O papel das superstições na prática médica

Embora a medicina seja uma ciência baseada em evidência, encontramos algumas contradições nesse sentido, como médicos que costumam realizar superstições e rituais antes de exercer seu trabalho. Mas qual a razão das superstições na prática médica acontecerem com tanta frequência?

Por que o ser humano gosta tanto de superstições e rituais?

De acordo com o psicólogo americano Stuart Vyse, ex-professor da Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, uma possível definição de superstição seria “crer em algo que é incompatível com a ciência, e que possua um objetivo secreto por trás de cada gesto. Por exemplo, bater três vezes na madeira para não ter azar”.

As superstições são muito antigas, sendo que eram consideradas como “religiões ruins”. A palavra vem do latim superstitio, que significa “ter muito medo dos deuses”. Entretanto, durante o Iluminismo, esse conceito passou a ser encarado como uma “ciência ruim”, ao invés de uma “religião ruim”. Todos os credos mágicos, que não faziam sentido racional, eram tidos como superstição.

 

E por que o ser humano é tentado a ter superstições?

As superstições surgem em situações em que o resultado é incerto. Nessas circunstâncias, se você se engaja num ritual, isso pode trazer uma sensação de alívio. Na psicologia, esse conceito é chamado de “ilusão de controle”.

Em certos contextos, a execução de uma superstição pode ser encarada como um ritual realizado em um momento de ansiedade, que preenche o tempo e aumenta o foco na atividade que será executada. Dessa maneira, apesar de não haver evidências científicas, a superstição poderia até melhorar a performance, devido a esse benefício psicológico.

superstições

Superstições na prática médica são “inofensivas”?

Na maioria dos casos, as superstições vistas na área da medicina são inofensivas. Temos vários exemplos curiosos, como médicos que realizam longos rituais antes de algum procedimento.

A coloproctologista Dra. Carmen Fong (Nova York), tem um ritual pré-cirúrgico de quase duas horas: “Eu acordava no mesmo horário todos os dias, colocava dois ovos cozidos e uma garrafa térmica com café em uma pequena bolsa de couro, caminhava para o trabalho pelo mesmo trajeto e entrava no setor pré-operatório enquanto acenava para a recepção. [Em seguida], eu conversava com o paciente, assinava o termo de consentimento com a mesma caneta esferográfica, subia para o meu consultório, colocava meu pijama cirúrgico [mesma touca e calçados], ligava meu computador e tomava um gole de café antes de voltar para a sala de cirurgia. Eu sempre retirava o meu crachá e o colocava perto do posto de trabalho da enfermagem. Em seguida, eu mesma colocava os aparelhos de compressão pneumática no paciente e segurava a máscara de oxigênio enquanto dizia ‘até mais’. Nunca dizia ‘vai ficar tudo bem’ ou ‘durma bem’. Sempre ‘até mais’.”

De acordo com a médica, a realização desse ritual a acalmava e fazia com que ela sentisse uma certa noção de controle.

superstições na prática médica

Qual o problema com o número 13?

As superstições vão além de rituais realizados por profissionais médicos: estão presentes até na infraestrutura dos hospitais. Por exemplo, todas as salas de cirurgia no segundo andar do Lehigh Valley Hospital, nos Estados Unidos, são numeradas sequencialmente, exceto a que deveria ser a de número 13, que é chamada de “sala M”.

A letra não está relacionada a “maternidade” ou a alguma outra especialidade médica; o único objetivo da mudança nesse centro de saúde de última geração foi “afastar o azar e os maus espíritos”.

Assim como prédios mais altos geralmente não têm o 13º andar ou hotéis não têm o quarto de número 13. Isso gira em torno da superstição comum sobre o azar associado ao número 13”, disse um porta-voz do hospital.

Nos EUA, em salas de cirurgia, prontos-socorros, consultórios médicos de cidades pequenas e até em grandes hospitais existe um certo pavor antes de luas cheias e sextas-feiras 13.

superstição 13

Além disso, ninguém ousa dizer a frase “Hoje está bastante tranquilo”: segundo os supersticiosos, essa expressão poderia atrair azar e a pessoa que falou ganharia a fama de ser um “pé frio”. Da mesma forma, curiosamente, as músicas “Stairway to Heaven” (tradução “escadaria para o céu”) ou “Another One Bites the Dust” (tradução “mais um bate as botas”) jamais são ouvidas em salas de espera, elevadores ou salas de cirurgia.

 

Devemos nos responsabilizar por nossas ações!

Na maioria das vezes, as superstições não fazem mal algum. Entretanto, é necessário ter um olhar mais atento em indivíduos com algum padrão compulsivo/obsessivo. Tais comportamentos supersticiosos são associados com uma menor flexibilidade e adaptação, o que pode ser prejudicial em algumas esferas da vida.

Por fim, como estamos falando de rituais realizados por profissionais de saúde, não podemos deixar de destacar: as superstições podem ser uma forma de escapar das responsabilidades. Um procedimento que levou ao óbito de um paciente numa sexta feira 13 não pode ser justificado como “mal agouro”, por exemplo.

superstições na medicina

Referências

Por que tantos médicos adotam superstições e rituais? – Medscape – 5 de abril de 2024.  Disponível em: https://portugues.medscape.com/verartigo/6510924#vp_1.

VEJA SAÚDE. Biernath, A. Entrevista: as superstições mexem com saúde (para o bem e para o mal). 2020. Disponível em: https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/entrevista-as-supersticoes-mexem-com-a-saude-para-o-bem-e-para-o-mal

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