Impressões digitais: um novo biomarcador para esquizofrenia?

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Já imaginou desbloquear seu celular com sua impressão digital e receber uma notificação que as chances de você desenvolver esquizofrenia são mais altas que da população em geral?

Um estudo recente propôs que, digitalmente falando, suas impressões podem dizer muito sobre você – e isso inclui o risco de doenças neuropsiquiátricas.

Mas o quanto isso é relevante clinicamente?

Qual é a ligação entre os dermatóglifos e o desenvolvimento neural?

Nas semanas 6 a 24 de gestação, os dermatóglifos (impressões digitais) se desenvolvem em paralelo com os processos de migração neural. Também é conhecido o impacto que a herdabilidade e o ambiente intrauterino desempenham no desenvolvimento do sistema nervoso central e dos dermatóglifos.

É só juntar as duas coisas: devido a sua origem ontogenética comum no ectoderma, alterações pré-natais no desenvolvimento do sistema nervoso central (sejam elas genéticas ou ambientais) também podem ser refletidas como anormalidades nos padrões da pele dos dedos.

E como estas alterações pré-natais têm sido sugeridas como possíveis causas para a esquizofrenia, os padrões digitais anormais poderiam ser bons indicadores de alterações neurais.

Outra vantagem é que as impressões digitais se tornam estáveis após a gestação durante toda a vida. E como elas “estavam lá” com o sistema nervoso central em formação, podem ser consideradas como marcadores indiretos de alterações no neurodesenvolvimento inicial.

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Os padrões individuais podem indicar alterações de desenvolvimento?

Não é de hoje que pesquisadores tentam identificar padrões nas impressões digitais que possam indicar alterações no desenvolvimento neural pré-natal e, consequentemente, aumentar o risco de desenvolvimento de transtornos. Mas talvez seja de hoje que os dados desta natureza representam um número amostral significativo.

Vamos lá:

A ideia de que anormalidades dermatoglíficas representem, em parte, o impacto dos insultos pré-natais e auxiliem no entendimento do momento e da natureza do desenvolvimento inicial foi proposta no século passado.

Da mesma forma foi entendida a sobreposição entre os eventos de desenvolvimento dos dermatóglifos e do sistema nervoso central. E isso levou a uma quantidade significativa de pesquisas em busca de alterações dermatoglíficas em pacientes com esquizofrenia.

De forma geral, os estudos tiveram um tamanho amostral moderado ou pequeno, o que dificulta a observação de resultados concretos. Assim, grande parte não obteve êxito em entender se esta associação existe ou não, gerando resultados negativos ou conflitantes. Além disso, as técnicas empregadas não tinham a capacidade de análise necessária para padrões tão complexos como as impressões digitais.

Entretanto, a tecnologia tem avançado significativamente na capacidade de analisar padrões de dados complexos, especialmente com o uso de técnicas de deep learning redes neurais convolucionais (CNN).

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O auxílio das novas tecnologias na análise de impressões digitais em pacientes com esquizofrenia

deep learning é uma abordagem baseada em redes neurais que permite ao computador aprender e melhorar a partir de grandes quantidades de dados, enquanto as CNNs são especificamente projetadas para lidar com dados multidimensionais, como imagens.

E essas novas tecnologias permitiram avaliar imagens de impressões digitais de uma grande amostra, incluindo indivíduos com diagnóstico de psicose não afetiva e indivíduos saudáveis, e identificar padrões distintos entre os grupos com uma acurácia de 70%.

Este novo estudo, publicado no final do ano passado, utilizou uma amostra inicial de 612 pacientes com diagnóstico de esquizofrenia (N = 544) e de transtorno esquizoafetivo (N = 68) de acordo com os critérios do DSM-IV.

Posteriormente, uma segunda amostra de N = 844 controles saudáveis também foi recrutada, excluindo possíveis participantes com parentes de primeiro grau com diagnóstico de psicose.

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Como foi feito o estudo?

Todos os dedos dos participantes foram digitalizados com um scanner e processados para melhoria da qualidade, aplicando-se um filtro para minimizar descontinuidades. Em seguida, foi feita inspeção visual para descartar imagens com cicatrizes e anormalidades após a filtragem.

Imagens com dedos estendendo-se além da primeira prega foram cortadas e as margens foram ampliadas para ter tamanhos iguais para atender aos requisitos dos algoritmos de aprendizado profundo.

Os pesquisadores aplicaram dois modelos às imagens: um modelo preditivo baseado em imagens de um único dedo e um modelo preditivo em redes combinando informações de vários dedos. Ambos os modelos se mostraram relativamente precisos, com uma acurácia de 68% para o modelo de um único dedo e 70% para o modelo de vários dedos.

Estes valores de acurácia, embora moderados/altos, não têm grande utilidade na clínica. Em termos simples, ainda há margem de erro em 30% dos casos, um grande percentual para um diagnóstico tão importante.

Então, este estudo não serve para nada? Não é bem assim…

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Novos direcionamentos

Vamos recapitular: os dermatóglifos seriam bons marcadores do estado gestacional do indivíduo, certo? Logo, o desenvolvimento de padrões está restrito ao período da gestação.

Ou seja, são ótimos marcadores do estado pré-natal, mas péssimos marcadores do período posterior ao nascimento. Desta forma, mesmo que haja fortes evidências para o efeito de tais fatores, existem muitos outros processos que ocorrem mais tarde na vida que também demonstraram aumentar o risco de esquizofrenia.

Assim, apesar da acurácia máxima de 70% não ser o suficiente para um diagnóstico preciso, as imagens das impressões digitais ainda podem ser valiosas, especialmente se combinadas com outras fontes de informação como dados genéticos e de imagens cerebrais, que já mostraram ser capazes de prever a esquizofrenia. Mas tudo isso teria que ser avaliado em conjunto.

Outro ponto relevante é a própria medida de qualidade: a acurácia. Uma boa métrica para um próximo estudo pode ser o valor preditivo positivo, que calcula a probabilidade de um indivíduo classificado como paciente pelo modelo ser realmente um paciente.

Embora não seja muito relevante em condições como a esquizofrenia (que se manifesta em cerca de 1% da população geral), esta métrica tem grande utilidade clínica em populações de risco, como grupos de indivíduos com sintomas prodrômicos ou com alto risco genético para esquizofrenia.

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Pensamentos finais

Em geral, o uso de tecnologias de análise avançadas, como as CNNs, na medicina é uma área em constante evolução e expansão. Este trabalho é um exemplo da forma como a utilização de tais tecnologias pode levar a avanços significativos na compreensão e no diagnóstico de doenças.

Embora o trabalho não tenha obtido o resultado esperado, serviu para mostrar o poder de análise que estamos alcançando, permitindo que dados cada vez mais complexos possam ser utilizados para encontrar padrões em grupos de pacientes e grupos controles, por exemplo.

Ainda assim, é importante lembrar que as tecnologias, por si só, não são a solução para todos os problemas médicos, e é preciso considerar cuidadosamente como elas se complementam com outras fontes de informação e com o conhecimento clínico para obter os resultados mais eficazes e precisos.

Referências:

Salvador R, García-León MÁ, Feria-Raposo I, et al. Fingerprints as Predictors of Schizophrenia: A Deep Learning Study [published online ahead of print, 2022 Nov 29]. Schizophr Bull. 2022;sbac173. doi:10.1093/schbul/sbac173

Golembo-Smith S, Walder DJ, Daly MP, et al. The presentation of dermatoglyphic abnormalities in schizophrenia: a meta-analytic review. Schizophr Res. 2012;142(1-3):1-11. doi:10.1016/j.schres.2012.10.002

 

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