A relação entre Doença Celíaca e Endometriose já vem sendo explorada há muito tempo. Agora, mulheres brasileiras foram participantes de uma pesquisa que buscou identificar se havia uma associação entre as duas condições, com base em mutações genéticas dessas patologias.
Doença Celíaca e o HLA
A Doença Celíaca é um distúrbio autoimune causado pela reatividade das células T à ingestão de glúten. É caracterizada por inflamação do intestino delgado, atrofia das vilosidades e hiperplasia das criptas. A condição também pode causar sintomas sistêmicos em aproximadamente metade dos pacientes afetados. A fisiopatologia dessa doença é complexa e envolve variáveis tanto ambientais quanto intrínsecas.
Fatores genéticos predisponentes, especificamente certos haplótipos do Antígeno Leucocitário Humano (HLA), são necessários, mas não suficientes para os sintomas aparecerem. O haplótipo HLA-DQ2, codificado pelos genes HLA-DQA1*0501 e HLA-DQB1*0201, está fortemente associado à doença e é encontrado em até 95% dos pacientes. Os pacientes restantes carregam HLA-DQ8 ou uma variante de HLA-DQ2.
O diagnóstico depende de uma combinação de achados clínicos, laboratoriais e anatomopatológicos. É confirmado por alterações observadas em amostras de biópsia duodenal junto com testes positivos de anticorpos anti-endomísio, anti-transglutaminase tecidual (anti-Tg) ou anticorpos anti-gliadina.
O risco de doença celíaca em portadores de HLA-DQ2 e HLA-DQ8 varia de 0,17% a 12,8%. Em nível populacional, a prevalência da doença pode ser estimada pela presença de altos títulos de anti-Tg, enquanto a ausência de variantes específicas de HLA-DQ sugere um preditor negativo da doença.
E qual a relação com a endometriose?
As moléculas HLA-DQ apresentam peptídeos de glúten às células T, levando à inflamação e produção de citocinas. Estudos de associação em todo o genoma observaram que a região HLA, particularmente os genes DQA1 e DQB1, estão associados ao maior risco de doença celíaca. As mutações nessas regiões também foram observadas em várias doenças mediadas pelo sistema imunológico, sugerindo que a doença celíaca compartilha vias comuns com outras doenças crônicas, como endometriose.
A endometriose é definida pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina e afeta de 10% a 15% das mulheres em idade reprodutiva. A fisiopatologia da doença envolve fatores imunológicos, inflamatórios e genéticos, alguns dos quais se sobrepõem às vias observadas na doença celíaca.
Estudos mostraram uma prevalência maior de doença celíaca em mulheres com endometriose em comparação com controles saudáveis. Além disso, observou-se que dietas livres de glúten aliviam os sintomas da endometriose.
Dessa maneira, surge a hipótese de que pode haver alguma relação entre a doença celíaca e a endometriose.
Doença Celíaca e Endometriose: estudo com mulheres brasileiras
Para investigar a possível relação entre doença celíaca e endometriose, um estudo teve como objetivo avaliar a relação entre os haplótipos HLA-DQ2 e HLA-DQ8 e o diagnóstico, apresentação clínica e localização da endometriose em mulheres brasileiras.
A pesquisa envolveu 434 mulheres com idades entre 18 e 50 anos, que foram submetidas à avaliação dos haplótipos HLA-DQ2 e HLA-DQ8. As pacientes foram divididas em dois grupos: mulheres com endometriose (n = 315) e mulheres sem evidência da condição (n = 119), conforme determinado por ultrassonografias transvaginais.
Os pesquisadores compararam os marcadores de doença celíaca entre os dois grupos (pacientes e controle). Foram avaliados os anticorpos anti-transglutaminase, bem como a prevalência de HLA-DQ2 ou HLA-DQ8.
Para os dois marcadores, não foi observada diferença significativa. Ou seja, os pesquisadores não encontraram uma relação entre a doença celíaca e a endometriose nesse trabalho.
Considerações finais
Os autores escolheram os haplótipos HLA-DQ2 e DQ8 para este estudo porque representam a apresentação antigênica para o glúten em celíacos. A hipótese de que a doença celíaca pode ter influência na endometriose foi feita com base nos resultados de um estudo que mostrou os benefícios de uma dieta sem glúten na progressão e nos sintomas da doença.
Dessa forma, se o HLA-DQ2 e DQ8, quando expressos, pudessem iniciar uma cadeia inflamatória com o glúten como ponto de gatilho, essa hipótese poderia ser válida.
No entanto, os resultados presentes não mostraram relação estatística entre HLA-DQ2 e DQ8 e o local ou sintomas da endometriose.
Lembrando que este trabalho é um estudo caso-controle, do tipo observacional. Ainda que muito relevante e com um número amostral bem significativo, esse tipo de estudo busca apenas determinar fatores que possam causar as diferenças entre os grupos. Um estudo prospectivo forneceria resultados mais robustos.
Além disso, os autores comentam que a falta de diagnóstico histopatológico da doença celíaca é uma limitação, e que não é possível descartar a relação entre as duas doenças.
—
Referências:
ANDRES, M. P. Evaluation of HLA-DQ2 and HLA-DQ8 haplotypes in patients with endometriosis, A case-control study. Clinics, 79(2024)100317.