A infecção pelo vírus Marburg foi identificada pela primeira vez em 1967. Atualmente, Ruanda (um país da África Oriental) enfrenta um surto do vírus Marburg, com pelo menos 15 mortes e mais de 60 casos confirmados desde setembro de 2024.
Segundo a última atualização do Ministério da Saúde de Ruanda, não há novos casos relatados desde o fim de outubro, e o país está em contagem regressiva para declarar o fim do surto da doença ainda este ano.
Entenda mais sobre a situação de Ruanda e sobre a Infecção pelo vírus Marburg, condição que pode ser considerada uma das doenças infecciosas mais graves e letais.
A Doença de Marburg é uma infecção viral, causada pelo vírus de Marburg. Clinicamente, podemos dividir a condição em três fases: pródromos, fase avançada e fase grave.
Nos primeiros 3-5 dias, o paciente apresenta súbita febre alta, dor de cabeça intensa, mal-estar geral, fraqueza e dores musculares. São os pródromos.
Após 5 dias, (fase avançada) o quadro evolui com vômito, diarreia importante e dor abdominal. O paciente apresenta hemorragias internas e externas (como epistaxe, hemorragia gengival), além de erupção cutânea maculopapular. Há importante perda de fluidos nessa fase.
Com a evolução da doença, há falência múltipla de órgãos, choque hipovolêmico e complicações neurológicas, como confusão mental e coma (fase grave). Nessa fase, há uma alta taxa de mortalidade, que pode variar entre 23% e 90%, dependendo da qualidade do atendimento médico e do manejo dos casos.
Como ocorre a Infecção pelo Vírus Marburg?
Como citamos, o agente causador é o Vírus Marburg, similar estruturalmente e geneticamente ao vírus Ebola (são vírus da mesma família, Filoviridae).
O Marburg pode ser transmitido aos humanos a partir de animais, com os morcegos frugívoros africanos. A transmissão entre humanos ocorre principalmente através do contato direto com fluidos corporais de pessoas infectadas, o que inclui sangue, saliva, suor, sêmen, vômito, fezes e urina.
O vírus inicialmente infecta as células do sistema imunológico, como monócitos, macrófagos e células dendríticas, o que leva à liberação de citocinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).
Essa resposta inflamatória exacerbada (tempestade de citocinas) contribui para a disfunção endotelial e aumento da permeabilidade vascular, resultando em hemorragias e choque.
O vírus também tem a capacidade de evadir a resposta imune do hospedeiro, inibindo a síntese de interferon tipo I, o que facilita a replicação viral e a disseminação para outros órgãos, incluindo fígado, baço e linfonodos.
A infecção de células endoteliais e a ativação de vias de sinalização, como a fosforilação de proteínas de adesão celular, contribuem para a quebra da barreira endotelial, exacerbando a perda de fluido intravascular e levando a complicações hemorrágicas.
Além disso, a infecção pelo vírus Marburg pode induzir apoptose de linfócitos e disfunção de células dendríticas, comprometendo ainda mais a resposta imune adaptativa. A replicação viral descontrolada e a resposta inflamatória resultam em danos multissistêmicos, incluindo falência de órgãos, que são características da doença do vírus de Marburg.
Como identificar um paciente com Marburg?
A doença de Marburg deve ser suspeitada em paciente com sintomas súbitos e intensos (febre alta, cefaleia intensa), que relate viagem recente para país com transmissão da doença, ou que entrou em contato com pessoas potencialmente contaminadas com o vírus.
O diagnóstico da Doença de Marburg é clínico-epidemiológico, associado à confirmação laboratorial, por testes moleculares (PCR) para identificação de material genético viral. É absolutamente obrigatório informar o laboratório que se trata de uma suspeita da condição.
E atenção: na simples suspeita, o profissional de saúde deve estar com equipamentos de proteção individual, e o local deve ser isolado. E lembre-se: a doença de Marburg é uma condição de notificação compulsória.
Atualmente, não há antivirais específicos que atuem contra o vírus, e o tratamento para a doença é apenas de suporte. As principais intervenções incluem:
- Reposição de fluidos e eletrólitos para evitar desidratação.
- Suporte hemodinâmico para tratar hipotensão e choque.
- Transfusões de sangue e produtos derivados para manejar sangramentos.
- Terapia de suporte intensivo para falência de múltiplos órgãos, se necessário.
Em surtos da doença, os pacientes acometidos – mesmo que suspeitos – ou que entraram em contato com doentes devem ser mantidos em isolamento para evitar o contágio para outras pessoas.
Ainda que não haja nenhuma diretriz específica, há várias abordagens promissoras em estudo para o tratamento da doença de Marburg. Porém, ainda estão em fase de investigação nos estudos clínicos, sem eficácia comprovada em humanos.
Entenda a situação atual da Doença de Marburg em Ruanda – dezembro de 2024
Desde o fim de setembro deste ano (2024), o Ministério da Saúde de Ruanda tem relatado casos da infecção por vírus Marburg no país. Até a última atualização em 6 de dezembro, são 66 casos confirmados, com 15 mortes e 51 pacientes recuperados.
Outros países africanos também permanecem em alerta, especialmente pelo alto risco de transmissão e pela natureza grave da febre hemorrágica causada pelo vírus. Até agora, não há relatos da infecção em países vizinhos.
Para que um surto de Marburg seja considerado oficialmente encerrado, é necessário que nenhum novo caso seja detectado durante um período de 42 dias após o último paciente recuperado ter testado negativo em dois exames de PCR realizados com 48 horas de intervalo.
Em Ruanda, as autoridades de saúde já iniciaram esta contagem de 42 dias. Se nenhum caso adicional for registrado nesse período, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde de Ruanda poderão declarar o fim do surto ainda esse ano – em 22 de dezembro.
—
Referências:
Mike Bray. Daniel S Chertow (2024). Marburg virus. In: UpToDate.
World Health Organization – WHO. Marburg virus disease – Rwanda. 23 de outubro de 2024.
Centers for Disease Control and Prevention – CDC. Marburg Outbreak in Rwanda Situation Summary. Publicado em 2 de dezembro de 2024. Acessado em 12/12/2024.
Rwanda Biomedical Centre (RBC) – MARBURG Virus Information. Stop the MARBURG VIRUS. Weekly update. 29 November – 6 December 2024. https://rbc.gov.rw/marburg/
Kortepeter MG, Dierberg K, Shenoy ES, Cieslak TJ; Medical Countermeasures Working Group of the National Ebola Training and Education Center’s (NETEC) Special Pathogens Research Network (SPRN). Marburg virus disease: A summary for clinicians. Int J Infect Dis. 2020 Oct;99:233-242. doi: 10.1016/j.ijid.2020.07.042. Epub 2020 Aug 3. PMID: 32758690; PMCID: PMC7397931.