Contraceptivos hormonais e o risco aumentado de transtornos de humor

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O uso de contraceptivos hormonais e seus impactos na saúde mental

É comum ouvirmos relatos polarizados sobre o uso de contraceptivo hormonal e alterações de humor.

Existem algumas pessoas que relatam que o uso de contraceptivos hormonais foi extremamente negativo para o seu humor, trazendo ansiedade e sentimentos depressivos.  Ao mesmo tempo, há pessoas que dizem que o uso foi positivo para a sua estabilidade emocional, fazendo com que se sentissem mais calmas ou estáveis.

Visões contrárias reforçam o que já sabemos: o corpo e o cérebro de cada pessoa são únicos, e não seria diferente com sua resposta ao controle de natalidade hormonal. Porém, como os profissionais da saúde devem se portar diante dessas polaridades?

Diante dessa polarização nos relatos de pacientes, surge a necessidade de investigação: existe evidência científica que ofereça respaldo à conexão entre diferentes tipos e formulações de contraceptivos hormonais e mudanças no humor ou na saúde mental?

 

Hormônios e saúde mental: qual a relação?

Hormônios equilibrados são vitais não apenas para um corpo saudável, mas também para uma mente saudável – fato observado na prática, quando analisamos a saúde mental de pessoas diagnosticadas com distúrbios hormonais.

Por exemplo: pessoas diagnosticadas com SOP (síndrome do ovário policístico), o distúrbio endócrino mais comum em mulheres em idade reprodutiva, têm cerca de 3 vezes mais chances de serem diagnosticadas com ansiedade e depressão do que pessoas sem SOP. Pessoas com SOP também são muito mais propensas a relatar sintomas de ansiedade e depressão e esses sintomas são mais propensos a serem graves.

Além disso, um estudo demonstrou que pessoas com depressão tinham níveis mais baixos de estrogênio durante a fase folicular. Mudanças nos níveis de estrogênio podem explicar o motivo pelo qual algumas pessoas apresentam sintomas depressivos com mais frequência na fase pré-menstrual, pós-parto e na perimenopausa.

Quando uma pessoa faz uso de qualquer formulação e apresentação de contraceptivo hormonal, o medicamento é capaz de alterar o nível natural de hormônios em seu corpo. Seria essa alteração capaz de produzir efeitos negativos na saúde mental?

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Contracepção hormonal e saúde mental

Um estudo dinamarquês de 2016 com mais de um milhão de mulheres entre 15 e 34 anos deixou essa possível conexão em evidência. Foram analisados registros de saúde em todo o país e foi demonstrado que as usuárias de contraceptivos hormonais eram mais propensas a serem diagnosticadas ou tratadas para depressão.

O uso de anticoncepcional hormonal, principalmente entre adolescentes, foi associado ao uso subsequente de antidepressivos e a um primeiro diagnóstico de depressão, sugerindo a depressão como um potencial efeito adverso do uso de anticoncepcional hormonal.

O fato do risco de diagnóstico ou tratamento da depressão ser maior para adolescentes pode refletir o papel ativo dos hormônios esteroides sexuais no desenvolvimento cerebral, o que provavelmente afeta os resultados do processamento emocional, levando os sintomas de um transtorno de humor.

Ainda, segundo outro estudo de 2016 (baseado no estudo dinamarquês citado anteriormente), o uso de métodos de contracepção hormonal apenas com progesterona ou não orais para adolescentes deve ser cuidadosamente considerado e equilibrado em relação aos benefícios potenciais, dado o risco potencial de depressão consideravelmente aumentado.

Um estudo nos Estados Unidos, com 6654 mulheres entre 25 e 34 anos (portanto, sem adolescentes), em contrapartida, demonstrou algo diferente. As participantes foram entrevistadas e os sintomas depressivos foram avaliados com a Escala de Depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos. Nesse estudo, as pessoas que usavam contraceptivos hormonais de qualquer tipo relataram menos sintomas de depressão e ansiedade do que mulheres usando contracepção não hormonal ou sem contracepção.

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Inconsistência na coleta de informações

Os modelos citados aqui são somente alguns exemplos da inconsistência encontrada nos resultados de estudos sobre contracepção hormonal e efeitos no humor. Parte dessa inconsistência é provável porque os estudos são projetados e realizados por maneiras diferentes de medir os resultados de humor e saúde mental, como citado nessa revisão recente de 2019, assim como nessa outra revisão de 2016.

Alguns estudos analisam os registros médicos para avaliar se as pessoas que usam anticoncepcionais hormonais eram mais propensas a serem diagnosticadas com depressão ou receberem prescrição para antidepressivos.

Outros são performados através de pesquisas preenchidas pelas participantes, fazendo perguntas sobre sintomas de depressão ou ansiedade e comparam as pontuações antes e depois do uso do contraceptivo hormonal ou entre grupos de usuários de diferentes métodos. Ainda, alguns se baseiam na experiência subjetiva das usuárias se sintomas como depressão ou alterações de humor são relatados como efeitos colaterais.

Esses vários resultados, com diferentes abordagens técnicas e sem um padrão científico, podem dificultar a comparação de estudos.

Os estudos citados, portanto, trouxeram para a pauta a necessidade de padronização nas pesquisas, para que possamos sair do campo da inconsistência e oferecer maior amparo aos profissionais da saúde na escolha de aconselhamento às suas pacientes.

Mas e aí, qual a conclusão? Qual a conduta adequada?

O que podemos afirmar até o momento com base nas evidências atualmente disponíveis: é provável que a ingestão de contraceptivos hormonais – em suas diferentes vias de aplicação ou formulações – possa levar a efeitos colaterais relacionados ao humor, particularmente em mulheres com histórico de episódios depressivos anteriores.

Os dados relatados até o momento indicam uma tendência ao viés de negatividade no reconhecimento de emoções e reatividade emocional negativa, uma tendência a uma resposta de recompensa embotada e uma desregulação potencial da resposta ao estresse em usuárias de contraceptivo hormonal.

No entanto, parecem existir importantes situações em que efeitos positivos do uso de contraceptivos hormonais são relatados, especialmente para sintomas de Transtorno Disfórico Pré-Menstrual. Há uma tendência a afirmar, portanto, que os efeitos dos contraceptivos hormonais sobre o humor e os mecanismos psicológicos e neurofisiológicos subjacentes sejam provavelmente dependentes do contexto.

Ressalta-se também o fato de que os resultados dos estudos são frequentemente relatados como a média para o grupo de participantes e não levam em consideração a experiência dos indivíduos. Mesmo em estudos que concluíram que o controle de natalidade hormonal não afeta o humor, haverá um pequeno número de indivíduos nesse estudo que terão melhora ou piora do humor.

Além disso, é importante relembrar que diversos outros fatores ambientais e sociais provavelmente também afetam o risco de depressão. Uma história familiar de transtornos de humor ou psiquiátricos, adversidades na infância, eventos estressantes da vida e isolamento social tornam mais provável que alguém seja diagnosticado com depressão.

A conclusão que se pode tirar até o momento é de que é imperativo que profissionais de saúde levem a sério todo e qualquer relato sobre alterações de humor como um efeito colateral potencial do uso de contraceptivos hormonais e de que a descontinuação ou substituição de método deve ser fortemente considerada nesses casos.

Em geral, os possíveis efeitos colaterais dos contraceptivos hormonais relacionados ao humor devem ser cuidadosamente ponderados em relação ao profundo benefício dos mesmos e à vasta disponibilidade de métodos presentes no mercado, sem deixar de lado os critérios de elegibilidade já definidos pela OMS (organização Mundial da Saúde) para os mesmos.

No futuro, seria ideal que os critérios incluíssem histórico de transtornos de humor. Uma melhor compreensão de como e quando os contraceptivos hormonais afetam o humor é de importância crítica para fornecer escolhas contraceptivas adequadas para mulheres em todo o mundo.

Referências:

Além dos links durante o texto, todos os trabalhos e artigos que foram citados estão listados abaixo:

  1. Barry JA, Kuczmierczyk AR, Hardiman PJ. Anxiety and depression in polycystic ovary syndrome: a systematic review and meta-analysis. Hum Reprod. 2011;26(9):2442–51.
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