A doença renal crônica resulta em perda gradual da função renal, sendo responsável por milhões de mortes todos os anos. Em razão da sintomatologia, o diagnóstico da doença é baseado, principalmente, em testes laboratoriais. Entretanto, no Brasil, existem indícios de subnotificação de diagnóstico, o que pode significar um grande contingente de brasileiros que morrem sem acesso a tratamento.
A boa notícia é que a ciência brasileira está a caminho de auxiliar esse problema.
Dificuldade diagnóstica e produção de toxinas
Os rins dos pacientes com doença renal crônica perdem a capacidade de filtrar toxinas, levando ao acúmulo de toxinas urêmicas na circulação, gerando quadros inflamatórios e avanço gradativo da doença. Em um artigo anterior, fizemos uma breve revisão sobre a insuficiência renal crônica, e como identificar a funcionalidade renal pela taxa de filtração glomerular (TFG).
Cerca de 15% da população apresenta algum tipo de disfunção renal. De acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), a última estimativa é de que mais de 130 mil pacientes estão em diálise, com uma taxa de mortalidade anual de cerca de 20% neste grupo.
A principal dificuldade é que os pacientes com doença renal permanecem assintomáticos na maior parte do tempo, apresentando as complicações típicas da disfunção renal crônica apenas em estágios mais avançados.
Sabendo disso, pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) estão desenvolvendo um protótipo de um teste rápido que identifica a quantidade de toxinas urêmicas circulando no organismo de pacientes com doença renal crônica. A partir deste dispositivo, se pretende identificar, de forma precoce, o estadiamento da doença e tratamentos mais adequados para cada quadro.
Detecção e titulação de AGEs
Comparativamente à indivíduos saudáveis, pacientes com doença renal crônica apresentam níveis de AGEs significativamente aumentados, tanto pela elevada produção dessa toxina, quanto pela diminuição da eliminação pelo organismo.
As AGEs, produtos finais da glicação avançada (do inglês, Advanced Glycation End-products), são um tipo de toxina urêmica ligada à proteína e podem causar eventos intracelulares, como estresse oxidativo e inflamação, levando a complicações cardiovasculares. Como estas toxinas estão mais expressas em indivíduos com DRC, é possível dosar as AGEs no sangue dos pacientes, e por isso são os alvos do teste proposto pelos pesquisadores.
O grupo de pesquisa do Departamento de Patologia Básica da UFPR está partindo de resultados positivos obtidos em 2016. Na época, foi possível padronizar um ensaio de ELISA (Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay) que fosse capaz de analisar e categorizar amostras de pacientes que estavam em diferentes estágios da doença.
O biossensor criado continha anticorpos monoclonais marcados que se ligam às AGEs, e por reação imunoenzimática indicam a presença ou ausência das toxinas na amostra testada. Em especial, foi possível identificar e titular a carboximetilisina (CML), o principal composto antigênico de AGEs – também associado a nefropatia diabética, por exemplo.
A proposta atual é desenvolver, a partir desta tecnologia, um teste rápido e aprimorado, com grande potencial de escalonamento. Além disso, os autores comentam sobre a possibilidade da elaboração de inibidores de AGEs utilizando a tecnologia desenvolvida baseada em anticorpos.
Os pesquisadores pretendem testar amostras sorológicas de pacientes com doença renal crônica com o teste rápido ainda esse ano. No entanto, o protótipo só deve ser comercializado depois de 2024, levando em consideração o tempo de realização dos testes e o processo de patente da tecnologia.
Ficamos na expectativa de bons resultados! Agora nos resta aguardar e torcer!
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Referências:
Alessandra Becker Finco, Ricardo Andrez Machado-de-Ávila. RayanaMaciel, Juliana De Moura, Philippe Billiald, Andrea Emilia MarquesStinghen, Larissa M.Alvarenga. Generation and characterization of monoclonal antibody against Advanced Glycation End Products in chronic kidney disease. Biochemistry and Biophysics Reports. 2016.
Ainda difícil no Brasil, diagnóstico da doença renal crônica pode ganhar teste rápido. Ciência UFPR. Agosto 2021.