Um estudo publicado essa semana trouxe à tona uma questão importante na psiquiatria: será que o uso de antidepressivos é capaz de melhorar, de fato, a qualidade de vida dos pacientes com depressão a longo prazo?
Depressão e uso de antidepressivos
Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 5% da população mundial sofre de transtorno depressivo maior, mas quadros depressivos podem estar associados a outros transtornos de humor – resultando em uma das condições mais prevalentes atualmente.
O paciente depressivo apresenta episódios recorrentes de tristeza e lentificação de pensamento, podendo associar alterações físicas e ideações suicidas. Ainda, associado aos sintomas depressivos, alguns pacientes podem experenciar ansiedade, angústia e redução das atividades psíquicas globais.
Como orientações terapêuticas gerais, estimula-se a prática de exercícios físicos regulares e hábitos alimentares saudáveis. A base do tratamento é a psicoterapia, e pode ser associada ao uso de antidepressivos.
Diversas classes de antidepressivos são conhecidas, e a prescrição deve considerar a individualidade de cada paciente. Em geral, a primeira escolha são os inibidores de recaptação de serotonina (ISRS) ou de serotonina + norepinefrina (ISRN), ou um antidepressivo tricíclico.
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Depressão e qualidade de vida
É evidente que a depressão pode afetar negativamente a qualidade de vida relacionada à saúde desses pacientes, e isso pode estar relacionado a comportamentos não saudáveis ou de risco – incluindo inatividade, alimentação inadequada, tabagismo e/ou administração inadequada de medicamentos.
Além disso, a presença de depressão (como comorbidade associada) em pacientes com outras condições médicas é associada a piora na qualidade geral de vida em comparação àqueles com apenas uma doença (como asma, hipertensão, diabetes, câncer).
Portanto, o tratamento de pacientes depressivos visa a melhora da qualidade de vida.
Como mencionamos, o pilar do tratamento é a psicoterapia, e medicamentos antidepressivos devem ser associados apenas quando há necessidade evidente – casos refratários ou graves, ideações suicidas.
Porém, os estudos são controversos, e as condutas variam muito, sem fortes evidências de um benefício maior entre psicoterapia ou antidepressivos. As recomendações da Associação Americana de Psiquiatria (APA), por exemplo, incluem o uso de ISRS / ISRN ou psicoterapia como terapia inicial. Em casos refratários, recomenda-se a troca de medicamento.
Por outro lado, diversos ensaios clínicos e metanálise já evidenciaram que cerca de 80% da melhora dos sintomas depressivos também esteve presente no grupo placebo. Ou seja, uma diferença mínima entre os grupos de tratamento e controle.
Com isso em mente, esse ano um grupo de pesquisadores buscou investigar mais de perto o efeito do uso de medicamentos antidepressivos na qualidade de vida de pacientes com depressão. No estudo, foram identificados mais de 17 milhões (sim!) de pacientes adultos diagnosticados com transtorno depressivo, acompanhados por dois anos.
Prescrever ou não prescrever: eis a questão
Vamos repetir, pois o estudo incluiu muitos pacientes mesmo. Ao longo da duração do trabalho (de 2005 a 2016), cerca de 17,47 milhões de pacientes adultos foram diagnosticados com depressão (todo ano). Destes, 57,6% fizeram uso de algum antidepressivo. Como o esperado, a idade média dos pacientes foi de 48 anos, a maioria mulheres (quase 70%) e brancas.
Ao comparar aqueles pacientes que usaram antidepressivos em relação aos que não usaram, não houve diferença na qualidade de vida de ambos os grupos. Além disso, os pacientes que não se utilizavam de farmacoterapia tiveram resultados melhores de componentes físicos em relação ao grupo de recebeu antidepressivos.
Questões metodológicas: a qualidade de vida foi avaliada pelo instrumento de avaliação de qualidade de vida SF-12. Foram avaliados resumo de componente físico (saúde física geral, dores, vitalidade, fadiga, energia) e componente mental (questões sociais, sofrimento mental e bem-estar psicológico).
Então os antidepressivos não funcionam em comparação à terapia?
Obviamente que funcionam, e todos nós sabemos disso! Ninguém aqui está questionando sua eficácia. Ainda, cada profissional deve avaliar a individualidade do seu paciente no momento da prescrição, e isso é definido durante a rotina clínica.
A mensagem que fica é que independentemente dos sintomas associados à depressão, da extensão do seu impacto na qualidade de vida e dos efeitos colaterais dos medicamentos antidepressivos, vale a pena insistir na psicoterapia nesses pacientes.
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Referências:
Omar A. Almohammed et al. Antidepressants and health-related quality of life (HRQoL) for patients with depression: Analysis of the medical expenditure panel survey from the United States. PLOS ONE. April 20, 2022. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0265928
Antidepressants are not associated with improved quality of life in the long run. Public Library of Science. MedicalXPress. April 20, 2022.