SARS-CoV-2 em espermatozoides: vírus pode ser encontrado mesmo após 100 dias de infecção

sars-cov-2 em espermatozoides

O SARS-CoV-2 pode invadir uma variedade de tecidos, incluindo os testículos. Mesmo que esse vírus seja raramente encontrado em testes de reação em cadeia da polimerase (PCR) em sêmen humano, estudos de autópsia confirmam a presença viral em todos os tipos de células testiculares, incluindo espermatozoides e espermátides.

O que uma equipe de pesquisadores da USP quis descobrir foi: até quanto tempo após a infecção é possível identificar o SARS-CoV-2 em espermatozoides?

Os testículos apresentam grande quantidade de receptores ACE2 e de proteína TMPRSS2

O vírus causador da COVID-19 tem a capacidade de infectar uma grande gama de tecidos, inclusive o tecido reprodutor masculino e, em especial, os testículos.

De fato, o sexo masculino é um fator de risco para maior mortalidade e gravidade da infecção pelo SARS-CoV-2. Uma das hipóteses está ligada ao fato de os testículos apresentarem uma grande quantidade de receptores ACE2 (proteína usada pelo vírus para invadir a célula humana) e da proteína TMPRSS2 (responsável pela ligação do vírus aos receptores ACE2), enquanto, nas mulheres, os ovários têm somente os receptores ACE2.

Em comparação com outros vírus, o SARS-CoV-2 parece atacar o trato genital masculino com mais agressividade. Apesar de sua presença na gônada masculina já ter sido detectada em autópsias, exames de PCR não identificam o vírus no sêmen humano.

Com essa questão em mente, os pesquisadores da USP utilizaram técnicas de PCR em tempo real para detecção de RNA e microscopia eletrônica de transmissão (REM) para analisar espermatozoides ejaculados por homens convalescentes de COVID-19.

SARS-CoV-2 em espermatozoides: vírus pode ser encontrado mesmo após 100 dias de infecção

Identificação de SARS-CoV-2 em espermatozoides

Foram analisadas 13 amostras de sêmen de pacientes infectados com COVID-19, tanto nas formas leve quanto moderada e grave. Os pacientes tinham entre 21 e 50 anos e as amostras foram coletadas em um período de até 90 dias após a alta e 110 dias após o diagnóstico.

Apesar de todos os pacientes terem testado negativo para a presença do SARS-CoV-2 no teste de PCR do sêmen, o vírus foi identificado em espermatozoides de 8 dos 11 (72,7%) pacientes com doença moderada a grave até 90 dias após a alta hospitalar. Embora essa tenha sido a data estipulada pelo estudo, os autores afirmam que não significa que o vírus não esteja presente por mais tempo.

O vírus também foi identificado em 1 dos 2 pacientes com COVID-19 leve. Ou seja, entre os 13 infectados, 9 (69,2%) tiveram o SARS-CoV-2 detectado de forma intracelular nos espermatozoides ejaculados.

Outros 2 pacientes apresentaram desarranjos ultraestruturais nos gametas, semelhantes aos observados nos pacientes em que o vírus foi diagnosticado. Desse modo, os pesquisadores consideram que, ao todo, 11 participantes apresentam o vírus dentro do gameta masculino.

sars covid genetica dna

Armadilha extracelular neutrofílica (NET) pode ser a explicação

De acordo com Jorge Hallak, professor da FMUSP e coordenador do estudo, os autores observaram que “os espermatozoides produzem ‘armadilhas extracelulares’ baseadas em DNA nuclear, ou seja, o material genético contido no núcleo se descondensa, as membranas celulares do espermatozoide se rompem e o DNA é expulso de forma extracelular, formando redes semelhantes às descritas anteriormente na resposta inflamatória sistêmica ao Sars-CoV-2”.

Essa estratégia imunológica citada pelo Prof. Hallak chama-se NET, ou armadilha extracelular neutrofílica, na sigla em inglês. É um mecanismo de defesa usado principalmente pelo neutrófilo, um tipo de leucócito presente na resposta primária do sistema imune.

Segundo dados obtidos com a microscopia eletrônica, os espermatozoides produzem armadilhas extracelulares baseadas em DNA nuclear para neutralizar o agente agressor, e se “suicidam” no processo. Ou seja, a célula se “sacrifica” para conter o patógeno – mecanismo conhecido como suicidal ETosis-like response.

De acordo com Hallak, “A descrição, inédita na literatura, de que os espermatozoides atuam como parte do sistema inato de defesa a invasores confere ao estudo uma grande importância. Pode ser considerada uma quebra de paradigma na ciência”. Até hoje, as funções do espermatozoide se reduziam à fertilidade e à associação com algumas doenças crônicas.

espermograma

Impacto da COVID-19 na reprodução

Com relação aos efeitos na reprodução, Hallak afirma que “As possíveis implicações de nossas descobertas para o uso de espermatozoides em técnicas de reprodução assistida devem ser urgentemente consideradas e abordadas pelos médicos e órgãos regulatórios, particularmente na técnica utilizada em mais de 90% dos casos de infertilidade conjugal no Brasil, em laboratórios de micromanipulação de gametas, que é a injeção de um único espermatozoide dentro do óvulo – método conhecido como ICSI [do inglês, intracytoplasmic sperm injection]”.

O pesquisador sugere um adiamento da concepção natural e, particularmente, das técnicas de reprodução assistida por pelo menos 6 meses após a infecção por COVID-19, mesmo em casos leves.

SARS-CoV-2 em espermatozoides: vírus pode ser encontrado mesmo após 100 dias de infecção

Referências:

JORNAL DA USP. MOIÓLI, J. Vírus da covid pode permanecer no espermatozoide, que ativa mecanismo de defesa. 2024. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/virus-da-covid-pode-permanecer-no-espermatozoide-que-ativa-mecanismo-de-defesa/.

Hallak, J., Caldini, E. G., Teixeira, T. A., Correa, M. C. M., Duarte-Neto, A. N., Zambrano, F., Taubert, A., Hermosilla, C., Drevet, J. R., Dolhnikoff, M., Sanchez, R., & Saldiva, P. H. N. (2024). Transmission electron microscopy reveals the presence of SARS-CoV-2 in human spermatozoa associated with an ETosis-like response. Andrology, 10.1111/andr.13612. Advance online publication. https://doi.org/10.1111/andr.13612

 

Google search engine

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui