Doença de Graves: uma revisão atualizada do manejo clínico

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Embora as opções básicas de tratamento para o hipertireoidismo relacionado à Doença de Graves (DG) pareçam imutáveis por mais de três quartos de século, seu manejo permanece complexo. O endocrinologista deve considerar uma infinidade de fatores, como preferência do paciente, idade, comorbidades, gravidez ou potencial de gravidez, influência de fatores sociais, como o tabagismo, probabilidade de adesão à terapia médica e o cogerenciamento de manifestações extratireoidianas, como a orbitopatia.

Ainda, a avaliação de um paciente com tireotoxicose requer respostas imediatas à perguntas-chave, visando excluir que existam complicações que requeiram intervenções urgentes, como isquemia, fibrilação atrial, ou vigência de tempestade tireoidiana.

Nesse post, fizemos uma revisão atualizada no manejo da Doença de Graves.

Diagnóstico

O diagnóstico de Doença de Graves pode ser feito clinicamente num paciente com bócio difuso, elevações na tiroxina sérica (T4) e um valor suprimido de TSH.

Se o diagnóstico permanecer incerto após esta avaliação inicial, as diretrizes da American Thyroid Association (ATA) de 2016 sugerem qualquer um, ou mais de um, dentre três métodos: dosagem do TRAb (anticorpo anti-receptor de TSH), estudo da captação de iodo radioativo, ou demonstração de vascularização difusamente aumentada com ultrassom com doppler. A dosagem do TRAb, mais usual entre os três, tem alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de DG, na ordem de 97% e 99%, respectivamente.

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Tratamento

O manejo da Doença de Graves pode ser realizado também com três estratégias: uso de drogas anti-tireoidianas (DATs), iodo radioativo (RAI) ou cirurgia (tireoidectomia).

O paciente deve compreender os benefícios e riscos associados a cada uma das opções, sendo necessário escolher entre tratamentos que danificam ou removem a tireoide e terapia farmacológica com baixa taxa de cura e potencial para efeitos adversos graves. Ainda, o paciente deve estar familiarizado com os custos relativos e os custos associados a cada uma das três modalidades.

Para facilitar esta decisão, pode-se levar em conta alguns fatores clínicos que favorecem uma modalidade específica para o tratamento de hipertireoidismo na Doença de Graves, conforme abaixo:

Tendência a preferir DATs:

  • Pacientes com alta probabilidade de remissão (mulheres, doença leve, bócio pequeno, títulos negativos ou baixos de TRAb);
  • Idosos ou indivíduos com comorbidades e aumento do risco cirúrgico ou baixa expectativa de vida;
  • Pacientes com oftalmopatia ativa de Graves moderada a grave.

Tendência a preferir RAI:

  • Contraindicação ao uso de DATs (reações adversas graves, doença hepática)
  • Mulheres planejando engravidar, desde que pelo menos entre 6 a 12 meses após terapia;
  • Pacientes com risco cirúrgico aumentado (comorbidades, cirurgia cervical prévia ou radiação);
  • Falta de acesso à terapia cirúrgica.

Tendência a preferir cirurgia:

  • Pacientes com compressão sintomática ou bócios grandes;
  • Pacientes com baixo RAIU (captação reduzida de I¹³¹ na cintilografia de tireoide);
  • Quando indicações simultâneas para cirurgia (câncer de tireoide, hiperparatireoidismo, nódulos tireoidianos suspeitos);
  • Pacientes com doença orbicular da tireoide ativa moderada a grave;
  • Mulheres planejando engravidar em menos de 6 meses, e que desejam evitar DATs.

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Particularidades de cada modalidade terapêutica:

Drogas anti-tireoidianas (DATs)

Os DATs são eficazes no controle do hipertireoidismo quando administrados em doses adequadas e com a adesão do paciente. O metimazol deve ser usado em pacientes que escolhem a terapia com DATs para Doença de Graves, exceto durante o primeiro trimestre da gravidez (quando o propiltiouracil é preferido), no tratamento da tempestade tireoidiana, ou em pacientes com reações adversas menores ao metimazol e que recusam a cirurgia ou terapia com RAI.

A dosagem inicial do metimazol pode ser baseada nos níveis de T4 livre, sendo recomendado uso da dose mínima efetiva para minimizar os efeitos adversos. Uma vantagem do metimazol com relação ao propiltiouracil é a posologia, visto que este, devido meia-vida mais curta, necessita administração cerca de três vezes ao dia, enquanto o metimazol pode ser administrado em dose única diária.

Historicamente, as DATs têm sido prescritas com o objetivo de permitir uma remissão da DG dentro de um período, após o qual os pacientes são considerados como com falha no tratamento, sendo então abordados com terapia com RAI ou tireoidectomia. No entanto, a terapia crônica com DAT de baixa dose parece ser uma alternativa confiável com relação à terapia ablativa.

Pacientes nos EUA selecionam cada vez mais a terapia com DAT, visto que os efeitos adversos ocorrem com menos frequência em baixas doses de manutenção do metimazol e a maioria dos casos de agranulocitose e hepatotoxicidade grave (efeitos adversos mais temidos) ocorre apenas nos primeiros três meses de terapia.

Antes de iniciar a terapia com DAT, um hemograma completo – incluindo contagem de glóbulos brancos com diferencial – e um perfil de função hepática basal – incluindo transaminases e bilirrubina – deve ser obtido, visto que leucocitopenia leve é comum em pacientes com DG antes de iniciar DATs, e a elevação leve das transaminases ocorre com frequência na tireotoxicose.

Apesar da recomendação de alguns laboratoriais prévios, ainda é controverso se devemos solicitar estes exames de rotina, ou apenas diante de sintomas como doença febril, icterícia, erupção cutânea pruriginosa, colúria, acolia, artralgia, dor abdominal, anorexia, náusea ou fadiga. Por outro lado, há consenso sobre solicitar sempre os níveis séricos de TSH, T4 livre e T3 total, inicialmente com maior frequência, e mais espaçados uma vez alcançado o eutireoidismo.

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Iodo radioativo (RAI)

O RAI é um emissor de radiação β com uma meia-vida física longa de pouco mais de 8 dias, que é rapidamente concentrada pela tireoide após a ingestão oral. As partículas β induzem dano ao DNA e eventual morte celular da tireoide, levando a maioria dos pacientes com DG ao hipotireoidismo durante um período de seis semanas a seis meses.

RAI tem sido uma opção de tratamento segura e eficaz para o hipertireoidismo há mais de oito décadas, sendo bem tolerado e acompanhando poucos efeitos adversos associados nas doses de tratamento para DG.

As diretrizes de hipertireoidismo da ATA identificam várias contraindicações para o uso de RAI, incluindo gravidez, lactação, câncer de tireoide coexistente conhecido ou suspeito, incapacidade de cumprir as diretrizes de segurança contra radiação e gravidez planejada nos 6 meses subsequentes, e doença orbicular da tireoide moderada a grave, com risco de perda da visão.

O objetivo do tratamento com RAI em Doença de Graves é administrar atividade suficiente para tornar o paciente hipotireoidiano. Esse objetivo pode ser alcançado com o uso de uma dose fixa ou calculando a atividade com base no tamanho do bócio e na captação de RAI.

Sabe-se que há uma relação entre RAI e potencial piora da doença orbicular, porém a relação com câncer de tireoide ainda é controversa nos estudos.

Tireoidectomia

A cirurgia é recomendada por menos de 1% dos especialistas em tireoide para o manejo inicial da Doença de Graves. As indicações incluem bócios grandes com sintomas compressivos, nódulos tireoidianos suspeitos concomitantes ou hiperparatireoidismos que requerem cirurgia, além da preferência do paciente.

Os pacientes que selecionam tireoidectomia para tratar a DG devem primeiro estar eutireoidianos usando DATs, o que geralmente requer de um a três meses de tratamento medicamentoso antes da tireoidectomia. Um tempo de preparação pré-operatória (geralmente rápida) é ocasionalmente necessária, seja para pacientes que necessitam de cirurgia de urgência ou naqueles com contraindicações para DATs.

Terapia oral segura e eficaz com uma combinação de β-bloqueadores, glicocorticoides em altas doses e iopanoato de sódio foi relatada em um pequeno número de pacientes que necessitaram de cirurgia de urgência. Essas drogas são normalmente administradas no ambiente de internação por cinco a dez dias antes da tireoidectomia, visando correção rápida da tireotoxicose.

Conclusões

As opções para o tratamento de Doença de Graves ainda são limitadas e sem grandes novidades a décadas, mas o manejo segue complexo e envolve uma série de considerações.

Neste cenário cabe a importância de individualizar cada paciente, bem como escutar sua vontade, para que a melhor opção terapêutica seja decidida e aplicada sempre de maneira compartilhada, considerando riscos e benefícios.

 

Referências:

Thanh D. Hoang et al. 2022 Update on Clinical Management of Graves Disease and Thyroid Eye Disease. Endocrinol Metab Clin N Am 51 (2022) 1–18 https://doi.org/10.1016/j.ecl.2021.12.004

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