O consumo de chocolate por prazer está relacionado a diversos efeitos à saúde, e seu potencial benéfico é controverso. Por um lado, seu consumo tem efeitos adversos comprovados, mas por outro, se consumidos em quantidades ideais, trazem benefícios cardiovasculares.
Nesse artigo, trouxemos estudos que avaliaram os benefícios do consumo do chocolate. Muitos dos trabalhos com alimentos como chocolate, vinho e café possuem diversos vieses, então escolhemos apenas os de maior nível de evidência, e todos publicados nos últimos seis meses.
Alterações de humor
Muito é falado quanto as propriedades do chocolate amargo nas alterações de humor. Um estudo epidemiológico sugeriu que a alta ingestão dietética de polifenóis presentes no cacau está inversamente associada a sintomas depressivos.
Além disso, uma intervenção com chocolate rico em polifenóis em adultos já foi vista associada à redução níveis de cortisol salivar, que é conhecido por regular o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), desempenhando um papel em síndromes relacionadas ao estresse, como ansiedade e depressão.
Alguns estudos recentes mostraram que os microrganismos intestinais têm uma ampla gama de efeitos biológicos, incluindo efeitos sobre a função e o comportamento do cérebro, através do eixo intestino-cérebro.
Em um post anterior, já falamos sobre as bactérias intestinais e a influência em padrões de sono, exemplificando a relação entre o intestino e o cérebro.
O trabalho que escolhemos para comentar teve como objetivo investigar os efeitos da ingestão de chocolate amargo no humor, com ênfase especial no eixo intestino-cérebro.
Dois chocolates amargos diferentes foram testados neste estudo controlado e randomizado: teor de cacau de 85% (C85) e 70% (C70). Adultos saudáveis consumiram 30 gramas por dia de C85, C70, ou não consumiram (grupo controle) por 3 semanas. Os estados de humor foram medidos usando o Programa de Afeto Positivo e Negativo (PANAS).
O consumo diário reduziu significativamente o efeito negativo no consumo de C85, mas não no de C70. Ainda, a diversidade microbiana intestinal foi significativamente maior em C85 do que no grupo controle (sem consumir nenhum deles).
Os pesquisadores comentam que os achados indicam que o chocolate amargo exerce efeitos probióticos, evidenciados por sua capacidade de reestruturar a diversidade e abundância de bactérias intestinais. Dessa forma, pode melhorar os estados emocionais negativos através do eixo intestino-cérebro.
Para saber mais sobre o trabalho, é possível buscar o registro KCT0005582 em Clinical Research Information Service. Ou clique aqui.
Cuidados Paliativos em Câncer
Pacientes com câncer em estágio avançado, com alterações no estado nutricional, representam uma demanda importante de cuidados paliativos.
Um trabalho publicado esse ano teve como objetivo determinar quais os efeitos de um mês de consumo de chocolate no estado nutricional de pacientes idosos com câncer em cuidados paliativos.
Pacientes idosos com câncer em cuidados paliativos foram randomizados em três grupos: (i) chocolate 55% cacau (C55), chocolate branco (CB) e controle. Todos foram avaliados antes e após quatro semanas quanto ao estado nutricional, avaliado pelo instrumento Mini Nutritional Assessment (MNA). Consumo alimentar, antropometria, composição corporal, parâmetros laboratoriais e qualidade de vida também foram avaliados.
Como resultado, foi visto que o grupo C55 evoluiu com uma triagem aumentada, sem alteração na antropometria e composição corporal. Em relação à qualidade de vida, a funcionalidade também melhorou nesse grupo, com maior escore no domínio funcional.
De forma geral, o consumo da versão com maior teor de cacau pode contribuir para a melhora do estado nutricional e da funcionalidade de pacientes idosos com câncer em cuidados paliativos.
Diabetes
O cacau, componente do chocolate amargo rico em polifenóis, pode ser benéfico na prevenção do aparecimento do diabetes mellitus tipo 2 e na melhora da função endotelial vascular. Comparado ao branco, já foi observado que o chocolate amargo diminuiu a pressão arterial e melhorou a sensibilidade à insulina em pessoas saudáveis.
Um estudo randomizado e duplo cego buscou determinar como o chocolate amargo sem açúcar pode afetar os níveis de glicose no sangue pós-prandial em indivíduos com diabetes em comparação ao amargo convencional.
Nesse trabalho, 13 participantes foram incluídos, todos com diabetes tipo 1 ou diabetes tipo 2 há mais de um ano. Os pacientes consumiram uma barra de chocolate amargo sem açúcar (sugar-free) ou uma barra do amargo convencional, e todos tiveram seus níveis de glicose medidos antes e durante um período pós-prandial de 120 minutos.
Como resultado primário, foi visto uma leve redução da resposta à glicose entre em grupos: o consumo do sugar-free teve um menor impacto no aumento da glicose.
Para saber mais sobre o estudo, acesse em Clinical Trials pelo identificador NCT04847999. Ou clique aqui.
Doenças cardiovasculares
Dados de estudos epidemiológicos recentes suportam uma associação entre o alto consumo de produtos de cacau ricos em flavonoides e uma incidência reduzida de eventos cardiovasculares, especialmente acidente vascular cerebral e doença cardíaca isquêmica.
Para esse tópico, escolhemos abordar uma revisão, que comenta diversos trabalhos, inclusive clinical trials, visto que a relação entre as doenças cardiovasculares e o consumo de chocolate ainda é bastante controversa.
Já foi visto uma redução do risco de acidente vascular cerebral e doença isquêmica em 29 e 37%, respectivamente, como resultado do consumo de chocolate amargo. Ainda, o risco de eventos ateroscleróticos já foi observado 11% menor em consumidores regulares.
Embora o consumo de chocolate possa ter efeitos benéficos na saúde cardiovascular, ainda há evidências limitadas de dados de grandes estudos de coorte prospectivos. Apesar de muitas controvérsias, os ensaios controlados randomizados em andamento nos últimos dez anos relataram muitos resultados esperançosos relacionados às propriedades cardioprotetoras do chocolate.
Para saber mais sobre esse trabalho, clique aqui.
Vamos com calma ao abusar do consumo de chocolate!
Os estudos que indicam respostas favoráveis do consumo de chocolate avaliam de 2 a 6 (pequenas) porções por semana! O chocolate é classificado como um alimento de alto teor calórico e rico em gorduras e açúcar. A função cardioprotetora observada pela ingestão de cacau pode ser atenuada pelo teor de açúcar dos produtos, particularmente em pessoas com diabetes. Logo, o efeito benéfico sempre é avaliado com o consumo do chocolate amargo sem açúcar.
Além disso, resultados promissores de ensaios clínicos de curto prazo não podem ser tratados de forma acrítica, pois nem sempre são clinicamente significativos e, portanto, podem não representar uma opção terapêutica potencial.
No entanto, os resultados combinados sugerem que o chocolate não é simplesmente um alimento prejudicial consumido por prazer e não deve ser evitado por esse motivo. Ou seja, um chocolatinho (amargo e sem açúcar, por favor!) pode não fazer mal a ninguém!
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Referências:
Shin JH, Kim CS, Cha L, Kim S, Lee S, Chae S, Chun WY, Shin DM. Consumption of 85% cocoa dark chocolate improves mood in association with gut microbial changes in healthy adults: a randomized controlled trial. J Nutr Biochem. 2022 Jan;99:108854. doi: 10.1016/j.jnutbio.2021.108854. Epub 2021 Sep 14. PMID: 34530112.
Vettori JC, da-Silva LG, Pfrimer K, Jordão AA, Louzada-Junior P, Moriguti JC, Ferriolli E, Lima NKC. Effect of chocolate on older patients with cancer in palliative care: a randomised controlled study. BMC Palliat Care. 2022 Jan 4;21(1):5. doi: 10.1186/s12904-021-00893-1. PMID: 34980096; PMCID: PMC8725414.
Oliveira B, Falkenhain K, Little JP. Sugar-Free Dark Chocolate Consumption Results in Lower Blood Glucose in Adults With Diabetes. Nutr Metab Insights. 2022 Feb 7;15:11786388221076962. doi: 10.1177/11786388221076962. PMID: 35153489; PMCID: PMC8832613.
Sperkowska B, Murawska J, Przybylska A, Gackowski M, Kruszewski S, Durmowicz M, Rutkowska D. Cardiovascular Effects of Chocolate and Wine-Narrative Review. Nutrients. 2021 Nov 26;13(12):4269. doi: 10.3390/nu13124269. PMID: 34959821; PMCID: PMC8704773.