Condições de risco para pacientes com COVID-19
No último mês (outubro/2021), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC – Centers for Disease Control and Prevention) atualizou a lista das condições médicas que são capazes de aumentar o risco de o paciente desenvolver os quadros mais severos de COVID-19.
Essa lista conta com diversas condições e patologias. Nessa nova atualização, transtornos mentais foram adicionados, como uma condição que levaria os pacientes a terem maior propensão de responderem pior mediante infecção com SARS-CoV-2.
Acompanhe as condições e patologias presentes nessa lista:
- Câncer ativo (ou histórico de câncer);
- Doença renal crônica;
- Doença hepática crônica;
- Doenças pulmonares crônicas;
- Demência;
- Diabetes (tipos 1 e 2);
- Síndrome de Down;
- Condições cardíacas;
- Infecção por HIV;
- Comprometimento do sistema imunológico;
- Sobrepeso e Obesidade;
- Gravidez;
- Talassemia e anemia falciforme;
- Tabagismo ou histórico de tabagismo;
- Transplante de órgãos ou células tronco;
- Tuberculose;
- Doença vascular cerebral e acidente vascular cerebral;
- Uso de substâncias que causam dependência;
- Transtornos mentais.
Por que os transtornos mentais foram incluídos?
De acordo com estudos recentes, pacientes de COVID-19 que apresentam histórico de transtorno psiquiátrico prévio estão mais propensos a desenvolver a versão grave dessa doença, resultando em hospitalização, possível internação na unidade de terapia intensiva (UTI) e, em alguns casos o desfecho acaba sendo o óbito.
Mas como os transtornos psiquiátricos podem impactar a severidade da COVID-19?
A fim de responder a esse tipo de pergunta, durante a década de 80, o psicólogo Robert Ader introduziu uma nova maneira de se enxergar a relação entre a saúde física e mental, área de estudo que recebeu o nome de psiconeuroimunologia.
Psicoimunologia
O foco da psiconeuroimunologia é compreender como os transtornos mentais podem afetar o sistema imunológico e vice-versa.
A premissa básica dessa área de estudo surgiu a partir da ideia de que o indivíduo é um organismo complexo e integrado, de forma que haja uma comunicação entre os sistemas fisiológicos, permitindo a regulação fina das funções do organismo.
Sendo assim, para a psiconeuroimunologia, há uma relação íntima entre os sistemas nervoso, endócrino e imunológico.
Através da liberação de neurotransmissores, o sistema nervoso seria capaz de regular os sistemas endócrino e imune. Por sua vez, o sistema endócrino contribuiria na regulação dos sistemas nervoso e imune através da produção e liberação de hormônios. E por fim, as citocinas, moléculas mensageiras do sistema imune, seriam capazes de contribuir nas fisiologias dos sistemas nervoso e endócrino.
Para que esse conceito fique mais compreensível, veja a figura abaixo que mostra as inter-relações estabelecidas para a manutenção da vida, de acordo com a psiconeuroimunologia:
Estudos posteriores à proposta conceitual de Robert Ader, mostraram que a presença de transtornos mentais, como depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia poderiam levar ao aumento de mediadores inflamatórios.
Esse aumento, levaria à ativação da micróglia. A neuro-inflamação gerada, seria responsável por reduzir funções e estruturas fundamentais para o bom funcionamento do sistema nervoso, como a inibição de neurogênese, alterações nos espinhos dendríticos e redução dos fatores neurotróficos.
Como resultado dessas alterações, a estrutura anatômica e funcional do sistema nervoso seria modificada, culminando em alterações nos comportamentos e nas respostas do indivíduo mediante estímulos externos.
Transtornos mentais
Os transtornos mentais podem ser classificados em alguns grupos, como:
- Transtornos de ansiedade: inclui transtorno de ansiedade generalizada, síndrome do pânico, ansiedade social e fobias. Os pacientes inseridos nesse grupo apresentam uma resposta não compatível com a situação real à qual estão sendo expostos, demonstrando dificuldade no controle das próprias emoções, o que impacta negativamente o seu dia-a-dia
- Transtornos psicóticos: a esquizofrenia é um exemplo deste grupo. Nos transtornos psicóticos os pacientes demonstram atenção e pensamento distorcidos. Além disso, podem sofrer de alucinações e delusões, apresentando dificuldades em lidar com a realidade.
- Transtornos alimentares: nesse grupo estão o transtorno de compulsão alimentar (bastante comum), anorexia e bulimia nervosa. Esses pacientes apresentam dificuldades em lidar com comida e seu peso, agindo de forma extrema a fim de tentar controlar essas sensações.
- Transtornos de humor: depressão, transtorno bipolar e ciclotimia são exemplos de transtornos do humor. Também conhecidos como transtornos afetivos, os pacientes afetados por essas condições podem apresentar sentimentos persistentes de tristeza e anedonia. Além disso, também podem vivenciar rápidas flutuações de humor.
Sabendo que alterações na saúde mental impactam o sistema imunológico e vice-versa, a relação entre os transtornos mentais e a COVID-19 tem sido alvo de estudos, a fim de se avaliar o real risco que esses pacientes correm de desenvolver as formas mais graves da doença e planejar melhores estratégias de atendimento para essa população.
Transtornos mentais e a COVID-19
Em janeiro deste ano, um grupo norte-americano publicou um trabalho no qual foi demonstrada a associação entre pacientes com histórico prévio de esquizofrenia e depressão e o maior risco de infecção por COVID-19.
Além disso, esse estudo envolveu a análise retrospectiva de 7348 pacientes acompanhados durante 45 dias após a confirmação do diagnóstico de COVID-19. Os indivíduos foram divididos em 4 grupos: controle (sem transtornos mentais), esquizofrenia, transtorno de humor e transtorno de ansiedade.
Após o período de acompanhamento, viu-se que a presença de transtornos de ansiedade não estava associada à mortalidade por COVID-19, não sendo, portanto, uma condição preocupante para essa infecção.
Diferentemente, o grupo de pacientes com transtornos de humor apresentou maior risco de severidade do quadro de COVID-19 e consequente morte, necessitando maior atenção.
Por fim, o grupo dos pacientes com esquizofrenia foi o que apresentou maiores taxas de mortalidade, demonstrando que dentre os transtornos mentais, a população com esquizofrenia é a que apresentou maior mortalidade quando infectadas por SARS-CoV-2. Um dado importante, que pode levar à mudanças nas estratégias de pacientes.
Além de terem identificado o grupo com maior risco perante infecção por esse vírus, esse trabalho também foi fundamental para demonstrar que o risco de morte durante a COVID-19 associado a transtornos mentais varia de acordo com o tipo de condição preexistente do paciente.
Meses depois, corroborando esses dados, uma revisão sistemática envolvendo 21 artigos sobre a correlação entre transtornos de humor e riscos de infecção, hospitalização e morte por COVID-19 foi publicada.
Nesse estudo. pacientes com histórico de transtornos de humor apresentaram maior propensão à hospitalização, complicação do quadro e óbito após a infecção por COVID-19, quando comparados ao risco dos pacientes sem transtornos de humor.
Uma possível explicação sugerida pelos pesquisadores, a fim de tentar compreender o que realmente acontece nesses casos, foi o desbalanço das estruturas envolvidas na resposta imunológica ocasionada pelos transtornos mentais. Nessas situações, citocinas pró-inflamatórias, como IL-6 e TNF-α, e marcadores de infecção como a proteína C-reativa (PCR), podem estar elevadas central e perifericamente.
Dessa forma, o paciente já teria um sistema imunológico comprometido, o que levaria a uma pior resposta mediante a ameaça que é a infecção pelo SARS-CoV-2.
Apesar de os mecanismos exatos ainda não terem sido completamente elucidados, a ligação entre transtornos mentais e severidade da COVID-19 parece estar bem estabelecida. Provavelmente, a desregulação do sistema imune dos pacientes com histórico prévio de transtornos mentais contribuem para o pior prognóstico da COVID-19, levando ao aumento nas taxas de mortalidade.
Portanto, a mensagem que você deve levar ao ler esse texto é que as pessoas que apresentam algum tipo de transtorno mental devem receber um cuidado mais atencioso desde o início da evolução da COVID-19, o que pode ser a diferença entre a vida e morte do paciente. Além disso, as medidas de prevenção da infecção também devem ser reforçadas para essa população: utilização de máscaras e imunização através da aplicação de vacinas o quanto antes.
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Referências:
People with Certain Medical Conditions.2021.
Types of mental illness. 2021.