T.gondii: nova proposta terapêutica e o papel da inteligência artificial

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Vamos relembrar…

A infecção pelo T.gondii ocorre por várias vias, mas predominantemente pela ingestão de oocistos ou através da transmissão vertical de uma gestante para o feto. Após a infecção, as formas de cisto (oocistos ou cistos teciduais) do parasita se convertem em taquizoítos, disseminando o protozoário por todo o corpo do hospedeiro, definindo o estágio agudo da infecção.

Mesmo com um sistema imune não debilitado, pode ocorrer (e normalmente ocorre) um escape de alguns taquizoítos no organismo, que se maturam em bradizoítos e se infiltram em tecidos na forma de cisto, povoando principalmente tecido muscular e sistema nervoso central do hospedeiro, permanecendo assintomático na maioria dos casos.

Entretanto, em casos de imunossupressão do sistema imune por exemplo, a reativação espontânea de bradizoítos em taquizoítos pode resultar em toxoplasmose sintomática, manifestada principalmente por encefalite toxoplasmática, representando risco de morte ao paciente.

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Vem novidade aí!

Uma característica distinta dos bradizoítos das demais formas de T. gondii é o acúmulo de grandes polímeros à base de glicose conhecidos como grânulos de amilopectina (AGs). Embora não se saiba exatamente, acredita-se que estes grânulos sirvam como uma forma de armazenamento de glicose para uso pelo parasito (na forma bradizoíta) em sua persistência, replicação, transmissão e reativação.

Embora o mecanismo que regula a utilização dos AGs no ciclo de vida do T. gondii está apenas começando a ser definido, pesquisas identificaram uma enzima fosfatase glucana chamada TgLaforin. Esta enzima, por sua vez, parece ser fundamental para permitir que o parasita utilize a energia armazenada nos grânulos AGs.

E assim, um grupo de pesquisadores da University of Kentucky em parceria com a Purdue University decidiram explorar as AGs como alvo para intervenção medicamentosa em condutas terapêuticas contra T. gondii.

Quer mais novidade? A descoberta de uma droga anti-toxoplasma capaz de inibir aTgLaforin foi possível graças ao uso de inteligência artificial.

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Por baixo dos panos

Visto que o T. gondii parece utilizar sistemas de armazenamento e degradação de glucano como forma de obtenção energética, este sistema foi visto como candidato para o desenvolvimento terapêutico de medicamento contra este protozoário.

Embora o metabolismo do glucano não esteja restrito aos bradizoítos em T. gondii, ele é crítico durante todo o ciclo de vida assexuado, desempenhando um papel no crescimento, morfologia e infecção do parasita.

Durante a conversão do estágio de taquizoítos para bradizoítos, esta última forma reverte os poliglucanos e acumula grandes AGs, diferentes dos grânulos das outras formas de vida do parasita, servindo como substrato para a TgLaforin.

Uma vez definida a estrutura tridimensional da enzima, com auxílio do algoritmo de inteligência artificial AlphaFold2, o grupo foi capaz de desenvolver um inibidor para esta fosfatase.

O composto, identificado como L319-21-M49, é extremamente específico contra aTgLaforin, com grande potencial inibidor seletivo e competitivo da enzima, impedindo, de forma muito eficiente, a capacidade de TgLaforin de desfosforilar carboidratos complexos e obter energia para o T. gondii.

Assim, foram demonstradas as principais características enzimáticas da TgLaforin como uma glucana fosfatase e estabelecidas as bases para direcionar a TgLaforin como um meio de prevenir a reativação e transmissão de bradizoítos de T. gondii.

Embora animador, o composto desenvolvido ainda precisa passar por uma série de estudos antes de ser disponibilizado como tratamento.

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Menção honrosa

Um grande ponto de virada no campo da biologia estrutural foi marcado quando AlphaFold2 – o algoritmo de previsão de estrutura de aprendizado de máquina do DeepMind – foi disponibilizado publicamente em meados de 2021.

Resultados impressionantes produzidos pelo AlphaFold2 no concurso CASP14 (Avaliação Crítica de Técnicas para Predição de Estrutura de Proteínas) indicaram que métodos baseados em aprendizado profundo são agora capazes de prever estruturas de proteínas com uma precisão comparável, na maioria dos casos, à de estruturas experimentais.

Neste trabalho de identificação de um alvo terapêutico contra o T. gondii em sua forma bradizoíta, podemos observar o impacto que novas tecnologias, operadas por inteligência artificial, podem ter no campo da medicina.

O AlphaFold2, utilizado no trabalho, provavelmente se tornará uma etapa essencial dos fluxos de trabalho de determinação estrutural de moléculas. De fato, o algoritmo atua em conjunto com métodos experimentais auxiliando na produção de amostras adequadas e na determinação/interpretação de estruturas experimentais.

Quem sabe quantas novas terapias poderão ser desenvolvidas com esta tecnologia?

 

Toxoplasmose – revisando a doença

Estima-se que um terço da população é infectada de forma crônica pelo Toxoplasma gondii, um protozoário obrigatoriamente parasita, intracelular, e que, além de humanos, pode infectar qualquer animal de sangue quente.

Por sorte (e evolução), o sistema imunológico é capaz de impedir a progressão da toxoplasmose na maioria dos indivíduos infectados, mantendo-os assintomáticos e, muitas vezes, sem conhecimento da infecção. No entanto, a toxoplasmose pode ter consequências graves para mulheres em gestação e pessoas com o sistema imunológico comprometido.

O tratamento de primeira linha atual é uma combinação de pirimetamina e sulfadiazina que visa a síntese de folato em taquizoítos durante a fase aguda da infecção ou após a reativação. No entanto, este regime de tratamento visa apenas os taquizoítos, resulta em efeitos colaterais graves, deve ser tomado por longos períodos e não pode ser administrado para gestantes.

Infelizmente, esta combinação de drogas não reduz a carga geral de cistos. Outras drogas direcionadas à mitocôndria do parasita resultam na eliminação parcial dos cistos teciduais.

toxoplasmose gondii gato gestante

Em mais de 90% dos pacientes acometidos o quadro de infecção vai ser assintomático. Nos assintomáticos, na fase aguda os sintomas são inespecíficos como febre, mialgia, rash cutâneo, adenomegalia. De forma geral, pontualmente, formas mais presentes:

  • Ganglionar: presença de febre e adenopatia cervical;
  • Coriorretinite: forma bastante frequente;
  • Ocular: retinocoroidite: podendo evoluir com cegueira parcial ou total;
  • Cutânea: exantemas papulares;
  • Cérebro-espinhal;
  • Generalizada;

Em pacientes imunodeficientes se torna comum a forma de encefalite toxoplásmica (focal).

Na gestação, caso a mãe não tenha entrado em contato anteriormente com o parasita, ela vai desenvolver a forma aguda da doença. Para a mãe, isso não causa problema, no entanto, para o feto leva a consequência deletérias.

Em cerca de 40% das mães infectadas haverá infecção fetal, resultante da transmissão transplacentária. A chance de infecção fetal aumenta com o passar da gestação, porém o acometimento grave é mais comum quando menor a idade gestacional. Entre as consequências fetais mais comuns incluem: abortamento, catarata, estrabismo, surdez, microcefalia, microftalmia, CIUR – Crescimento Intrauterino restrito; calcificações intracranianas difusas e hepatoesplenomegalia.

 

Você pode acessar mais sobre a doença no nosso aplicativo WeMEDS®.

Referências:

Adeline Goulet and Christian Cambillau. Present Impact of AlphaFold2 Revolution on Structural Biology, and an Illustration With the Structure Prediction of the Bacteriophage J-1 Host Adhesion Device. Front. Mol. Biosci., 09 May 2022. Sec. Protein Biochemistry for Basic and Applied Sciences. https://doi.org/10.3389/fmolb.2022.907452

Robert D. Murphy et al. The Toxoplasma glucan phosphatase TgLaforin utilizes a distinct functional mechanism that can be exploited by therapeutic inhibitors. Journal of Biology Chemistry. V298. 2022. https://www.jbc.org/article/S0021-9258(22)00530-0/fulltext

New Drug Shows Promise Against Toxoplasmosis. Source: University of Kentucky. 2022. https://neurosciencenews.com/toxoplasmosis-drug-20960/

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