Há algumas semanas escrevi um texto aqui para o Portal WeMEDS® sobre uma jovem que havia recebido autorização para realizar uma eutanásia na Holanda no final de abril. O que eu não imaginava quando escrevi esse texto é que seria desafiado, em breve, a escrever novamente sobre o tema ao ver uma brasileira iniciando uma luta para a realização do procedimento fora do País.
A eutanásia ainda é considerada crime no Brasil
A eutanásia, conhecida como boa morte em seu sentido original, é a situação em que o paciente e/ou familiar pedem pela morte (e esse pedido é atendido). No Brasil a prática é considerada crime e, por isso, temida pela grande maioria dos profissionais médicos.
Em face disso, muitos, com receito de serem acusados de tal prática, acabam indo ao outro extremo e praticando a distanásia (que é o prolongamento do processo de morrer). Ou seja, lançam mão de diversos artefatos, caminhos e procedimentos, que não trazem qualidade de vida ao paciente e apenas aumentam seu sofrimento.
Essas questões que permeiam o campo da ética e da bioética costumam vir à tona em casos de pacientes onde a cura não é mais possível e, especialmente, nos pacientes que são submetidos aos cuidados paliativos.
Brasileira relata o desejo da morte assistida
Na época em que escrevi o outro texto, fiz um convite aos leitores para que deixássemos de lado, por ora, tudo o que já havíamos ouvido sobre esse procedimento e tentássemos enxergar a eutanásia por outro ângulo, como uma abreviação do sofrimento. O convite, nunca teve a intenção de defender a prática da eutanásia, mas sim de olhar com mais empatia e solidariedade ao paciente que deseja por esse caminho seguir.
Qual não foi minha surpresa ao receber agora no início de julho, a notícia de que uma brasileira estava tentando conseguir a realização da eutanásia fora do Brasil. Carolina, uma jovem de 27 anos, possui diagnóstico de neuralgia do trigêmeo, condição que há 11 anos tem feito a jovem conviver com dores crônicas intensas e constantes.
A estudante de medicina veterinária, em uso de mais de 10 medicações, dentre as quais morfina e canabidiol, amadureceu, ao longo desse tempo, a ideia de que a eutanásia ou suicídio assistido seriam a solução para seu problema.
No entanto, por ser considerado crime no Brasil, tal procedimento não poderia ser realizado. Diante disso a jovem iniciou uma campanha para conseguir recursos financeiros para poder viajar até a Suíça, país em que a prática de eutanásia é legalizada.
Enfrentando a morte de frente: quando a eutanásia se torna a única solução (será?)
Sabemos que nossa sociedade ainda enxerga a morte como um tabu. O que dizer então da eutanásia, entendida por muitos como uma abreviação da vida. A vida, dom divino, dádiva que nos é concedida…
Mas, será que ainda enxergamos a eutanásia dessa maneira? Não teria o paciente o direito de decidir livremente sobre sua vida, seu corpo e os cuidados que deseja ou não receber?
Carolina contou em entrevista a diversos veículos de comunicação que as dores que sentem são intensas e que isso a impediu de criar a filha, hoje com dez anos, desde quando a criança completou 1 ano. Além disso, disse estar exausta física e mentalmente, pois precisa de ajuda para praticamente tudo e não consegue realizar nenhuma tarefa em seu dia a dia.
E em menos de uma semana após seu caso ter vindo à tona, a jovem já contava com mais de 70% do valor estimando inicialmente arrecadados em sua vaquinha. Ainda assim, após o caso ter viralizado, a discussão dividiu opiniões entre os que defendem que Carolina tenha a chance de realizar a eutanásia e aqueles que defendem que ela jamais deveria cogitar essa ideia.
Nessa semana a jovem disse que tentou contato com outros profissionais e que, caso haja chance de os novos tratamentos funcionarem no alívio da dor, ela pode reconsiderar a ideia da eutanásia.
Todos os pacientes estão em busca de alívio
No filme Como eu era antes de você assistimos ao drama da jovem moça que se apaixona pelo paciente que cuida e que não entende, num primeiro momento, a escolha dele pelo caminho da eutanásia. Ao final da história conseguimos compreender que, embora para nós pareça uma escolha egoísta, para o paciente era o melhor caminho.
O mesmo vale para Zoraya, a jovem que teve autorização para realizar o procedimento na Holanda em abril, e para Carolina, caso ela decida mesmo por esse caminho.
Antes de encerrar esse texto, quero resgatar a reflexão que deixei no texto que escrevi sobre o caso ocorrido na Holanda.
De nenhuma maneira meu objetivo aqui é defender a prática de eutanásia. Jamais poderia fazer isso pela prática ser crime, e por ter um compromisso com a vida enquanto médico e ser humano.
Mas, é fato, que é justamente esse compromisso com a vida que me faz refletir, questionar e abordar esse tema. Afinal, diante de um quadro irreversível, em que a possibilidade de cura não é palpável e que os cuidados se mostram insuficientes para assegurar qualidade de vida ao paciente e sua família, e que diversos tratamentos já foram tentados, seria a eutanásia uma abreviação da vida ou a chance de suprimir esse sofrimento de uma forma planejada e com o enfrentamento da indesejada das gentes de peito aberto?
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Referências:
Anna Lúcia Silva. Brasileira com dor rara quer buscar eutanásia no exterior; entenda o caso. Portal de Notícias G1.
Bruno Bucis. Jovem com pior dor do mundo passa por tratamento para aliviar sintomas. Metrópoles.