Cabo de guerra há mais de 10 anos: a utilização de psicotrópicos anorexígenos no emagrecimento

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A discussão sobre as vantagens e desvantagens da utilização de substâncias psicotrópicas anorexígenas no tratamento da obesidade e para emagrecimento vem acontecendo de maneira acalorada há mais de uma década. Em cada ponta desse cabo de guerra, aparecem profissionais da saúde, conselhos de medicina, órgãos regulatórios e instituições governamentais.

Conselho Federal de Medicina vs ANVISA

Mais um episódio dessa discussão veio à tona no dia 14 de outubro, após o Superior Tribunal Federal (STF) derrubar uma lei sancionada em 2017, pelo então presidente da república em exercício, Rodrigo Maia. Essa lei visou a liberação da produção, prescrição e comercialização de mazindol, sibutramina, anfepramona e femproporex, remédios inibidores de apetite, mediante receita especial B2.

Naquele momento, em uma ponta da corda estava o Conselho Federal de Medicina (CFM), apoiando a decisão de Rodrigo Maia, alegando que a medida foi correta, para dar autonomia aos profissionais de saúde que queiram prescrever.

Na outra ponta, estava a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), defendendo que esse não seria o papel do Congresso, e sim da própria agência, que tem como objetivo regular todos os aspectos da produção e comercialização de medicamentos no Brasil. Em 2011, a ANVISA proibiu a comercialização desses medicamentos por ausência de dados de eficácia e segurança, permitindo apenas a sibutramina mediante receituário especial.

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Durante esses anos, o debate continuou e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) entrou com uma ação contra essa lei, baseando-se no risco que a liberação desses medicamentos poderia representar para a saúde. Como resultado dessa ação, por 7 votos a 3, o STF determinou que o Congresso, de fato, não pode passar por cima das decisões da ANVISA (como feito em 2017) e que a Lei sancionada em 2017 é inconstitucional.

Independentemente das decisões das instituições, essa é uma discussão que ainda parece longe de terminar.

 

MAS POR QUÊ TANTA DISCUSSÃO SOBRE ESSES MEDICAMENTOS?

A obesidade, quadro caracterizado pelo acúmulo de gordura no corpo dos pacientes, tem como fundamento básico o desbalanço energético, onde o gasto é menor do que o consumo.

O estilo de vida atual, com maiores índices de sedentarismo e maior acesso à alimentos calóricos, tem contribuído consideravelmente. Porém, não é a única causa da obesidade, uma vez que algumas patologias também podem resultar nesse quadro.

Falamos um pouco sobre a obesidade no cenário da COVID-19 em um post anterior. Vale a pena conferir.

A obesidade é considerada uma questão de saúde em todo o globo. Segundo a OMS, até 2025 estima-se que 1 bilhão de pessoas será obesa (e 177 milhões serão gravemente afetados por esse quadro).

Atualmente, o Brasil se encontra entre os 100 primeiros países com maior índice de obesidade. A fim de controlar e reduzir esse quadro, muito se discute sobre os malefícios da obesidade e as comorbidades que podem surgir em decorrência dela, o que justifica a busca dos especialistas por solução.

Somado a isso estão os padrões de beleza impostos atualmente e a imersão nas redes sociais da maioria da população, que gera uma grande pressão pelo emagrecimento, por razões também estéticas aumentou. Essa pressão recai em todos, profissionais de saúde e pacientes.

O que por vezes justifica a busca e utilização de substâncias que resolveriam o quadro no menor tempo possível e, por vezes, de maneira descontrolada.

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Dentre as substâncias envolvidas nesse cabo de guerra estão a sibutramina, a anfepramona, o femproporex e o mazindol, todos considerados inibidores de apetite derivados de anfetamina.

SIBUTRAMINA

A sibutramina é a que gera maior discussão, já que as opiniões e os dados são mais divididos quando se trata da relação risco-benefício (e bom, há mais dados disponíveis quando comparado aos outros medicamentos!).

Essa substância é um inibidor da recaptação de norepinefrina e serotonina, sendo utilizada primeiramente como um antidepressivo, porém não foram observadas melhoras no quadro depressivo dos pacientes, apenas ficou claro o emagrecimento deles ao aumentar a saciedade e reduzir o apetite. A partir de então, os olhos do mundo se voltaram para esses efeitos da sibutramina.

Sua prescrição e comercialização foram permitidas nos Estados Unidos de 1997 a 2010, quando estudos clínicos apontaram para o aumento da probabilidade de o paciente em tratamento com esse anorexígeno ser acometido por infarto do miocárdio ou doenças cerebrovasculares.

Em 2011, seguindo essa onda, a ANVISA reavaliou os registros desse medicamento e manteve a comercialização da sibutramina com receituário especial, enquanto proibiu o mazindol, a anfepramona e o fempropex

Os estudos com a sibutramina apontam principalmente para os riscos cardiovasculares da sibutramina, já que pode causar arritmias, aumentar a frequência e o fluxo cardíacos, resultando no aumento da pressão arterial. Essas alterações, também impactam de maneira significativa na probabilidade de ocorrência de acidentes vasculares cerebrais.

Além desses efeitos colaterais, outros eventos adversos menos frequentes são relatados na literatura e que alimentam a discussão sobre a prescrição desse remédio, como desenvolvimento de ideação suicida, mania, psicose, ansiedade, parestesia, delírios, insônia entre outros.

Em conjunto, a sibutramina pode trazer mais benefícios do que riscos, porém sua prescrição deve ser bastante pensada, levando-se em contas todos os fatores de risco para o paciente. Por esse motivo, de acordo com a ANVISA o receituário de sibutramina segue sendo de controle especial.

 

MAZINDOL, ANFEPRAMONA E FEMPROPOREX

Esses três medicamentos foram proibidos pela ANVISA em 2011, uma vez que as farmacêuticas que possuíam registros não mostraram dados suficientes sobre a eficácia e segurança desses anorexígenos. Também não há na literatura estudos clínicos com dados mais enriquecedores para essa discussão.

Apesar de exibirem resultados parecidos (inibição do apetite), os mecanismos de ação diferem.

A anfepramona e o femproporex aumentam a transmissão noradrenérgica, ao inibir a recaptação de noradrenalina e estimulando a liberação de noradrenalina, respectivamente. Já o mazindol age inibindo a recaptação de mais de um neurotransmissor: noradrenalina e dopamina, além de agir inibindo a absorção de glicose e a liberação de ácido gástrico.

Inicialmente desenvolvido para a narcolepsia, a anfepramona também reduziu a fome dos pacientes, momento no qual passou a ser indicada como medicamento anti-obesidade. Já o femproporex, costumava ser indicado para pacientes que não respondiam ao tratamento com sibutramina.

Por atuarem no aumento da transmissão noradrenérgica, os principais efeitos adversos desses medicamentos são relacionados ao sistema cardiovascular. E assim como a sibutramina, podem promover dependência. Além disso, podem gerar alterações neuro-comportamentais, levar à convulsões e episódios psicóticos, depressão, mialgia, entre outros.

O mazindol foi introduzido no mercado farmacêutico brasileiro em 1999, e como já vimos, foi retirado de circulação pela ANVISA em 2011, recolocado pelo Congresso em 2017 e retirado novamente pelo STF em outubro de 2021 com o apoio da ANVISA.

Sua utilização em pacientes cardíacos é bastante controversa, uma vez que interage com as vias catecolaminérgicas, e assim como os outros medicamentos vistos até aqui, pode causar palpitações e alterações neuro-comportamentais.

Portanto, mediante esses efeitos colaterais já conhecidos e a falta de dados sobre eficácia e segurança desses medicamentos, mais discussões devem ser realizadas e, para a ANVISA, se torna mais seguro retirá-los de circulação até que novas evidências mostrem o contrário.

 

ATENÇÃO!

Por fim, vale ressaltar que a utilização de anorexígenos com ação central, como os vistos aqui, mesmo quando liberados não devem ser utilizados a longo prazo, pelos graves efeitos colaterais e de dependência.

Sabendo que a obesidade pode ser multifatorial, é importante frisarmos aqui que, a primeira estratégia ao tratar desses pacientes deve ser sempre a busca pelos fatores que estão levando o paciente à obesidade. Não sendo consequência de alguma patologia, a mudança no estilo de vida e hábitos deve ser priorizada.

Priorizar a melhora na alimentação e o incentivo à realização de atividades físicas, não é interessante apenas para evitar os possíveis riscos aos quais os pacientes são submetidos quando em farmacoterapia, mas por serem importantes aliados na promoção da saúde física e mental do paciente.

Portanto, recomenda-se que o tratamento medicamentoso para emagrecimento seja feito apenas quando a vida do paciente se encontra em risco ou quando a estratégia de estilo de vida não surte os resultados desejados.

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Referências:

Sibutramina e remédios para emagrecer: entenda

STF decide que é inconstitucional lei que liberou remédios contra obesidade.

WHO. Obesity and overweight.

Ranking (% obesity by country)

James WPT, Caterson ID, Coutinho W, et al. Effect of sibutramine on cardiovascular outcomes in overweight and obese subjects. N Engl J Med. 2010

Duarte et al (2020). Uso de anfepramona, femproporex, mazindol e sibutramine no tratamento de pacientes com sobrepeso ou obesidade: análise farmacológica e clínica. International Journal of Health Management Review, v. 6, n. 2, 2020.

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