Há um mês, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou o uso do Tzield™, uma nova opção terapêutica para pacientes com diabetes tipo 1. O medicamento é inovador, sendo a primeira droga indicada para retardar a progressão da doença.
Tzield™ – teplizumabe
O teplizumabe (Tzield™) é um anticorpo humanizado anti-CD3, capaz de reduzir a destruição das células β-pancreáticas por um processo de imunomodulação das células T.
Há uma série de alterações após a sua ação, como a manutenção das células CD4+, redução da proporção CD4+/CD8+, estimulação das células produtoras de IL-4 e IL-10 e inibição das células produtoras de IL-2 e interferon. Dessa forma, há uma melhora no contexto imunológico na DM1.
A segurança e a eficácia da droga foram avaliadas em um estudo clínico randomizado com 76 pacientes, em uso de Tzield™ ou placebo via infusão endovenosa por 14 dias. Em 51 meses, 45% dos pacientes progrediram para estágio 3 em uso da droga, comparado a 72% do grupo placebo.
O estudo de fase 2 que avaliou os efeitos do teplizumabe na função metabólica também identificou resultados positivos com o uso do medicamento. O tratamento melhorou a função das células β-pancreáticas, reverteu o declínio na secreção de insulina e apresentou efeitos duradouros no atraso do diagnóstico de DM1.
Dentre os efeitos colaterais observados, há alguns graves que merecem atenção, como a síndrome de liberação de citocinas. Os sinais e sintomas podem ser identificados no início do tratamento (~5 dias) e devem ser monitorados.
Ainda, há risco de linfocitopenia grave, alteração das enzimas hepáticas, erupções cutâneas e dor de cabeça. É necessário sempre avaliar o risco/benefício para o uso em cada paciente.
A prescrição do teplizumabe é indicada para pacientes adultos e pediátricos (≥ 8 anos) com diabetes tipo 1 (DM1) em estágio 2, a fim de retardar o início do estágio 3 da doença.
Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) – revisando conceitos e a fisiopatologia da doença
A diabetes tipo 1 (DM1) é uma doença endocrinológica em que as células β das ilhotas de Langerhans pancreáticas são destruídas totalmente, culminando com uma incapacidade de produção de insulina.
A DM1 corresponde a cerca de 10% de todos os casos de diabetes mellitus, sendo mais comum em caucasianos e indivíduos do sexo masculino, e menos comum em asiáticos, negros e mulheres.
O mecanismo fisiopatológico é baseado em condições autoimunes em mais de 90% dos casos (tipo 1A) e no restante o mecanismo é idiopático – com destruição de células β de forma desconhecida (tipo 1B). A forma autoimune frequentemente pode coexistir com outras doenças imunológicas, como tireoidite de Hashimoto, vitiligo, anemia perniciosa.
Acredita-se que em pacientes geneticamente suscetíveis, fatores ambientais (principalmente fatores virais) levam ao desenvolvimento de uma reação imune cruzada: fazendo com que células imunes ataquem diretamente o pâncreas, confundindo-o com o agente patogênico mimetismo molecular.
O “ataque” é mais especificamente na região das ilhotas pancreáticas, desencadeando um processo de insulite, que é a inflamação desse local. Linfócitos T citotóxicos (CD8+) agem de forma bastante seletiva nas células β produtoras de insulina.
Nesse momento, autoanticorpos podem começar a ser identificados, com destaque para anti-ilhota (presente em 80% dos casos), anti-GAD (70% dos casos) e anti-IA2 (60% dos casos).
Como resultado desse ataque, as células β-pancreáticas produtoras de insulina vão sendo destruídas, e no momento que restam apenas 10-20% de células funcionantes, qualquer evento externo que leve à um aumento de resistência periférica à insulina (como uma infecção ou entrada na puberdade) faz com que o quadro clínico se inicie/instale de maneira abrupta.
Ao longo do tempo, todas as células β-pancreáticas estarão comprometidas, e o paciente terá ausência absoluta de insulina endógena (o que justifica reposição).
Na presença de uma insuficiência insulínica (funcional/qualitativa), haverá entre outras coisas:
- Tendência à acidose: uma vez que o organismo não consegue utilizar a glicose, os hormônios contrainsulínicos (principalmente glucagon) fazem com que haja produção de corpos cetônicos que no plasma se dissociam e liberam H+.
- Retinopatia, nefropatia, neuropatia: através da glicosilação irreversível de fatores teciduais e plasmáticos, em decorrência do estado hiperglicêmico.
- Complicações macrovasculares: maior tendência à aterosclerose a partir do estado hiperglicêmico, uma vez que há disfunção endotelial, com maiores níveis de fibrinogênio plasmático.
- Produção aumentada de urina / Desidratação: A reabsorção de glicose pelo túbulo proximal renal é incompleta em estados hiperglicêmicos, isso faz com que haja aumento de pressão osmótica urinária, cursando com perda de água do plasma para a urina – o que se reflete em produção aumentada de urina. Como consequência, tem-se uma desidratação, visto que o plasma acaba retirando água das células para se recompor.
Uma vez que os pacientes com DM1 não produzem insulina endógena em quantidade suficiente, ou mesmo não produzem nada, o tratamento é baseado com o uso de insulina exógena. E é por essa razão que o teplizumabe é tão inovador – o mecanismo de ação é a imunomodulação e a recuperação das células β!
Embora ainda exista a necessidade da insulina exógena, os estudos já mostram um avanço no entendimento do tratamento da doença, tirando o foco da insulinoterapia e trazendo novas opções para os pacientes.
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Referências:
FDA Approves First Drug That Can Delay Onset of Type 1 Diabetes. November 17, 2022. https://www.fda.gov/news-events/press-announcements/fda-approves-first-drug-can-delay-onset-type-1-diabetes
Skelley JW, Elmore LK, Kyle JA. Teplizumab for treatment of type 1 diabetes mellitus. Ann Pharmacother. 2012 Oct;46(10):1405-12. doi: 10.1345/aph.1R065. Epub 2012 Sep 11. PMID: 22968521.
Herold KC, Bundy BN, Long SA, et al; Type 1 Diabetes TrialNet Study Group. An Anti-CD3 Antibody, Teplizumab, in Relatives at Risk for Type 1 Diabetes. N Engl J Med. 2019 Aug 15;381(7):603-613. doi: 10.1056/NEJMoa1902226. Epub 2019 Jun 9.
MEDICATION GUIDE TZIELD™ (TEE-zeeld) (teplizumab-mzwv) injection, for intravenous use. Provention Bio, Inc. 2022.
Sims EK, Bundy BN, Stier K, et al; Type 1 Diabetes TrialNet Study Group. Teplizumab improves and stabilizes beta cell function in antibody-positive high-risk individuals. Sci Transl Med. 2021 Mar 3;13(583):eabc8980. doi: 10.1126/scitranslmed.abc8980.