Desreguladores endócrinos são substâncias com potencial de interferir o metabolismo, promovendo desequilíbrio hormonal. Diversos estudos já evidenciaram a importância da investigação acerca da exposição a desreguladores endócrinos no manejo da saúde ginecológica e no acompanhamento pré-natal.
Esse artigo tem como objetivo trazer à luz a importância da atenção do profissional da saúde aos impactos potenciais dessas substâncias na saúde de pacientes, com atenção especial a casos individuais de maior severidade.
Desreguladores endócrinos
Desreguladores endócrinos ou disruptores hormonais são substâncias com a capacidade de interferir na produção, no armazenamento, na liberação, no transporte, no metabolismo, no sítio de ligação ou na eliminação de hormônios. Há um leque extenso de fontes em que essas substâncias são encontradas no meio ambiente, desde agrotóxicos como herbicidas, fungicidas e inseticida a resquícios de medicamentos, plastificantes, entre outros.
Sabe-se que o contato com essas substâncias ocasiona um desequilíbrio hormonal, acarretando em efeitos adversos em um organismo intacto ou em seus descendentes.
Como exemplo de desreguladores endócrinos, podemos citar o DDT, o primeiro pesticida moderno, largamente usado durante e após a Segunda Guerra Mundial para o combate aos mosquitos vetores de doenças como malária e dengue.
Além disso, outros pesticidas, bisfenol A (BPA) e ftalatos, utilizados em produtos infantis, produtos de higiene pessoal e em recipientes para alimentos, retardadores de chamas utilizados em móveis e pavimentos, parabenos, metais pesados, como mercúrio, chumbo, cádmio, cobre, níquel e arsênico, fitoestrógenos, presentes na soja, legumes e lentilhas podem conter desreguladores hormonais. Ainda, suspeita-se da existência de inúmeros outros desreguladores endócrinos ou de substâncias químicas que nunca foram testadas.
Efeitos da exposição pré-natal evidenciam a importância da investigação de hábitos
O ftalato é uma classe de substância química utilizada como aditivo na forma de plastificante ou agente amaciador de PVC. Essas substâncias são encontradas em cosméticos, em utensílios médicos, em embalagens, mamadeiras, em brinquedos e até em revestimentos de comprimidos farmacêuticos, como o omeprazol.
Estudos com animais têm demonstrado há décadas o potencial efeito adverso dessas substâncias no eixo hipotálamo-pituitária-gonadal (HPG). Um estudo de 1999, por exemplo, demonstrou que a exposição pré-natal a doses de BPA no ambiente acelerou o aparecimento da puberdade em ratas.
Poucos anos depois, em 2005, foi publicado o primeiro estudo em humanos que correlacionou a exposição pré-natal a ftalatos à diminuição da distância anogenital em recém-nascidos do sexo masculino. Houve, ainda, prejuízo nas descidas dos testículos.
Alterações cognitivas também foram observadas em humanos, nos quais a exposição intrauterina a ftalatos durante o 3º trimestre de gestação diminuiu o MDI (Índice de Desenvolvimento Mental) em meninos de 6 meses de idade.
Ainda trazendo a atenção ao potencial impacto de desreguladores endócrinos no desenvolvimento fetal, um estudo recente realizado com mais de 1000 gestantes em Porto Rico demonstrou que aquelas que usavam certos produtos de cuidado capilar – tinturas, descolorantes, relaxantes ou mousses – tinham níveis mais baixos de SHBG, testosterona e estrogênio e progesterona – hormônios essenciais para o desenvolvimento saudável da gestação.
Esses são apenas alguns exemplos da importância do preparo médico de ginecologistas e obstetras na investigação da exposição aos desreguladores endócrinos e do olhar atento aos hábitos individuais de cada paciente no manejo de questões ginecológicas, tanto com relação aos xenoestrógenos sintéticos quanto até mesmo a exposição a fitoestrógenos (xenoestrógenos de fonte natural), como a soja.
Em 2008, um grupo publicou três casos clínicos de mulheres com 35, 43 e 56 anos, as quais faziam uso frequente de soja (leite, tofu, proteína…), e tiveram sintomas como dismenorreia, leiomioma e infertilidade revertidos após a interrupção do uso da soja.
E quando falamos em investigação de hábitos, é necessário ressaltar que deve ser feita levando em conta todo o contexto em que a paciente está inserida, inclusive o ambiente de trabalho. Um importante exemplo disso é um estudo de 2014, realizado com trabalhadoras de uma empresa farmacêutica avaliando a exposição aos desreguladores endócrinos.
O estudo demonstrou que a duração média dos ciclos, duração do sangramento, quantidade de fluxo, prevalência de ciclos longos, ciclos irregulares e sangramento ou escape foram maiores nos grupos altamente expostos a certos solventes orgânicos (formaldeído, fenol, N-hexano e clorofórmio) quando comparadas com trabalhadoras da mesma empresa, porém com baixa exposição, com base nas medições do local de trabalho.
Direcionamentos quanto à exposição aos desreguladores endócrinos
Alguns direcionamentos podem ser feitos para mitigar a exposição a esses desreguladores endócrinos, como:
- Que seja evitado o uso de pesticidas;
- Preferir alimentos orgânicos livres de agrotóxicos;
- Diminuir a ingesta de alimentos processados;
- Evitar o contato e a inalação de produtos químicos;
- Não aquecer potes de plástico em micro-ondas, leite quente não deve ser servido em mamadeiras de plástico;
- Evitar o consumo de bebidas quentes em recipientes de plásticos;
- Procurar o selo #BPAfree nas embalagens de plástico;
- Evite tocar nas notas de caixas ou de máquinas de cartão de crédito impressas em papel térmico;
- Evitar fumar ou conviver com fumantes;
- Ao utilizar cremes, desodorantes, protetores solares e outros produtos de higiene pessoal dar preferência aos sem parabenos;
- Escolher produtos de higiene pessoal ou de limpeza que sejam sem fragrância;
- Manter a atenção ao uso de produtos cosméticos, especialmente aos infantis, sempre ler o rótulo procurando identificar presença de possíveis desreguladores endócrinos.
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Referências:
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