Você já imaginou a loucura que seria receber uma ligação, no meio da noite, com seu pai dizendo “Eu acho que você ganhou o Prêmio Nobel”?
Foi isso que aconteceu nessa segunda-feira (4) com o Dr. Ardem Patapoutian, biólogo molecular armênio-americano e pertencente ao Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia. Juntos, ele e o Dr. David Julius, um norte-americano, bioquímico e biólogo molecular, compartilharam o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina 2021, por suas importantes contribuições na descoberta dos receptores de temperatura e toque. A premiação foi anunciada nessa segunda-feira (04/10) pela Academia Real das Ciências da Suécia, abrindo as premiações deste ano.
É tradição do Comitê do Prêmio Nobel avisar os vencedores sobre a premiação momentos antes do anúncio, porém dessa vez tiveram que superar alguns obstáculos. Devido a diferença de fuso-horário entre Suécia e Estados Unidos, os pesquisadores estavam dormindo, enquanto o secretário geral do Prêmio Nobel, Thomas Perlmann, tentava contatá-los sem sucesso (e aqui fica a dica, se forem nomeados a um Prêmio Nobel, não coloquem o celular no silencioso!).
O Comitê do Prêmio Nobel teve que entrar em contato com parentes dos premiados, para lhes contar as boas novas antes do anúncio oficial. Foi através do pai e da cunhada, que Dr. Julius e Dr. Patapoutian, respectivamente, souberam do interesse da Academia em localizá-los.
Mas o que esses pesquisadores fizeram de tão especial?
Imagine agora, você em um churrasco de verão com seus amigos. Você consegue sentir a bebida gelada nas suas mãos, o calor do sol e da churrasqueira na sua pele, a brisa passando pelo seu corpo e a picância da linguiça apimentada em sua língua. O que esses cientistas fizeram? Mostraram ao mundo como essas sensações partem do mundo externo até o nosso sistema nervoso central.
O sistema nervoso sensorial é alvo de atenção e estudos há muito tempo, já que representa a interface entre os estímulos externos e a reação do sistema nervoso central a eles. É graças a esse sistema que conseguimos sentir, compreender e interagir com o mundo à nossa volta, garantindo, inclusive, a nossa sobrevivência.
E por terem dado sentido a algumas sensações do corpo humano, esses dois pesquisadores receberam o prêmio deste ano.
Até então, sabia-se que os estímulos externos eram captados, convertidos em sinais elétricos e encaminhados através de fibras nervosas sensoriais ao sistema nervoso central, a fim de gerar uma resposta. Porém, os mecanismos envolvidos nesse processo eram desconhecidos até o final da década de 90. De maneira independente, os grupos de pesquisa desses dois cientistas foram responsáveis por elucidar as bases moleculares da percepção da temperatura e do toque pelo corpo humano.
SENSAÇÃO DE CALOR
Em 1997, Dr. Julius e seus colaboradores procuraram qual seria o gene responsável por codificar o receptor específico da capsaicina, dentre aqueles que eram expressos em neurônios sensoriais ativados na presença de estímulos de dor, calor e toque.
Através de pesquisa in vitro, da utilização de células incapazes de reagir à capsaicina e da inserção de novos fragmentos de DNA nessas células, os pesquisadores conseguiram localizar o gene que codifica a proteína TRPV1, um canal iônico de membrana.
De maneira simplificada, na presença de alta temperatura, de substâncias químicas (como a capsaicina) ou de substâncias ácidas, o canal TRPV1 abre, permitindo o trânsito de íons entre os meios extra e intracelulares.
A despolarização das células nervosas leva à geração de potenciais de ação que serão propagados até o sistema nervoso pelas fibras nervosas, culminando na transmissão da mensagem de dor.
A partir dessa descoberta, os pesquisadores continuaram investigando outros estímulos relacionados à temperatura que poderiam ser codificados como uma sensação dolorosa. E nesse caso, tanto o grupo do Dr. Julius, quanto o grupo do Dr. Patapoutian, utilizaram o mentol para gerar a sensação de frio doloroso e descobriram outro receptor, com a capacidade de responder ao frio (temperaturas abaixo de 25 ºC) e substâncias químicas (como o mentol) chamado TRPM8, outro grande salto científico importante.
Além desses receptores, os achados do Dr. Julius e Dr. Patapoutian foram a base de outros estudos que identificaram toda a família de receptores TRP, demonstrando como somos capazes de perceber diferentes níveis de temperatura.
Dentro dessa família, os receptores respondem a diferentes faixas de temperatura, como o TRPV2 (responde a temperaturas maiores que 45ºC), o TRPV3 (receptor de calor em temperaturas abaixo de 35ºC) e TRPV4 (que responde a temperaturas maiores que 27ºC e à temperatura normal da pele).
SENSAÇÃO DE TOQUE
Por sua vez, o Dr. Patapoutian também buscava sentido em outra sensação: o toque.
Sabendo que proteínas responsáveis por perceber estímulos mecânicos existiam em bactérias, ele investigou se essas moléculas também estariam presentes em células humanas.
O primeiro passo dessa jornada foi realizado através de experimentos in vitro, para descobrir quais células respondiam ao estímulo mecânico de uma micropipeta (em outras palavras, os pesquisadores cutucavam as células e selecionavam aquelas que respondiam ao estímulo emitindo sinais elétricos).
Uma vez selecionadas, o grupo do Dr. Patapoutian passou a investigar a biblioteca genética dessas células em busca de genes que codificassem proteínas que se ativavam na presença de estímulos mecânicos. E através de experimentos in vitro envolvendo silenciamento gênico, descobriram a existência dos canais iônicos (chamados Piezo1 e Piezo2)- receptores ativados por pressão mecânica e descritos em 2010.
A descoberta desses receptores, principalmente o Piezo2, foi essencial para o desenvolvimento de estudos que explicassem a capacidade de sentirmos o toque de alguém e de o sistema nervoso central entender a força muscular realizada e como responder adequadamente a isso, permitindo a percepção da localização do corpo e dos membros no espaço.
Além disso, estudos posteriores demonstraram que esses receptores exercem outras funções, como participação na regulação da pressão arterial e no controle miccional perante a bexiga repleta de urina.
Durante o anúncio da premiação, Niels-Göran Larsson enfatizou a relevância desses estudos ao dizer que “existem muitos problemas médicos envolvendo dor e esses receptores serão, com certeza, alvos para o desenvolvimento de medicamentos no futuro”.
Conclusão
As descobertas feitas pelos Dr. Patapoutian e Dr. Julius são considerados um ponto de virada na história da Ciência, por possibilitarem uma mudança de paradigma e a realização de muitos outros estudos fundamentais para a compreensão da fisiologia humana, impactando a sociedade e a medicina.
Durante essa semana, o comitê anunciou também os vencedores do Prêmio Nobel de Física (5/10), Prêmio Nobel de Química (6/10) e Prêmio Nobel de Literatura (07/10). Hoje (08/10) será anunciado o Prêmio Nobel da Paz e na segunda-feira (11/10) o Prêmio Nobel da Economia.
Se você tiver interesse em assistir à nomeação dos vencedores do Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia 2021, basta acessar o canal “Nobel Prize” a partir desse link.
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Referências:
Dubin AE, Patapoutian A. Nociceptors: the sensors of the pain pathway. J Clin Invest. 2010
[…] Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina 2021: da pimenta ao toque […]