pelas corais-verdadeiras pertencentes a família Elapidae, gêneros Micrurus e Leptomicrurus.

São amplamente distribuídas no país, com várias espécies que apresentam padrão característico com anéis coloridos (vermelha, preta, amarelada e/ou branca). Não apresentam cabeça triangular e possuem olhos arredondados.

As manifestações do envenenamento caracterizam-se por dor variável, visão borrada ou dupla e fácies miastênica. As alterações locais são pouco relevantes. Já os efeitos sistêmicos são principalmente neuromusculares, visto o bloqueio da acetilcolina. Pode levar à óbito, com a paralisação de músculos respiratórios.

O tratamento ocorre com SAEla = Soro antielapídico (bivalente), e o número de ampolas é variável de acordo com a gravidade do caso.

acidente elapidico cobra coral

Como lidar com o paciente em caso de acidente?

O diagnóstico de envenenamento ofídico é eminentemente clínico-epidemiológico, não sendo empregado na rotina hospitalar exame laboratorial para confirmação do veneno circulante.

Tempo de coagulação, hemograma e função renal são importantes para o monitoramento da soroterapia e acompanhamento das complicações nos acidentes botrópicos, laquéticos e crotálicos.

Em caso de acidente envolvendo picadas de cobras, é fundamental manter a calma e realizar os primeiros socorros.

A pessoa que levou a picada deve ser orientada a permanecer em repouso, hidratar-se e manter o local do ferimento elevado. A vítima precisa ser levada ao hospital de referência para o tratamento de acidentes ofídicos mais próximo. É importante que a pessoa seja atendida no menor tempo possível, isso é determinante para o sucesso no atendimento.

Apesar do soro antiofídico ser específico para cada um dos quatro grupos de serpentes, não há necessidade e nem se recomenda tentar capturar o animal. A partir dos sintomas apresentados, é possível reconhecer o tipo de acidente e administrar, se necessário, o soro correto.

Jamais deve-se cortar, furar ou amarrar o local da picada com garrotes ou torniquetes. Essas medidas podem agravar a situação.

Acidentes ofídicos no Brasil: sinais e sintomas, tratamento e prevenção

Prevenção – como orientar os pacientes?

Serpentes se alimentam de ratos, sendo importante o controle de pragas rurais e o aparecimento destes roedores nas residências. Como orientar os pacientes?

Limpar paióis e terreiros, evitar acúmulo de lixo ou entulho, de pedras, tijolos, telhas e madeiras, bem como não deixar mato alto ao redor das casas. Isso atrai e serve de abrigo para pequenos animais, que servem de alimentos às serpentes.

Para proteção pessoal, quando em campos ou áreas endêmicas para estas serpentes, orientar o uso de botas de cano alto ou perneira de couro, botinas e sapatos pode evitar acidentes ofídicos. O uso de luvas de aparas de couro também pode prevenir muitos dos casos, uma vez que cerca de 20% das picadas atingem mãos ou antebraços.

 

Considerações finais

Os acidentes ofídicos são extremamente importantes em um contexto de saúde pública. Compreender como cada quadro se desenvolve, quais os hábitos destas serpentes e suas características básicas pode auxiliar no tratamento correto. A partir do conhecimento ecológico e biológico destes animais, é possível elaborar políticas de prevenção e tratamento mais eficientes para o controle destes acidentes.

 

Nota da Equipe WeMEDS®: no nosso app WeMEDS® você pode encontrar mais detalhes sobre os acidentes ofídicos. É só acessar a categoria “especialidades”, e na área de “Peçonhentos” é possível encontrar o conteúdo sobre Ofidismo. Disponível na versão web ou para download para iOS ou Android.

Referências:

BizM. E. Z., AzeredoG. C. C., JuniorJ. F., PanhocaH. D., SouzaT. M. de C., CrovadorM. C., CavalheiroP. P., & ReisB. C. C. (2021). Perfil epidemiológico em território brasileiro dos acidentes causados por animais peçonhentos: retrato dos últimos 14 anos. Revista Eletrônica Acervo Saúde, 13(11), e9210. https://doi.org/10.25248/reas.e9210.2021

MALAQUE, Ceila M.S. Acidentes por animais peçonhentos. São Paulo: Hospital Vital Brasil, 2016.

MATSUI T., FUJIMURA Y., TITANI K. Snake venom proteases affecting hemostasis and thrombosis, 2000. Biochimic. Biophysica Acta, 1477: 146 – 156 DOI: 10.1016/s0167-4838(99)00268-x

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Manual de diagnóstico e tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos. 2 ed. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2001.

 

 

Google search engine

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui