Em nossa sociedade, é muito comum o choque de pensamentos entre pessoas de culturas diferentes. Grupos sociais são formados, principalmente por cidadãos que partilham de pensamentos em comum.
Mas para fazer parte destes grupos pode ser preciso mais do que apenas partilhar de seus ideais. A semelhança pode estar muito mais enraizada: no DNA. É o que sugere um novo estudo que avaliou a associação entre a condenação ao uso de drogas recreativas e ao sexo sem compromisso.
Gêmeos: um bom modelo de estudo
Estudos com gêmeos permitem avaliar o papel/impacto de genes no desenvolvimento de uma determinada característica ou doença. Em outras palavras, possibilitam determinar a influência genética separada da influência ambiental nesta determinada condição estudada. Para isso, são feitas comparações entre gêmeos monozigóticos (que compartilham seus genes) e gêmeos dizigóticos (que compartilham, em média, 50% de seus genes).
Mas e daí? Se os gêmeos monozigóticos apresentarem determinadas características com maior similaridade do que gêmeos dizigóticos, isso indica que este traço avaliado tem maior probabilidade de ser definida pela genética. Caso contrário, se a característica foi similarmente expressa por gêmeos mono e dizigóticos, há chances do ambiente ser o principal responsável pela manifestação deste atributo.
O documentário “Três estranhos idênticos” é um bom exemplo destes estudos.
Claro que há limitações. Estes estudos permitem definir se uma característica ou condição é definida, em maior parte, pelos genes. Mas não permite definir quais são estes genes. Mesmo assim, são de fundamental importância para entender o mecanismo de doenças e outras características.
Herança “moral”
Nem só doenças podem ser estudadas em estudos com gêmeos. Aproximadamente 18.000 características já foram avaliadas em gêmeos, desde QI e horas de sono até altura e peso. Até mesmo questões morais tem sido associadas com a genética dos indivíduos. E foi o que um estudo publicado naPsychological Science mostrou.
O grupo de pesquisadores avaliou 8.118 gêmeos e seus irmãos na Finlândia com relação à questões morais sobre sexo e drogas. Os participantes foram examinados quanto a condenação ao uso de drogas recreativas e sexo fora de um relacionamento. O que uma coisa tem a ver com a outra?
Estudos prévios mostram que há associação entre um comportamento moral e outro da mesma natureza. Ou seja, a condenação do uso de drogas e de sexo fora do relacionamento andam juntos (com relação ao conservadorismo, por exemplo). E vice-versa.
O objetivo deste trabalho foi avaliar quanto desta condenação moral é influenciada pela genética do indivíduo. Nas palavras dos autores, “procuramos avaliar até que ponto os efeitos genéticos/ambientais compartilhados e ambientais não compartilhados fundamentam a condenação de drogas recreativas e estratégias sexuais. Além disso, buscamos testar até que ponto a relação entre as duas variáveis reflete efeitos genéticos, ambientais compartilhados ou ambientais não compartilhados semelhantes”.
Os resultados foram, no mínimo, interessantes. As questões avaliadas não se mostraram associadas apenas ao ambiente onde os indivíduos vivem. Então, as semelhanças de opiniões das famílias na condenação de drogas ou na estratégia sexual refletem efeitos genéticos compartilhados em vez de efeitos ambientais compartilhados.
Segundo o trabalho, a genética dos participantes detém maior influência na condenação do uso de drogas recreativas e sexo casual do que a criação dada pelos pais, convívio com os írmãos e status socioeconômico.
Quer números? Os autores observaram que a inclinação moral do indivíduo quanto ao uso de drogas é definida pelos seus genes em 53%, enquanto que as questões sexuais são influenciadas em cerca de 44% pela genética. Além disso, foi observada maior associação entre questões de mesma natureza (por exemplo, abertura ao sexo casual e uso de drogas), sendo este comportamento influenciado em 75% pelos genes.
E isso importa?
De acordo com os resultados deste estudo, “grupos de características comportamentais estão sintonizados com os aspectos hereditários do fenótipo de um indivíduo, resultando na herdabilidade desses grupos de características comportamentais”. Este mecanismo de herança em grupo poderia explicar a estrutura psicológica de algumas culturas ou grupos, levando os indivíduos a adotarem posições que beneficiem a si mesmos (como posição política, morais e coalizões).
Como exemplo do estudo, os autores citam que o uso recreativo de drogas é, normalmente, associado ao sexo sem compromisso. Desta forma, pessoas orientadas a manter relações sexuais dentro de um relacionamento acabam condenando o uso de drogas. Isso se deve ao fato de viverem em um ambiente onde este comportamento é recompensado, logo, o “gene do sexo” se beneficia do “gene do uso de droga” e vice-versa.
Se isso for verdade, significa que estes genes tem um papel fundamental na sociedade. “Partes importantes das questões polêmicas dos confrontos culturais derivam das diferenças nas preferências de estilo de vida entre as pessoas, e essas diferenças nas preferências de estilo de vida parecem ter, em parte, uma base genética”.
Mas a pergunta permanece: poderia a genética ser a responsável pela nossa percepção de certo e errado?
Vamos com calma…
Os resultados do trabalho apresentados podem ser sensíveis e incomodar alguns leitores. Portanto, decidimos deixar um aviso prévio da Equipe WeMEDS. Este é um assunto muito debatido, principalmente entre psicólogos evolucionistas e geneticistas comportamentais. E por mais que o trabalho tenha sido publicado por uma revista renomada, dependemos de outros trabalhos que confirmem estes resultados, antes de adotar esta “verdade”.
Apesar de indicar um papel quase exclusivo dos genes no comportamento dos participantes do estudo, sabemos que o ambiente tem grande influência na genética do indivíduo. Talvez, um exemplo simples possa ser útil. Imagine duas sementes com DNA idêntico (ou muito parecido). Se uma for cultivada em solo fértil e a outra em solo com privação de nutrientes, sem dúvidas haverão diferenças no desenvolvimento de ambas.
Por isso, não é sensato aceitarmos, a partir da leitura deste texto, que nossas escolhas morais são imutáveis, pois são definidas pelo nosso DNA. Nosso bom senso é moldado por influências externas também. Afinal, se fosse definido apenas pelos nossos genes, de onde viria nosso possibilidade de escolhas?
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