O protocolo FAST (Focused Assessment With Sonography for Trauma) é um protocolo desenvolvido para avaliar hemoperitônio e hemopericárdio. É composto por 4 etapas (janelas) de avaliação, que devem ser realizadas pelo médico durante a ultrassonografia do paciente.
FAST e e-FAST: etapas do protocolo
O principal objetivo do protocolo FAST é avaliar pacientes com trauma abdominal fechado, buscando fluido patológico. Realiza-se de forma rápida e não invasiva, a fim de reduzir o tempo até uma intervenção cirúrgica e o tempo de internamento do paciente.
A versão estendida, chamada e-FAST, possui acurácia equivalente, e inclui avaliação pulmonar.
O Protocolo FAST é composto por 4 etapas (ou janelas) de avaliação, que devem ser realizadas pelo médico durante a ultrassonografia do paciente. Utiliza-se um ultrassom com transdutor convexo ou setorial, e avalia-se o pericárdio, e três espaços potenciais dentro da cavidade peritoneal, buscando fluido patológico. O paciente deve estar em decúbito dorsal, ao nível da cintura do examinador.
Janela subxifóide, ou pericárdica
Deve-se iniciar com avaliação logo abaixo do processo xifoide, em orientação transversal. Avaliar as 4 cavidades cardíacas, e a presença de líquido no espaço pericárdico. Utilizar o fígado como janela acústica. Se o paciente estiver colaborativo, sugerir que inspire profundamente e segure, para melhora da imagem.
Como interpretar?
O ultrassom detecta 20 cc de líquido pericárdico. Tamponamento pericárdico ocorre rapidamente com apenas 50 cc a 100 cc.
Hemoperitônio geralmente aparece anecóico ou hipoecóico em comparação com órgãos sólidos adjacentes.
Hemorragia prolongada pode se organizar e se tornar mais ecogênica.
Janela hepatorrenal, ou quadrante superior direito
Deve-se iniciar com avaliação na linha axilar posterior, entre 8ª-11ª costela, em orientação sagital. Avaliar o fígado, o rim direito e a interface entre estes órgãos – bolsa de Morrison.
Hemotórax pode ser visível em bolsa de Morrison.
Também avaliar espaço entre diafragma e hemitórax inferior direito / fígado (esse pode ser utilizado como janela acústica).
O sombreamento das costelas pode obscurecer a imagem, e isso pode ser reduzindo girando a sonda para uma posição oblíqua.
Se o paciente estiver colaborativo, sugerir que inspire profundamente e segure, para melhora da imagem. O conteúdo intra-abdominal inferiormente abaixo das costelas será deslocado, permitindo uma visualização mais completa dos recessos dependentes.
Pneumotórax pode ser visto na presença de líquido na interface entre as pleuras parietal e visceral, quando em avaliação e-FAST.
Janela esplenorrenal, ou quadrante superior esquerdo
Deve-se iniciar com avaliação na linha axilar posterior, entre 6ª-9ª costela, em orientação sagital. Os recessos dependentes são mais posteriores e cefálicos.
Avaliar baço, rim esquerdo e a interface entre estes órgãos. Também avaliar espaço entre diafragma e hemitórax inferior esquerdo / baço. Rolar o paciente para o lado direito pode melhorar as imagens periesplênicas.
Hemotórax pode ser visível em espaços esplenorrenal e subfrênico.
Janela suprapública, ou pélvica.
Iniciar na sínfise púbica, em orientação transversal. Avaliar bexiga, preferencialmente cheia. Avaliar saco de Douglas / bolsa vesico-uterina. Girar a sonda 90 graus pode melhorar as imagens. Realizar varredura caudal e cefálica, para obtenção de imagens completas.
Como interpretar?
Em mulheres em idade reprodutiva, até 50 mL de líquido livre no saco de Douglas é considerado fisiológico. Volumes > 50 mL de líquido livre no saco de Douglas podem ser considerados patológicos.
Não devem ser encontrados líquidos livres no espaço retovesicular em homens.
Quais as vantagens da utilização do protocolo FAST? E quais as limitações?
A utilização do protocolo é rápida, como o próprio nome sugere. Um profissional capacitado realiza em 5 minutos. É um procedimento não invasivo, e reduz o uso desnecessário de técnicas mais invasivas, incluindo aquelas com exposição à radiação, contrastes, tomografia computadorizada.
Ainda, possui alta sensibilidade e alta especificidade, e já foi validado por diversos grupos de pesquisa. Mais de 95% dos centros de trauma de nível 1 utilizam o protocolo. Sua utilização reduz o tempo até a intervenção cirúrgica, bem como o tempo de internação do paciente.
Porém, precisamos destacar algumas limitações. A maior delas é quando o exame não é realizado por um profissional habilitado – radiologista. Estudos indicam que a sensibilidade pode chegar a 20% nestes casos.
Ainda, ascite, diálise peritoneal, cistos ovarianos rompidos e gravidez ectópica pode resultar em falso positivo. Em contrapartida, pacientes com apresentação tardia após trauma podem ter coágulos contendo hemoperitônio, resultando em falso negativo.
A aquisição das imagens pode ser dificultada em pacientes obesos, bem como na presença de gases intestinais ou enfisema subcutâneo. Ainda, é ideal que o paciente esteja de bexiga cheia para avaliação da janela suprapúbica. No entanto, casos de emergência não permitem o preparo do paciente.
Por fim, lembre-se: o uso do FAST / e-FAST não determina conduta de forma isolada – é um complemento. Achados clínicos são necessários! Um exame negativo não exclui lesão.
O que fazer depois das análises pelo protocolo FAST?
Lembrando: os achados da ultrassonografia não devem, isoladamente, determinar a decisão de intervenção cirúrgica! Sempre considerar a clínica do paciente. Dito isso, sugere-se, a partir das seguintes questões:
O paciente apresenta líquido na cavidade pericárdica?
Sim: é necessário intervir cirurgicamente. Se o paciente estiver estável, sugere-se esternotomia mediana. Se o paciente estiver instável, sugere-se toracotomia ântero-lateral esquerda.
Não: sugere-se acompanhamento rigoroso.
Talvez: sugere-se nova imagem / janela pericárdica ou ecocardiografia transtorácica (ETT).
O paciente apresenta líquido na cavidade abdominal?
Sim: Se o paciente estiver estável, sugere-se tomografia computadorizada. Se o paciente estiver instável, sugere-se laparotomia exploratória.
Não: Se o paciente estiver estável, sugere-se tomografia computadorizada, acompanhamento rigoroso ou alta, a critério médico. Se o paciente estiver instável, e houver suspeita clínica de sangramento intra-abdominal, sugere-se realizar aspiração peritoneal diagnóstica.
Talvez: Se o paciente estiver estável, sugere-se tomografia computadorizada. Se o paciente estiver instável, sugere-se realizar aspiração peritoneal diagnóstica.
Sempre que necessário, repetir o FAST. Inclusive, sugere-se repetir enquanto o paciente / médico se prepara para a aspiração peritoneal diagnóstica.
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Referências:
Rozycki GS, Ochsner MG, Jaffin JH, Champion HR. Prospective evaluation of surgeons’ use of ultrasound in the evaluation of trauma patients. J Trauma. 1993 Apr;34(4):516-26; discussion 526-7. doi: 10.1097/00005373-199304000-00008. PMID: 8487337.
Rozycki GS, Ballard RB, Feliciano DV, Schmidt JA, Pennington SD. Surgeon-performed ultrasound for the assessment of truncal injuries: lessons learned from 1540 patients. Ann Surg. 1998 Oct;228(4):557-67. doi: 10.1097/00000658-199810000-00012. PMID: 9790345; PMCID: PMC1191535.
Bloom BA, Gibbons RC. Focused Assessment With Sonography for Trauma. [Updated 2023 Feb 5]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470479/