Opioides para Crianças e Adolescentes: Novas diretrizes da Academia Americana de Pediatria

Opioides para Crianças e Adolescentes

A Academia Americana de Pediatria (AAP) recentemente publicou a primeira diretriz abrangente sobre o manejo de dor aguda com uso de opioides para crianças e adolescentes.

Este documento é um marco na prática pediátrica, fornecendo orientações detalhadas para a prescrição de opioides, com o objetivo de garantir a segurança e eficácia no tratamento da dor, ao mesmo tempo em que minimiza os riscos associados a essa classe de medicamentos.

A publicação surge em um contexto de crescente preocupação com os danos causados pela crise de opioides, evidenciando a necessidade de um uso mais rigoroso e controlado do uso de opioides na pediatria.

Opioides para Crianças e Adolescentes: Avaliação da Dor e Monitoramento Adequado

A avaliação adequada da dor é um dos componentes centrais para a prescrição segura de opioides para crianças. As diretrizes ressaltam a importância de avaliar a dor de maneira criteriosa utilizando escalas apropriadas para cada faixa etária.

Para crianças menores de 7 anos, por exemplo, a Escala de Faces de Wong-Baker e a Escala de Comportamento de Dor para Lactentes e Crianças Pequenas são sugeridas, enquanto para adolescentes, o uso da escala numérica de 0 a 10 é mais indicado.

O manejo da dor em crianças e adolescentes deve ser sempre baseado em uma avaliação contínua, monitorando tanto a eficácia do tratamento quanto os efeitos adversos dos opioides, como a depressão respiratória e a constipação.

Além disso, a AAP recomenda monitoramento regular após a alta hospitalar, especialmente em crianças que passaram por cirurgias complexas ou trauma significativo. A reavaliação da dor e do uso de medicamentos deve ser feita em consultas de acompanhamento, para garantir que o uso de opioides seja interrompido assim que a dor esteja sob controle e que alternativas analgésicas possam ser consideradas.

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Abordagem Multimodal no Manejo da Dor

A AAP reforça que a abordagem multimodal deve ser prioritária no manejo da dor aguda em crianças e adolescentes. Isso implica na utilização de uma combinação de terapias não farmacológicas e de medicamentos não opioides antes de considerar a prescrição de opioides.

Os opioides para crianças e adolescentes devem ser reservados para situações onde as alternativas não apresentem alívio adequado.

A abordagem recomendada inclui:

  • Técnicas de Relaxamento: Estratégias como meditação, respiração profunda e relaxamento muscular progressivo são eficazes na redução da percepção da dor e na promoção do bem-estar emocional.
  • Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): A TCC é uma ferramenta valiosa para ajudar as crianças a desenvolverem habilidades de enfrentamento da dor, através de reestruturação cognitiva e estratégias de modulação emocional.
  • Fisioterapia: A mobilização física orientada e os exercícios específicos visam reduzir a dor musculoesquelética e melhorar a função física.
  • Aplicação de Calor ou Frio: O uso de compressas quentes ou frias pode ser uma intervenção simples e eficaz para reduzir a inflamação e aliviar a dor local.

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Entre os medicamentos não opioides, destacam-se:

  • Paracetamol (Acetaminofeno): Recomendado para dor leve a moderada, com uma dose de 10-15 mg/kg a cada 4-6 horas, respeitando os limites de dose diária.
  • Anti-inflamatórios Não Esteroides (AINEs): Medicamentos como ibuprofeno (5-10 mg/kg a cada 6-8 horas) ou naproxeno (5-7 mg/kg a cada 12 horas) são indicados para dor inflamatória, com a vantagem de além de analgésicos, também atuarem na redução da inflamação.

 

Prescrição Segura de Opioides para Crianças e Adolescentes

Quando a prescrição de opioides para crianças e adolescentes se torna necessária, a AAP recomenda o uso de formulações de liberação imediata, com a menor dose eficaz adaptada à idade, peso e necessidades do paciente.

A duração do tratamento deve ser limitada a cinco dias, com monitoramento contínuo dos sinais vitais e da intensidade da dor. Em casos de trauma ou cirurgias de maior porte com dor prolongada, pode ser necessária uma duração maior de uso, sempre sob vigilância rigorosa.

A prescrição de codeína e tramadol é expressamente contraindicada para crianças menores de 12 anos, adolescentes com obesidade, apneia obstrutiva do sono, doenças pulmonares graves ou para qualquer paciente em amamentação devido ao risco elevado de depressão respiratória e morte.

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Doses Recomendadas de Opioides na Pediatria

As doses de opioides devem ser ajustadas conforme o peso e as condições clínicas do paciente. As diretrizes recomendam as seguintes dosagens para opioides comumente utilizados em ambiente pediátrico:

  • Morfina: 0,2 a 0,5 mg/kg por via oral a cada 4-6 horas ou 0,05 a 0,1 mg/kg por via intravenosa (IV) a cada 2-4 horas.
  • Oximorfona: 0,1 a 0,2 mg/kg por via oral a cada 4-6 horas.
  • Hidromorfona: 0,03 a 0,08 mg/kg por via oral a cada 4-6 horas ou 0,015 mg/kg IV a cada 3-4 horas.
  • Fentanil: 1-2 mcg/kg IV a cada 30-60 minutos, especialmente útil em pacientes em ambientes hospitalares de cuidados intensivos ou após grandes cirurgias.

 

Indicações para Uso de Opioides em Crianças e Adolescentes

Os opioides na pediatria podem ser usados para manejo da dor pós-operatória severa, especialmente após cirurgias maiores, em casos de trauma severo para controle imediato da dor, e em situações de dor crônica severa, como em pacientes com câncer.

É essencial monitorar continuamente os sinais vitais e o nível de dor do paciente para ajustar a dose conforme necessário, além de informar os cuidadores sobre os riscos dos opioides, sinais de overdose e a importância de seguir a prescrição corretamente.

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Riscos do Uso de Opioides na Pediatria

O uso prolongado de opioides em crianças e adolescentes envolve riscos substanciais, incluindo o desenvolvimento de transtorno por uso de opioides (OUD), overdose acidental e impactos negativos no desenvolvimento neurológico e psicológico. Os fatores que aumentam esses riscos incluem:

  • Metabolismo Variável de Codeína e Tramadol: A codeína e o tramadol são metabolizados pela enzima CYP2D6 no fígado. Em crianças, a atividade dessa enzima pode variar significativamente, aumentando o risco de metabolização rápida e consequente conversão de codeína em morfina em níveis tóxicos, o que pode levar a depressão respiratória grave e até morte.
  • Obesidade e Apneia Obstrutiva do Sono: Crianças e adolescentes com essas condições têm risco aumentado de depressão respiratória devido à redução da função pulmonar, com risco de complicações graves quando expostos a opioides.
  • Doenças Pulmonares Graves: Pacientes com doenças pulmonares preexistentes, como asma grave ou bronquite crônica, estão particularmente vulneráveis à depressão respiratória induzida por opioides.

Além disso, é essencial que os clínicos tenham cautela na prescrição de opioides para crianças e adolescentes em uso concomitante de sedativos, como benzodiazepínicos, devido ao risco aumentado de depressão respiratória e sedação excessiva.

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Overdose por Uso de Opioides na Pediatria

Em caso de overdose de opioides em crianças, os sinais podem incluir depressão respiratória, sedação excessiva, pupilas contraídas, cianose, hipotensão e bradicardia. A primeira ação deve ser chamar ajuda médica de emergência imediatamente.

A administração de naloxona é recomendada para reverter os efeitos da overdose. A naloxona pode ser administrada por via intranasal ou intramuscular, com uma dose inicial de 0,4 a 2 mg, podendo ser repetida a cada 2 a 3 minutos, se necessário, até um máximo de 10 mg.

Se a respiração estiver comprometida, deve-se iniciar a ventilação assistida com máscara e bolsa (ambu) até a chegada da equipe de emergência. É essencial monitorar continuamente os sinais vitais do paciente, incluindo frequência respiratória, frequência cardíaca e nível de consciência.

A diretriz enfatiza a importância de educar os cuidadores e familiares sobre os sinais de overdose em crianças e o uso correto da naloxona. Isso inclui treinamento sobre administração de naloxona, armazenamento seguro de medicamentos e desenvolvimento de um plano de ação de emergência.

Após a reversão de uma overdose, o paciente deve ser avaliado por um profissional de saúde para monitorar possíveis complicações e ajustar o plano de manejo da dor. É importante considerar o encaminhamento para apoio psicológico ou psiquiátrico, especialmente se houver suspeita de uso indevido de opioides. Além disso, é crucial revisar e ajustar o plano de tratamento da dor para minimizar o risco de futuras overdoses, incluindo a consideração de alternativas não opioides.

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Riscos de Dependência e Abuso em Adolescentes

Embora a dependência de opioides em crianças mais jovens seja relativamente rara, o risco de dependência e abuso é significativamente maior entre adolescentes, especialmente quando a medicação é usada por períodos prolongados ou de maneira inadequada.

Estudos mostram que adolescentes com histórico de abuso de substâncias ou transtornos psiquiátricos têm maior risco de desenvolver transtornos por uso de substâncias devido ao uso indevido de opioides. Por essa razão, a AAP recomenda cautela extrema na prescrição de opioides para essa faixa etária, priorizando terapias alternativas e abordagens não farmacológicas sempre que possível.

 

Estratégias para Minimizar Riscos dos Opioides para Crianças e Adolescentes

A AAP enfatiza a educação dos pais e cuidadores sobre os riscos e o manejo adequado dos opioides para crianças e adolescentes, incluindo o reconhecimento de sinais precoces de abuso ou overdose.

Os responsáveis devem ser instruídos sobre o armazenamento seguro dos medicamentos, a quantidade exata de doses prescritas e a duração do tratamento, além de serem orientados a buscar ajuda médica imediatamente caso notem sinais de intoxicação ou outros efeitos adversos graves.

Ademais, a prescrição cautelosa é destacada nas diretrizes, com a recomendação de que os opioides sejam administrados na menor dose eficaz, por um período limitado. Em situações em que o uso de opioides seja inevitável, os médicos devem considerar ajustes de dosagem para cada paciente, especialmente em casos de insuficiência renal, doenças respiratórias crônicas ou distúrbios metabólicos.

A AAP também sugere que os profissionais de saúde usem sistemas de alerta em prontuários eletrônicos para monitorar a quantidade de opioides prescritos e garantir que não haja uso excessivo ou não autorizado.

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Benefícios da Nova Diretriz da AAP para Prescrição de Opioides na Pediatria

A nova diretriz da AAP para uso de opioides em crianças e adolescentes ajuda a minimizar os riscos de OUD, overdose e outros efeitos adversos, promovendo práticas de prescrição mais seguras e informadas. Ao abordar disparidades no tratamento da dor, as diretrizes garantem que todas as crianças, independentemente de raça ou etnia, recebam um tratamento adequado e oportuno.

A ênfase na educação dos cuidadores e no monitoramento contínuo pode prevenir complicações e melhorar os resultados do tratamento. Promovendo o uso de terapias não farmacológicas e medicamentos não opioides, as diretrizes incentivam uma abordagem mais holística e menos dependente de opioides para o manejo da dor.

Além disso, a diretriz destaca a importância de enfrentar as disparidades na analgesia relacionadas a fatores como etnia, idioma, condição socioeconômica e localização geográfica. Crianças negras, hispânicas e indígenas americanas/alaska nativas frequentemente recebem tratamento inadequado e menos oportuno em comparação com crianças brancas. A AAP recomenda que os clínicos estejam atentos a essas disparidades e busquem fornecer um tratamento equitativo.

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Referências:

Hadland, S. E., Agarwal, R., Raman, S. R., Smith, M. J., Bryl, A., Michel, J., Kelley-Quon, L. I., Raval, M. V., Renny, M. H., Larson-Steckler, B., Wexelblatt, S., Wilder, R. T., & Flinn, S. K. (2024). Opioid Prescribing for Acute Pain Management in Children and Adolescents in Outpatient Settings: Clinical Practice Guideline. Pediatrics, e2024068752. Advance online publication. https://doi.org/10.1542/peds.2024-068752

 

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Estudante de Medicina na Universidade de Rio Verde Campus Aparecida de Goiânia desde 2020/2. Diretora do Centro Acadêmico (2021-22). Fundadora da Liga Acadêmica de Cirurgia Plástica (2021-22), Liga Acadêmica de Otorrinolaringologia (2022-23), Liga Acadêmica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (2023-24) e da Liga Acadêmica de Nefrologia (2023-24). Diretora na Federação Internacional dos Estudantes de Medicina do Brasil (2022-24). Participante do Programa de Extensão Educacional em Saúde Integral da Criança e do Adolescente (2023-24). Participante do Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica (2023-24). Diretora do Programa de Extensão Educacional em Saúde Integral da Criança e do Adolescente (2024-25).

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