O microbioma vaginal pode ser mimetizado e estudado na forma de um chip orgânico, de acordo com estudo publicado na revista Microbiome em novembro do ano passado. Os pesquisadores utilizaram uma técnica para mimetizar o microambiente vaginal, criando a primeira “vagina em chip”.
Órgão em chip: uma tecnologia inovadora
Os chips orgânicos são dispositivos com microfluidos e células humanas vivas que mimetizam o funcionamento do tecido humano e suas funções. São usados para desenvolvimento de drogas, modelos de doenças e medicações personalizadas. Alguns modelos prévios dessa tecnologia já foram desenvolvidos com os “órgãos em chip”, como por exemplo de pulmões e intestinos.
Seguindo esse mesmo raciocínio, pesquisadores desenvolveram a “vagina em chip”.
Esse modelo é formado por uma placa de polímero retangular de uma polegada (2,54 cm), que contém tecido vaginal de um doador e um fluxo material de estrogênio para simular o muco vaginal.
A estrutura é formada por um epitélio vaginal primário hormônio sensitivo com fibroblastos estromais subjacentes, o que sustenta um baixo nível fisiológico de concentrações de oxigênio no lúmen epitelial. Neste caso, ele responde ainda a mudanças no estrogênio, ajustando a expressão de certos genes.
Microbioma vaginal
A microbiota vaginal é dominada por espécies de Lactobacillus como o L. crispatus, L. gasseri, e L. jensenii, os quais são considerados marcadores de uma ótima microbiota e associados com positivos indicadores de saúde.
Estes lactobacilos modulam o microambiente vaginal a partir de suas ações metabólicas e produção de componentes bioativos e bacteriocinas, o que coletivamente, contribui para a proteção da vagina contra bactérias patogênicas.
Particularmente os lactobacilos produzem abundante ácido lático, o que acidifica o pH da vagina para < 4,5 e leva a uma regulação negativa das citocinas pró-inflamatórias. Nas concentrações encontradas na vagina, o ácido lático tem mostrado propriedades antibacterianas, antivirais e anti-inflamatórias.
Em contraste, a microbiota vaginal considerada “não ótima” é caracterizada por pobreza de lactobacilos e a presença de uma larga variedade de anaeróbios facultativos, o que inclui a Gardnerella vaginalis.
Estudar culturas de G. vaginalis demonstram injúria epitelial, aumento do pH e aumento de expressão de citocinas pró-inflamatórias. Essa microbiota vaginal é composta por uma dominância anaeróbica que são associados à vaginose bacteriana, e vem sendo associada com um aumento da suscetibilidade e transmissão das infecções sexualmente transmissíveis (IST), tão bem quanto o aumento do risco de doença pélvica inflamatória (DIP), infecções maternas e nascimentos prematuros.
Usos em pesquisa e saúde: um modelo mais fiel ao epitélio vaginal humano
Várias estratégias terapêuticas já haviam sido testadas antes, mas sem o chip orgânico, não havia modelos humanos que reproduzissem fielmente o microambiente do epitélio vaginal para validação pré-clínica de potenciais terapias ou o teste para hipóteses sobre as interações do microbioma vaginal.
O estudo da saúde vaginal em laboratório é muito difícil, visto que os modelos animais possuem limitações devido ao microbioma totalmente diferente ao dos humanos.
A maioria do nosso conhecimento sobre a composição e funcionamento desse microbioma vaginal vem da análise genômica e metagenômica. No entanto, é difícil estudar como a microbiota vaginal interage com o epitélio vaginal humano para controlar condições fisiológicas. Mais importante ainda, a maioria dos modelos in vitro falharam em reproduzir fisiologicamente a interface tecido-tecido (por exemplo interações epitélio-estroma, dinâmica de fluídos).
Dado o papel fundamental que o microbioma apresenta na regulação da saúde vaginal e doenças, há um interesse em explorar o uso de produtos bioterapêuticos para modular a composição e funcionalidade do microbioma vaginal e deste modo tratar e prevenir doenças como por exemplo a vaginose bacteriana, além de avaliar a segurança e eficácia de tais produtos.
E quais os próximos passos?
Um dos pesquisadores relata que já iniciaram os estudos individuais de voluntários, variando o microbioma através de um swab vaginal, em que as bactérias pessoais são transportadas para os chips.
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Referências:
Mahajan, G., Doherty, E., To, T. et al. Vaginal microbiome-host interactions modeled in a human vagina-on-a-chip. Microbiome 10, 201 (2022). https://doi.org/10.1186/s40168-022-01400-1
First ‘Vagina-on-a-Chip’ Will Help Researchers Test Drugs. By Ida Emilie Steinmark on December 15, 2022. Scientific American. https://www.scientificamerican.com/article/first-vagina-on-a-chip-will-help-researchers-test-drugs/