O ano de 2022 foi marcado por muitos momentos importantes na área médica e biológica. Além de mais um ano de estudos e descobertas com a COVID-19, tivemos casos de Monkeypox, a descoberta de um novo grupo sanguíneo, diversos novos medicamentos estudados e aprovados.
Ainda, há a proposta do RISUG®, um anticoncepcional masculino que deve chegar ao mercado em 2023. Veja os destaques.
Janus quinase no tratamento da Alopecia Areata
Um dos destaques foi a proposta dos inibidores de Janus quinase Ritlecitinibe (PF-06651600, inibidor JAK3) e Brepocitinibe (PF-06700841, inibidor JAK1) no tratamento da alopecia areata (AA).
Os resultados foram obtidos do estudo clínico ALLEGRO, que avaliou pacientes com mais de 50% de perda de cabelo do couro cabeludo e nenhum crescimento capilar nos últimos 6 meses.
Os resultados forneceram novas informações sobre a patogênese da doença, além de novas opções terapêuticas para os pacientes. Com as drogas, a melhora foi observada em cerca de 12-24 semanas. Além disso, os resultados positivos a nível molecular foram identificados de forma precoce, antes do que as respostas clínicas.
Veja mais sobre esse trabalho aqui.
Duloxetina em dor crônica: será?
Outro trabalho importante e bastante discutido foi quanto ao uso da duloxetina em pacientes com osteoartrite e dor crônica. Nesse trabalho, os autores sugerem que “a duloxetina não agrega valor no alívio da dor” nestes pacientes.
No estudo clínico, os pesquisadores observaram uma leve redução da dor nos pacientes tratados com duloxetina 60 mg/dia em comparação ao grupo placebo, mas essa diferença não foi significativa. Para pacientes com sintomas de sensibilização central também nenhum efeito foi encontrado.
Ainda, em 3 meses de tratamento quase todos os pacientes tratados (90%) relataram pelo menos um efeito colateral em comparação com 72,5% no grupo de cuidados habituais.
O diferencial do trabalho é que os pacientes avaliados eram mais velhos, então apresentavam queixas de osteoartrite há mais tempo, e com comorbidades associadas. Além disso, a osteoartrite primária idiopática também foi avaliada – sendo que a maioria dos estudos não faz a diferenciação entre primária ou secundária.
Há diversos pontos interessantes nesse artigo, como mais detalhes e limitações e você pode saber mais sobre ele clicando aqui.
EBV como causa principal de esclerose múltipla
Ainda em janeiro falamos sobre um estudo que identificou o vírus Epstein-Barr (EBV) como a causa provável da esclerose múltipla. O trabalho foi bastante comentado na área médica durante o ano, visto que a infecção viral aumentou o risco de desenvolvimento da doença em 32 vezes!
O estudo é robusto, avaliou mais de 10 milhões de jovens adultos e foi publicado em uma das mais renomadas revistas científicas da área de ciências biomédicas (Science). De todos os indivíduos avaliados que desenvolveram a esclerose múltipla durante a vida, apenas um não apresentou evidência sorológica para EBV.
Saiba mais sobre o trabalho aqui.
Caracterização de alterações cerebrais na fibromialgia juvenil
Em fevereiro, falamos sobre outro trabalho que trouxe dados importantíssimos sobre a caracterização de doenças. Dessa vez, a fibromialgia, uma síndrome com fisiopatologia pouco caraterizada até então.
O trabalho avaliou a fibromialgia juvenil, uma condição de dor crônica musculoesquelética não inflamatória, tipicamente diagnosticada na adolescência. Muitas vezes, é uma doença incapacitante na vida do paciente.
Em adultos, a doença é um pouco mais bem caracterizada, e os sintomas de dor crônica parecem estar associados a alterações cerebrais. Algumas reduções no volume de substância cinzenta em regiões envolvidas nas dimensões afetivas e cognitivas da dor também já foram observadas.
O interessante do estudo proposto no início do ano foi a evidência dos mesmos achados. Comparadas às meninas do grupo controle, as pacientes apresentaram reduções de volume de massa cinzenta na região do córtex cingulado anterior associada à dor. Foi vista uma sobreposição parcial com os achados na fibromialgia do adulto, especificamente para os córtices cingulados anterior/posterior.
Esses achados explicam um pouco mais sobre a doença, reforçam a importância da identificação precoce dos sintomas, e a necessidade de intervenção para evitar a progressão da forma juvenil para a forma adulta da doença.
Você pode ler mais sobre esse artigo clicando aqui.
Monkeypox
De maio em diante, o alerta foi para os casos de Monkeypox, inicialmente chamado de “varíola dos macacos”. Hoje já estamos mais cientes de toda a situação, mais 2022 foi marcado por grande preocupação, e o medo de uma nova pandemia.
Já sabemos que o vírus monkeypox (MPX) pode ser transmitido de uma pessoa para outra por contato próximo a lesões, fluidos corporais, gotículas respiratórias e materiais contaminados, como roupas de cama.
Na última atualização pelo Ministério da Saúde, cerca de 10.500 casos já foram confirmados.
Geralmente a infecção é autolimitada, mas pode ser grave em alguns indivíduos, como crianças, mulheres grávidas ou pessoas com imunossupressão devido a outras condições de saúde. Não há um tratamento específico atualmente, apenas medicamentos de suporte.
Imagens manipuladas ameaçam teoria chave da Doença de Alzheimer
O neurocientista e médico Matthew Schrag da Universidade Vanderbilt já investiga possíveis condutas não científicas relacionadas a Doença de Alzheimer (DA) desde 2021. A polêmica desse ano foi quanto a relatórios apresentados pelo Dr. Schrag incluindo
Em 2006, um trabalho de grande relevância foi publicado na revista Nature: “A specific amyloid-β protein assembly in the brain impairs memory”.
Ou seja, Aβ*56 é o subtipo principal responsável pela Doença de Alzheimer, e possui mais de 2500 citações. E é justamente esse o trabalho que foi questionado pelo Dr. Schrag. Segundo o médico, há possibilidade de imagens científicas possivelmente manipuladas e dados numéricos suspeitos.
A Nature segue investigando o caso, e recomenda cautela na análise dos artigos. Saiba mais aqui.
Medicamento de ação rápida para depressão
Imagine começar a tratar o transtorno depressivo maior e obter resultados satisfatórios em uma semana? É mais ou menos essa a proposta inovadora do Auvelity, novo medicamento aprovado pela FDA esse ano. O medicamento é o primeiro deste tipo, recebendo a designação de terapia inovadora pela agência regulatória.
A droga é uma combinação de dois medicamentos (dextrometorfano + bupropiona), com a função principal de antagonizar o receptor N-metil D-aspartato (NMDA).
Os pesquisadores que desenvolveram o medicamento buscavam um medicamento que atuasse de forma semelhante à cetamina, bloqueando os receptores de NMDA, mas de forma mais segura e com menos efeitos adversos.
Como sozinho o dextrometorfano não apresenta efeitos antidepressivos, a associação com a bupropiona foi a solução. A combinação foi capaz de reduzir a metabolização do dextrometorfano, e melhorar os sintomas depressivos.
Os estudos clínicos comprovaram a eficácia e a segurança do medicamento, resultando na aprovação pela FDA em agosto desse ano. Saiba mais clicando aqui.
Novo grupo sanguíneo identificado
Esse ano também tivemos a identificação de um novo grupo sanguíneo: o “Er”.
O antígeno Er já havia sido identificado anteriormente, mas ainda não fazia parte de nenhum grupo sanguíneo específico. Agora, o 44º grupo sanguíneo inclui três antígenos de superfície são possíveis: Era, Erb e Er3.
Era e Erb podem ser vistos de forma única ou combinada, apresentando anticorpos anti-Era ou anti-Erb, ou nenhum, enquanto Er3 é a ausência de anticorpos contra Era e Erb, mas presença de anticorpos anti-Er3.
Saiba mais aqui.
RISUG®: contracepção masculina que deve chegar em 2023!
Uma grande inovação da medicina foi o RISUG®, um método alternativo à vasectomia seguro e eficaz proposto esse ano, e que está previsto para chegar ao mercado em 2023.
Os estudos em modelos animais evidenciaram esterilidade em até 10-15 anos, e de forma completamente reversível. Dessa forma, promete ser uma alternativa segura e eficaz, além de mais interessante por permitir recuperação da fertilidade caso necessário.
Se quiser entender mais o mecanismo de ação da droga ou sobre o estudo clínico, clique aqui.
—
Referências:
- Emma Guttman-Yassky, MD, PhD. Ritlecitinib and brepocitinib demonstrate significant improvement in scalp alopecia areata biomarkers. The Journal of Allergy and Clinical Immunology. Dec 2021.
- Jacoline J. van den Driest et al. No added value of duloxetine for patients with chronic pain due to hip or knee osteoarthritis: a cluster randomised trial. Arthritis and Rheumatology. 2022.
- KJETIL BJORNEVIK et al. Longitudinal analysis reveals high prevalence of Epstein-Barr virus associated with multiple sclerosis. 2022.
- Suñol M, Payne MF, Tong H, Maloney TC, Ting TV, Kashikar-Zuck S, Coghill RC, López-Solà M. Brain Structural Changes during Juvenile Fibromyalgia: Relationships with Pain, Fatigue and Functional Disability. Arthritis Rheumatol. 2022 Jan 25. doi: 10.1002/art.42073.Epub ahead of print. PMID: 35076177.
- Charles Piller. BLOTS ON A FIELD? A neuroscience image sleuth finds signs of fabrication in scores of Alzheimer’s articles, threatening a reigning theory of the disease. Science News. V.377. July 21, 2022. https://www.science.org/content/article/potential-fabrication-research-images-threatens-key-theory-alzheimers-disease
- Charles Piller. Research backing experimental Alzheimer’s drug was first target of suspicion. V.377. July 21, 2022. https://www.science.org/doi/10.1126/science.ade0181
- Herriot Tabuteau et al. Effect of AXS-05 (Dextromethorphan-Bupropion) in Major Depressive Disorder: A Randomized Double-Blind Controlled Trial. The American Journal of Psychiatry. 2022. https://doi.org/10.1176/appi.ajp.21080800
- Dan V. Iosifescu et al. Efficacy and Safety of AXS-05 (Dextromethorphan-Bupropion) in Patients With Major Depressive Disorder: A Phase 3 Randomized Clinical Trial (GEMINI). The Journal of Clinical Psychiatry. https://doi.org/10.4088/JCP.21m14345
- Karamatic Crew V, Tilley LA, Satchwell TJ, AlSubhi SA, Jones B, Spring FA, Walser PJ, Martins Freire C, Murciano N, Rotordam MG, Woestmann SJ, Hamed M, Alradwan R, AlKhrousey M, Skidmore I, Lewis S, Hussain S, Jackson J, Latham T, Kilby MD, Lester WA, Becker N, Rapedius M, Toye AM, Thornton NM. Missense mutations in PIEZO1, encoding the Piezo1 mechanosensor protein, define the Er red blood cell antigens. 2022 Sep 19:blood.2022016504. doi: 10.1182/blood.2022016504.
- Khilwani B, Badar A, Ansari AS, Lohiya NK. RISUG® as a male contraceptive: journey from bench to bedside. Basic Clin Androl. 2020 Feb 13;30:2. doi: 10.1186/s12610-020-0099-1. PMID: 32082579; PMCID: PMC7017607. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32082579/