Doença de Still e imunossupressores: combinação perigosa?

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Um estudo publicado no dia 17 de novembro na revista Annals of the Rheumatic Diseases identificou reações a medicamentos imunossupressores em pacientes que apresentam uma condição rara chamada de Doença de Still. Esses medicamentos são prescritos para uma variedade de doenças, sendo que dois desses, foram administrados em casos graves de COVID-19.

O estudo indica que o haplótipo HLA-DRB*15 estaria associado com a reação a esses medicamentos. Se você nunca ouviu esse nome, vamos explicar, fique tranquilo! Esse haplótipo está presente em cerca de 20% da população mundial.

Os medicamentos que causariam reações nesses indivíduos são: anakinra, canakinumab e rilonacept, que vão atuar bloqueando a molécula interleucina-1 (IL-1), responsável por iniciar o processo inflamatório; e o medicamento tocilizumabe, que bloqueia a molécula interleucina-6 (IL-6), um sinalizador pró-inflamatório.

 

A Doença de Still

A doença de Still é um tipo de artrite inflamatória que apresenta sintomas como dor, febre, erupção cutânea, dor muscular e perda de peso. Em casos mais graves pode levar à destruição das articulações, situação que ocorre com maior frequência nos joelhos e nos pulsos. Além disso pode levar a inflamação cardíaca e ao aumento de fluido nos pulmões.

É uma doença que acomete com maior frequência crianças e é caracterizada por ser uma doença inflamatória autoimune, sendo que a causa dessa doença ainda não é bem estabelecida.

Como imunossupressores estariam causando as reações

Os medicamentos que bloqueiam IL-1 e a IL-6 foram introduzidos no início da década de 2010, e foram revolucionários para o tratamento de inúmeras doenças auto inflamatórias, entre elas, a Doença de Still. Esses medicamentos são extremamente importantes por diminuírem não somente os sintomas, mas também reduzirem ou até mesmo prevenirem crises da doença.

Em 2013 foi publicado um trabalho que relatava que pacientes com a doença de Still estavam apresentando disfunções pulmonares, e alguns até mesmo possuíam risco de morte. Nesse momento foi levantada a hipótese de que infecções pulmonares poderiam ser as responsáveis por esses problemas, ou ainda, que os pacientes com a doença de Still apresentavam um perfil genético que fosse propenso ao desenvolvimento desses problemas pulmonares.

Para que esse trabalho fosse desenvolvido, os pesquisadores obtiveram resultados de biopsias pulmonares e tomografias computadorizadas de pacientes de diversas localidades do mundo. Analisando esses dados eles puderam observar que muitos dos pacientes apresentaram alterações pulmonares e uma combinação estranha de anormalidades de tecido e nódulos linfáticos de aparência incomum.

Quando examinaram a história desses pacientes, observaram que esses estavam tomando bloqueadores de IL-1 e IL-6, sendo que os pacientes que não tomavam os medicamentos não apresentaram sintomas. Além de avaliarem os sintomas clínicos apresentados pelos pacientes, eles também avaliaram os perfis do antígeno leucocitário humano (HLA) dos pacientes que apresentaram doenças pulmonares, e descobriram que mais da metade dos pacientes apresentavam os mesmos perfis.

Mas o que é o antígeno leucocitário humano?

Os genes do antígeno leucocitários humanos (HLA) fazem parte de uma família gênica que está localizada no complexo principal de histocompatibilidade (MHC) em humanos, e apresentam papel importante na resposta imune. Diversas doenças já foram associadas aos genes HLA, e é bem provável que você já tenha ouvido falar em algum deles (HLA-B, -DR, -DQ?). Como essa conversa pode ficar confusa, de forma muuuuito simplificada, veja o esquema abaixo:

imunossupressores doença de still HLA

Os alelos dos genes (ou seja, as formas alternativas de um gene) são representadas após o nome do gene, seguidas do * (por exemplo, HLA-B*27).

Esses genes são responsáveis por codificar moléculas que vão estar presentes na superfície celular e são responsáveis por apresentar peptídeos antigênicos as células T.

Combinação perigosa?

Posteriormente, foi evidenciado que os pacientes que apresentavam problemas pulmonares possuíam reação medicamentosa com eosinofilia e sintomas sistêmicos (DRESS), um tipo de reação medicamentosa grave. As características do DRESS teriam começado a surgir logo após o inicio do tratamento com os medicamentos, demorou em média cerca de 14 meses para que a doença pulmonar grave fosse aparente nos pacientes.

No estudo atual, desenvolvido por Saper e colaboradores foram comparados, 66 indivíduos que apresentavam a doença de Still e tinham DRESS, com 65 pacientes que não apresentaram reação medicamentosa. Entre os diversos problemas apresentados pelos pacientes com DRESS estavam a presença de níveis de enzimas hepáticas alterados (indicando disfunção hepática) e altos níveis de citocinas inflamatórias (64% dos pacientes).

Foi relatado que os indivíduos que foram retirados do tratamento e mantidos sem os medicamentos, se saíram bem. Mas dos 33 pacientes que continuaram tomando os medicamentos após o inicio das reações, nove morreram.

O haplótipo HLA-DRB1*15 é encontrado em 20% da população geral, e foi associado ao maior risco de DRESS. Porém como os teste da genotipagem para os marcadores HLA não previu todos os que tiveram reações aos medicamentos, o estudo indica que os médicos devem observar cuidadosamente as reações de DRESS aos inibidores de IL-1 e IL-6.

Dois dos medicamentos, tocilizumabe e anakinra, foram utilizados recentemente em pacientes que tiveram diversas inflamações em decorrência de COVID-19 grave. Por conta de os marcadores de risco serem comuns na população em geral, os pesquisadores sugerem cautela no uso desses medicamentos no tratamento de COVID-19.

Conclusões

O estudo mostrou que as reações do tipo DRESS vão ocorrer entre pacientes tratados com imunossupressores, anakinra, canakinumab, rilonacept e tocilizumabe. Além disso, o aparecimento dessas reações está fortemente associado ao haplótipo HLA-DRB1*15. Além disso, a tipagem HLA, bem como a vigilância de reações graves desses medicamentos são necessárias. A cautela no uso desses medicamentos para o tratamento de COVID-19 deve ser considerada.

 

Referências

Saper VE, Ombrello MJ, Tremoulet AH, et al. Severe delayed hypersensitivity reactions to IL-1 and IL-6 inhibitors link to common HLA-DRB1*15 alleles. Annals of the Rheumatic Diseases Published Online First: 17 November 2021.

Aragaki C. Doença de Still acomete crianças e pode destruir articulações. Jornal da USP no Ar 1ª edição. 02 de abril de 2019.

Goldberg, AC  e Rizzo, LV. Estrutura do MHC e função – apresentação de antígenos. Parte 1. einstein (São Paulo). 24/mar/2015;13(1):153-6.

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