Em 2025, a estimativa é de que 2,3 bilhões de adultos no mundo estejam acima do peso, sendo 700 milhões obesos. Diante desse problema de saúde pública, é necessário considerar as implicações que a obesidade pode gerar, incluindo quesitos como a infertilidade feminina.
Veja aqui uma revisão sobre o assunto.
Obesidade e sobrepeso em mulheres – quais são os principais efeitos na fertilidade feminina?
No Brasil, a prevalência da obesidade é de 13,5% entre as mulheres de 18 a 24 anos, e de 27,9% entre as mulheres de 25 a 39 anos, demonstrando a importância de abordar esse tópico.
A obesidade causa diversos efeitos na fertilidade feminina, como irregularidade menstrual, patologias no endométrio e infertilidade. Mulheres obesas também possuem maiores taxas de complicações na gestação, como hipertensão, diabetes gestacional, parto prematuro e parto cesárea.
Essa condição também parece afetar os resultados de procedimentos de reprodução assistida: mulheres obesas que realizaram fertilização in vitro (FIV) possuem ovócitos menores, com chances menores de fecundação. Além disso, o aumento do IMC parece estar relacionado a uma redução na taxa de nascidos vivos.
A obesidade parece ter influência em diversas camadas: no eixo ovário-hipófise-hipotálamo, nos ovócitos, no embrião e no endométrio. Nesse texto, iremos discutir mais profundamente quais são os mecanismos que geram esses efeitos.
Como a obesidade interfere na fertilidade da mulher?
Efeito no eixo ovário-hipófise-hipotálamo
O principal mecanismo é a alteração do eixo ovário-hipófise-hipotálamo, responsável pela secreção de hormônios que controlam o ciclo reprodutivo. E como a obesidade gera esse efeito?
Mulheres obesas geralmente possuem níveis elevados de insulina, que, por sua vez, promove aumento da produção de andrógenos no ovário. Esses andrógenos passam pelo processo de aromatização e tornam-se o hormônio estrógeno, o que ocorre em taxas elevadas devido ao excesso de tecido adiposo.
Dessa maneira, o estrógeno provoca um feedback negativo no eixo ovário-hipófise-hipotálamo, alterando a produção de gonadotropinas. Como resultado, ocorre anormalidades na menstruação e disfunção ovulatória.
Além dessa alteração nos níveis de insulina, mulheres obesas também apresentam um nível mais elevado de leptina (uma proteína produzida no tecido adiposo), o que pode reduzir a quantidade de receptores para essa substância no cérebro.
Pesquisas com ratos demonstraram que a leptina também possui um papel no eixo ovário-hipófise-hipotálamo. Alguns estudos também observaram que mulheres com altas concentrações séricas de leptina e elevado IMC possuem menores taxas de gestação com FIV, além de uma amplitude reduzida de secreção de LH.
Efeito nos ovócitos
Mulheres obesas em tratamento de FIV possuem uma alteração no desenvolvimento folicular, apresentando níveis elevados de insulina, triglicerídeos e marcadores de inflamação (como lactato e PCR) no líquido folicular. Níveis elevados de gordura no líquido folicular estão correlacionados com morfologia anormal do complexo cumulus-ovócito.
A obesidade afeta a resposta do ovário à estimulação gonadotrópica, o que requer doses maiores e tratamentos mais longos para que o folículo se desenvolva. Os ovócitos são menores e possuem uma taxa maior de cancelamento do ciclo.
Estudos demonstraram que ovócitos de mulheres obesas apresentam os cromossomos desalinhados na metáfase, o que aumenta o risco de aneuploidia. Conforme estudo com ratos, a obesidade também altera a função mitocondrial no ovócito, uma evidência de estresse metabólico.
Um possível mecanismo que explique o dano nas organelas do ovócito é a lipotoxicidade. O excesso de ácidos graxos obtidos da dieta são estocados como triglicerídeos nos adipócitos, onde não causam danos.
Entretanto, quando essa capacidade de estoque é sobrecarregada, ácidos graxos acumulam-se em outros tecidos e exercem efeitos tóxicos, como aumento de espécies reativas de oxigênio (que geram estresse nas mitocôndrias e retículo endoplasmático, levando consequentemente à apoptose).
A obesidade também gera uma inflamação sistêmica, com aumento da circulação de adipocinas pró-inflamatórias e redução das anti-inflamatórias. A inflamação pode influenciar na ruptura do folículo no momento da ovulação e na implantação do blastocisto.
Efeitos no embrião
Uma pesquisa realizada com mulheres obesas demonstrou que seus embriões possuem uma chance menor de desenvolvimento pós-fertilização, e quando o desenvolvimento ocorre, o estágio de mórula é atingido mais rapidamente.
Os embriões que chegam ao estágio de blastocisto possuem menos células na trofoectoderme, além de apresentar baixa captação de glicose e aumento de triglicerídeos.
Efeitos no endométrio
Alguns estudos encontraram alterações na receptividade ao embrião e outros não, portanto, os dados são conflitantes. Defeitos na implantação podem afetar o processo de formação da placenta, sendo que muitas das complicações na gestação de mulheres obesas estão relacionadas à disfunção placentária (como natimorto e hipertensão gestacional).
Alguns estudos encontraram maior taxa de aborto espontâneo em mulheres obesas, enquanto outros não observaram diferença. Uma substância que parece agir no endométrio é a leptina, estimulando a apoptose de acordo com estudos in vitro.
Efeitos transgeracionais
A obesidade possui um efeito transgeracional, ou seja, há um aumento no risco de os filhos desenvolverem obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares quando adultos. Pesquisas com animais mostraram alteração na expressão gênica do metabolismo lipídico na placenta.
Quais são as contribuições das intervenções para obesidade na fertilidade?
Existem algumas intervenções que podem auxiliar no quadro de obesidade, como: perda de peso, atividade física, dieta e cirurgia bariátrica. Quais são as contribuições dessas práticas na relação com a fertilidade?
Perda de peso
Alguns estudos encontraram maiores taxas de concepção relacionadas à perda de peso, apesar da grande taxa de descontinuidade desse tipo de estudo dificultar a análise. Entretanto, deve-se sempre ter em mente que perda de peso antes da concepção na população obesa melhora os riscos na gestação.
Atividade física
Aumenta a taxa de gestação, possivelmente através da redução dos mediadores de inflamação sistêmica (o que melhora a fertilidade).
Dieta
É muito provável que a fertilidade não seja afetada somente pelo excesso de ingestão calórica, mas pela distribuição dessas calorias entre os grupos alimentares. A redução no consumo de gorduras trans e proteína animal, aliado ao aumento no consumo de carboidratos com baixo índice glicêmico e multivitamínicos parecem auxiliar na fertilidade.
Antioxidantes como a coenzima Q-10 também podem ajudar, pois reduzem as espécies reativas de oxigênio que geram disfunção nas mitocôndrias dos ovócitos.
Cirurgia bariátrica
Os estudos a respeito desse tópico são limitados, mas parece haver uma redução do risco de diabetes gestacional após o procedimento. Entretanto, também está associado a um maior risco de natimorto.
Considerações finais
A obesidade interfere na fertilidade através de diversos mecanismos e em diversos estágios. Pode haver alteração no eixo ovário-hipófise-hipotálamo, alterando a produção de hormônios que regulam o ciclo menstrual, ou pode haver alterações nos ovócitos ou mais diretamente no embrião.
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Referências:
ABESO. Mapa da Obesidade.
BROUGHTON, D. E.; MOLEY, K. H. Obesity and female infertility: potential mediators of obesity’s impact. Fertility and Sterility, v. 107, n. 4, 2017.
IBGE. Pesquisa nacional de saúde 2019: atenção primária à saúde e informações antropométricas. Rio de Janeiro: IBGE, 2020.