As mulheres são a maioria da população brasileira!
Segundo dados do IBGE, através da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), são mais de 4 milhões de mulheres a mais do que homens.
Nas áreas médicas, a desigualdade de gênero pode impactar nos fatores de risco / vulnerabilidade, limitar o acesso aos serviços de saúde e contribuir para as diferentes taxas de mortalidade entre os grupos. E isso é ainda mais evidente para mulheres transgênero.
Trouxemos aqui um resumo de como as estatísticas para o câncer de mama podem ser diferentes para cada população de mulheres, e como a abordagem clínica deve ser individualizada para cada tipo de paciente.
O câncer de mama afeta 1 em cada 8 mulheres
O câncer de mama é a neoplasia mais comum em mulheres e a doença que mais causa morte nesse grupo. Mais de 290 mil novos casos foram diagnosticados até o início desse ano – isso representa 31% de todos os casos de câncer em mulheres.
A probabilidade de uma mulher ser diagnosticada com câncer durante toda a vida é de 39%. Se olharmos apenas o câncer de mama, 1 em cada 8 serão diagnosticadas em algum momento.
De fato, a pesquisa tem avançado muito na busca por novos biomarcadores de diagnóstico, prognóstico e terapêuticos, mas ainda há um longo caminho a percorrer, principalmente em diferentes grupos socioeconômicos e culturais.
Câncer de mama em mulheres trans
O risco de câncer de mama em mulheres que realizaram reafirmação de gênero é pouco explorado, e não há um consenso para diretrizes de rastreamento de câncer de mama nestes pacientes, o que dificulta o tratamento.
Além disso, indivíduos transgêneros utilizam menos os serviços de saúde e tem relatam mais discriminação em cuidados de saúde do que pacientes cisgêneros, o que impacta diretamente nas taxas de mortalidade pela doença.
Um estudo recente avaliou quase 3500 pessoas transgêneras (homens e mulheres trans) na Holanda que receberam tratamento hormonal para reafirmação de gênero. No trabalho, foi visto que o risco de câncer de mama aumentou para mulheres trans durante um período relativamente curto de tratamento hormonal.
De todas as mulheres trans avaliadas, 15 apresentaram câncer de mama invasivo, comparado a 4 casos em homens trans. A média de idade do diagnóstico foi de 52 anos – mais cedo do que a média geral, próxima aos 60 anos.
Lembrando que aqui o foco é mulheres trans, visto que a exposição sustentada ao estrogênio exógeno é um fator de risco bem estabelecido para vários tipos de câncer. Mas é importante também prevenir a doença em homens que realizaram afirmação de gênero. A mastectomia não necessariamente anula o risco do desenvolvimento da doença, além de que nem todos os homens trans passam por esse procedimento.
Há conclusões?
Citamos aqui um estudo, com uma população específica. Ainda existem evidências insuficientes para determinar se as pessoas transexuais submetidas à terapia hormonal têm uma diferença no risco de desenvolver câncer de mama em comparação com os controles do sexo de nascimento.
Além disso, não há estudos longitudinais avaliando a eficácia do rastreamento do câncer de mama na população transgênero. A ausência de dados mais robustos nos traz apenas questionamentos, e cada caso deve ser avaliado com cautela.
O risco de câncer de mama em mulheres negras também é desigual: e mulheres negras e trans sofrem mais!
Anteriormente publicamos aqui no Portal um artigo sobre microambiente tumoral, que destacava as diferenças genéticas e moleculares do câncer de mama entre mulheres caucasianas e negras.
As mulheres afro-americanas apresentam um risco 40% maior de morrer em decorrência de neoplasia de mama em comparação às caucasianas. Além de destacar a maior incidência de casos de câncer de mama triplo-negativo nesse grupo, as barreiras estruturais e socioeconômicas são desiguais entre as diferentes populações.
Pacientes negras com qualquer tipo de câncer sofrem um impacto financeiro duas vezes mais significativo do que as pacientes caucasianas, além de que o acesso aos serviços de saúde e terapias de última geração contra TNBC metastático não é equivalente.
Ainda, questões como obesidade, componentes genéticos e menores taxas de mulheres negras em estudos clínicos impactam diretamente nas diferenças encontradas entre os grupos.
Há poucos trabalhos envolvendo mulheres trans negras. Um relato de caso apresenta uma mulher de 58 anos que utilizou terapia hormonal para afirmação de gênero e apresentou câncer de mama metastático.
No relato, há diversos dados que evidenciam a dificuldade da relação médico-paciente nestes casos específicos. A paciente recusou a realização de exames, e não foram discutidas opções nas consultas subsequentes – segundo o autor.
Nos comentários, a paciente informa que “por ter peito masculino, com uso de hormônios e silicone, não esperava ter câncer de mama”. O próprio autor afirma a necessidade do melhor entendimento das condições de cada paciente transgênero, e como isso pode afetar suas avaliações de risco, decisões de saúde e comportamentos.
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Referências:
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