Os transtornos de ansiedade são condições altamente prevalentes, e a resposta insatisfatória ou baixa adesão dos pacientes ainda é um limitante na nossa rotina. Diferentes intervenções têm se mostrado populares e capazes de reduzir a ansiedade, incluindo as intervenções baseadas em mindfulness (atenção plena).
Um estudo publicado na JAMA Psychiatry esse ano apontou que a redução de estresse baseada em mindfulness parece não ser inferior ao uso de escitalopram no tratamento de transtornos de ansiedade.
Veja mais sobre o estudo.
A importância da busca por tratamentos alternativos à medicação
Os transtornos de ansiedade são o problema mental mais comum, com mais de 300 milhões de pessoas afetadas ao redor do mundo. Transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, síndrome do pânico e agorafobia são alguns dos distúrbios incluídos no transtorno de ansiedade, e estão associados a um nível de estresse considerável, prejuízo no funcionamento e aumento do risco para suicídio.
Tratamentos efetivos existem e incluem medicações e terapia cognitivo comportamental (TCC). Entretanto, nem todos os pacientes têm acesso a essas opções, respondem a elas ou estão confortáveis em procurar ajuda psiquiátrica.
Um estudo observou que alguns indivíduos têm receio de que a medicação interfira com suas atividades diárias ou que cause prejuízos ao organismo. Além disso, dois terços dos pacientes que iniciam um tratamento psiquiátrico descontinuam a terapia medicamentosa após certo tempo. Por mais que a terapia cognitivo comportamental seja efetiva, também pode ser difícil para alguns pacientes terem acesso a esse tratamento.
Esses desafios trazem a necessidade de buscar tratamentos alternativos, sempre baseados em evidência e com ampla aceitação, para pacientes com transtornos de ansiedade.
O que já sabemos sobre a prática de mindfulness?
As intervenções baseadas em mindfulness podem ser vistas como uma opção de ampla aceitação, uma vez que esse tipo de meditação se tornou mais popular recentemente.
A prática de atenção plena tem se mostrado útil na redução da ansiedade conforme observado em alguns estudos. Entretanto, é necessário avaliar a eficácia relativa dessas intervenções em comparação com as terapias padrão para transtornos de ansiedade. Nesse contexto, o programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (MBSR) é a intervenção mais amplamente pesquisada e está disponível internacionalmente.
Entenda o estudo publicado na JAMA esse ano
O estudo realizado “Tratamento para ansiedade: meditação e escitalopram – TAME” é um ensaio clínico prospectivo randomizado, de dois braços, com grupos paralelos controlados, simples-cego. Basicamente, o que significa isso? Que os provedores e participantes sabiam em que grupo estavam, e os avaliadores não.
O objeto foi avaliar a eficácia relativa de 8 semanas de prática de atenção plena (MBSR) em comparação com o tratamento medicamentoso. O recrutamento e a inscrição ocorreram em 3 hospitais nos Estados Unidos.
Os requisitos para os participantes eram bem específicos: diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada, ansiedade social, transtorno do pânico ou agorafobia. Os participantes não podiam ter concluído MBSR ou um treinamento equivalente no ano anterior, nem ter uma prática diária contínua de meditação.
Paciente em utilização de medicamentos psiquiátricos foram excluídos, com exceção de trazodona (se 100 mg ou menos), medicamentos para insônia (zolpidem e eszopiclona) e benzodiazepínicos, desde que em dose estável 4 semanas antes do início do estudo.
A ansiedade foi analisada através de um teste diagnóstico chamado Clinical Global Impression of Severity (CGI-S), e foi mensurada no início do estudo (semana 0), no meio do tratamento (semana 4), no final (semana 8) e no acompanhamento de 12 e 24 semanas.
Como foi feita a prática de meditação?
A técnica MBSR consiste em um protocolo de 8 semanas com aulas semanais de duração de 2 horas e meia, um retiro em final de semana com duração de um dia realizado na quinta ou sexta semana do estudo, e exercícios realizados em casa diariamente com duração de 45 minutos.
Instrutores qualificados ensinaram técnicas de atenção plena, como respiração consciente (focando a atenção na respiração e outras sensações físicas), consciência corporal (direcionar a atenção para cada parte do corpo e observar qual a sensação dessa parte do corpo) e movimento consciente (alongamento e movimentos com objetivo de trazer consciência corporal e aumentar a interocepção (capacidade de perceber as condições fisiológicas dos órgãos).
E a farmacoterapia?
A administração de escitalopram foi iniciada com 10 mg via oral diariamente, com aumento para 20 mg por dia na semana 2 se bem tolerado – caso contrário, o aumento poderia ser atrasado.
Quais foram os resultados encontrados com o estudo?
Os pesquisadores observaram que o tratamento baseado em mindfulness não foi inferior ao tratamento com escitalopram para tratar transtornos de ansiedade, além de ser seguro, bem-tolerado e com menos efeitos adversos.
Mas e as limitações?
Entre as limitações do estudo, temos a diferença de tempo e atenção destinadas a cada tipo de tratamento. Ou seja, o grupo que realizou a prática de mindfulness passou mais tempo engajado em atividades relacionadas ao tratamento.
Outra limitação é a amostra, constituída principalmente por mulheres com um alto nível de educação, sem dados de doenças crônicas, e o recrutamento foi feito em 3 centros médicos, o que dificulta a generalização.
Concluindo…
O resultado observado foi que a prática de mindfulness parece não ser inferior ao tratamento com escitalopram.
Um possível motivo para esse resultado é que os transtornos de ansiedade são caracterizados por padrões de pensamento problemáticos, e o treinamento de mindfulness pratica a visualização de pensamentos e sensações como fenômenos mentais transitórios, que não representam necessariamente a realidade de maneira acurada.
Esse processo envolve regulação emocional e os indivíduos se tornam menos reativos a pensamentos e emoções. Além disso, a atenção plena é praticada com uma atitude de não julgamento e aceitação, que ao longo do tempo parece aumentar a autoaceitação e autocompaixão.
É importante ressaltar que nesse estudo a prática de mindfulness foi realizada pessoalmente, com professores treinados e disponíveis semanalmente para tirar dúvidas e fornecer orientações, o que limita extrapolações quanto a aplicativos de mindfulness ou programas que são realizados através da internet. Portanto, estudos futuros devem avaliar essa relação.
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Referências:
HOGE, E. A. et al. Mindfulness-Based Stress Reduction vs Escitalopram for the Treatment of Adults With Anxiety Disorders A Randomized Clinical Trial. JAMA Psychiatry, v. 80(1):13-21. 2023. doi:10.1001/jamapsychiatry.2022.3679