Zika vírus no tratamento de tumores: e se o vilão virar mocinho?

zika virus

Zika vírus

Recentemente, a utilização de vírus como terapia contra diferentes tipos tumorais tem recebido bastante destaque. Dentre esses vírus, chamados de oncolíticos, está o zika vírus.

É bem provável que você já tenha ouvido falar sobre ele, afinal de contas entre os anos de 2015 e 2016, tivemos uma epidemia de Zika, o que também levou à uma epidemia de microcefalia. Algo nunca visto anteriormente pela literatura científica!

A relação entre o desenvolvimento de microcefalia e o zika vírus foi estabelecido em 2016, quando verificaram que a presença de vírus no organismo da mãe poderia afetar o desenvolvimento neural do feto, impactando a probabilidade de aparecimento da síndrome congênita rara (microcefalia) e Síndrome de Guillian-Barré.

Graças ao neurotropismo viral, os vírus são atraídos para o sistema neural do feto, prejudicando severamente as células neurais em desenvolvimento. Um efeito extremamente preocupante.

Mas e se esse efeito visto nas células neurais fosse utilizado para o bem?

 

Tratamento anti-tumoral com zika vírus

Um estudo publicado em 2018 demonstrou que o zika vírus poderia ser uma alternativa interessante para o controle de tumores do sistema nervoso central embrionários, in vitro (através da utilização de linhagens celulares tumorais de humanos) e in vivo (modelo animal utilizado: camundongo).

Como você já pode imaginar, isso não é tão simples de ser testado e investigado. Portanto, antes que terapias realmente possam ser desenvolvidas, muitos passos ainda estão sendo dados a fim de verificar se a aplicação de zika vírus para o tratamento de tumores faz mais bem do que mal.

Haverá replicação viral após a injeção dos vírus? Afetará apenas células tumorais ou qualquer célula neural? Através de qual mecanismo?

São muitas e muitas perguntas, e por isso, estudos pré-clínicos têm sido realizados, tanto in vitro quanto in vivo, a fim de tentar, no futuro, predizer os efeitos desse tipo de injeção em humanos.

Em 2020, um estudo publicado na Molecular Therapy (revista filha da Cell) testou a segurança de injeções de zika vírus em cachorros que haviam desenvolvido tumor cerebral agressivo de forma espontânea. A injeção foi realizada via subaracnóidea (também chamada de intratecal).

A partir desse estudo, o grupo de pesquisadores puderam verificar que após o tratamento não foi visto sinal clínico de infecção viral nos animais (demonstrando segurança), houve a redução do tumor dos animais imunocompetentes testados, resultando na melhora da qualidade de vida e expectativa de vida desses cachorros.

Além disso, também demonstraram que o vírus atacava preferencialmente células tumorais, levando a inflamação e necrose tumoral, como mostrado no resumo gráfico abaixo, obtido no artigo e adaptado pela Equipe WeMEDS:

zika vírus

Em outro trabalho, também de 2020, um grupo de pesquisadores demonstrou o provável mecanismo ativado pelo vírus e que resulta na destruição de células tumorais.

De acordo com esse estudo, após 7 dias da injeção de Zika vírus, células imunes são recrutadas. Após 14 dias, as células tumorais são destruídas pela atividade citolítica das células T CD8+, gerando uma inflamação local que atrai mais células imunes para o local.

Essas células por sua vez fazem a “limpeza” do local, removendo as células tumorais que foram atacadas, fechando o ciclo após 21 dias.

O mais interessante disso tudo é que esse tipo de tratamento não promoveu apenas a diminuição do tumor, mas também foi capaz de criar uma espécie de proteção para o cérebro contra a implantação de um tumor no lado contralateral. Demonstrando uma espécie de resposta de memória.

zika virus

Esses estudos, utilizaram como via de administração do vírus a injeção intratecal, que convenhamos, não é a via mais comum e simples.

Pensando nisso, o grupo de estudos coordenados pela Mayana Zatz (do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo), publicou um trabalho neste ano (2021), realizando tratamento com zika vírus através de injeções sistêmicas.

Nesse estudo, os pesquisadores viram que o vírus foi capaz de passar pela barreira hematoencefálica (atraídos pelas células neuronais), até chegar ao cérebro. Uma vez no sistema nervoso central, o vírus se ligou principalmente às células tumorais, ativando uma resposta imune anti-tumoral, resultando na melhora da condição clínica dos camundongos testados e no aumento da sobrevida desses animais.

E o mais interessante é que não houve danos às células sadias!

Você já ouviu falar em organoides?

Os organoides são como se fossem pequenos órgãos, criados a partir de cultura celular 3D, sendo um modelo in vitro bastante interessante e mais complexo do que uma simples cultura de células.

E foi fazendo uso de organoides cerebrais, obtidos a partir de células tumorais embrionárias do sistema nervosos central de humano, que esse mesmo grupo verificou que inocular zika vírus nesses pequenos cérebros tumorais foi capaz de impedir a progressão do tumor e, em alguns casos, viu-se também a sua redução!

Esse é o primeiro estudo a chegar mais perto do objetivo final: o tratamento para tumores no sistema nervoso central de humanos, sendo, portanto, um passo gigante para essa área.

E o mais legal: é do Brasiiiiiil (uma colaboração entre a USP e o Hospital Israelita Albert Einstein)! A ciência nacional é boa e cheia de potencial, só precisa de mais cuidado e atenção.

Se você quiser se aprofundar e entender melhor o que foi feito nesse trabalho, clique aqui.

 

Vilão ou mocinho?

Voltando ao questionamento do título, obviamente, o vilão não virou um completo mocinho! O zika vírus segue sendo uma questão de saúde pública, exigindo medidas por parte da população e do governo para que outra epidemia como a de 2015/2016 não aconteça novamente.

Mas como dizem por aí: quando a vida te dá limões, faça uma limonada! Se for manuseado de forma correta e controlada, o zika vírus ainda pode vir a ajudar muitas pessoas.

 

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Referências:

Leila Posenato Garcia. EPIDEMIA DO VÍRUS ZIKA E MICROCEFALIA NO BRASIL: EMERGÊNCIA, EVOLUÇÃO E ENFRENTAMENTO. 2018.

Kaid C, et al. Zika Virus Selectively Kills Aggressive Human Embryonal CNS Tumor Cells In Vitro and In Vivo. Cancer Res. 2018.

Kaid, C. Safety, Tumor Reduction, and Clinical Impact of Zika Virus Injection in Dogs with Advanced-Stage Brain Tumors. Molecular Therapy. 2020

Nair, S. et al. Zika virus oncolytic activity requires CD8+ T cells and is boosted by immune checkpoint blockade. JCI insight. 2021.

Ferreira, RO. et al. Effect of Serial Systemic and Intratumoral Injections of Oncolytic ZIKVBR in Mice Bearing Embryonal CNS Tumors. 2021

 

 

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