Cientistas descobrem os mecanismos e a importância do esquecimento na aquisição de memória

Memória, aprendizado e esquecimento

Conforme nos desenvolvemos, codificamos informações por meio do processo de aprendizado, formando memórias que permitem nosso comportamento adaptativo e promovem nossa sobrevivência.

Essas informações são armazenadas por meio de mecanismos de plasticidade neuronal, alterando os substratos biológicos no cérebro, e as mudanças duradouras resultantes são conhecidas como traços de memória.

Os traços de memória envolvem mudanças em vários níveis de organização neural, sinapses e conjuntos neuronais. E como sabemos, nem todas as memórias são mantidas igualmente; muitas são esquecidas ao longo do tempo. Em termos técnicos, o esquecimento é a redução da capacidade de recuperação de informações. Agora, há um fracasso na tentativa de encontrar a informação, que   antes foi codificada com sucesso pelo sistema de aprendizagem.

Diversos estudos mostram que o processo de esquecimento assume uma curva praticamente universal (a curva de Ebbinghaus): após a aquisição, há um rápido declínio no desempenho da memória, seguido por um longo decaimento lento. E faz sentido! Não é toda a aquisição de conhecimento que, de fato, vira uma memória consolidada.

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O quanto de esquecimento não é patológico?

O esquecimento ocorre em estados patológicos e não patológicos, e ambos os casos variam em grau.

Em um extremo estão condições amnésicas graves, como Doença de Alzheimer em fase tardia ou lesão cerebral traumática grave, onde a probabilidade de recuperação pode ser zero ou insignificante. No outro extremo, a recuperabilidade excessiva pode ser evidente em casos de transtorno de estresse pós-traumático e memória autobiográfica altamente superior.

Entre esses dois extremos, há um espectro de gravidade do esquecimento que inclui o que geralmente é considerado como esquecimento não patológico: ou seja, o natural. Mas de quanto esquecimento estamos falando? E qual a razão para que isso aconteça?

Dado que o esquecimento é onipresente (você provavelmente já esqueceu o título desse post!), sugere-se que esse processo tenha um propósito biológico. E em busca de algumas respostas, um grupo de pesquisadores publicou um trabalho na Nature Reviews Neuroscience, sugerindo algumas hipóteses de remodelamento do circuito neuronal que modula as células de memória.

 

Como é que eu esqueci mesmo?

Como comentamos, o aprendizado envolve um processo de plasticidade neuronal, e as memórias podem ser codificadas por um conjunto de neurônios. Quando em constante ativação, a memória é mantida. Porém, no processo de esquecimento, algumas alterações nessas células podem ocorrer, e algumas principais hipóteses foram propostas:

  1. Remodelamento das espinhas dendríticas, alterando sua conectividade com os neurônios responsáveis pelos traços de memória. Com isso, as sinalizações ficam mais fracas.
  2. Endocitose do receptor pós-sináptico, reduzindo a sinalização local. Da mesma forma, as sinalizações são enfraquecidas.
  3. Alguns neurônios inibitórios podem suprimir a atividade daqueles localizados nas regiões responsáveis pelos traços de memória.
  4. Novos neurônios podem ser integrados em circuitos paralelos, coexistindo ou substituindo as sinapses existentes.
  5. Ativação de micróglia, que pode englobar e eliminar as sinapses que ocorrem nas regiões responsáveis pelos traços de memória.

Com isso, a reativação da informação aprendida não é tão bem-sucedida, levando mais facilmente ao esquecimento.

Os pesquisadores também comentam sobre evidências de que as informações da memória central que são esquecidas podem sobreviver no cérebro, mas não podem ser facilmente acessadas por meio de pistas naturais de recuperação. Então talvez você não tenha esquecido a informação, só não saiba onde não deixou.

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Diversos outros mecanismos foram propostos no artigo original. Se você tiver interesse em mais detalhes, pode acessar clicando nesse link.

Ok, muita biologia, qual a importância disso?

 

A função do esquecimento

A degradação da informação armazenada contida em uma memória permite que os organismos se comportem de forma mais flexível, e promove uma melhor tomada de decisão guiada pela memória. Ao longo da vida, podemos encontrar muitos ambientes diferentes, e o esquecimento pode ser uma boa estratégia para se adaptar às novas circunstâncias.

Isso se torna fácil de visualizar quando pensamos na quantidade de memória de infância que perdemos – precisamos nos adaptar a vida adulta. Somado a isso, os pesquisadores comentam que a “amnésia infantil” ajuda no processo de independência.

Outra função muito importante do esquecimento é o aprendizado! O esquecimento é uma forma essencial de neuroplasticidade, para aumentar a utilidade da memória de um organismo. No processo de aprendizado, absorvemos apenas as informações essenciais – e precisamos de espaço para isso. Esquecer um pouco do conteúdo é essencial (viu só, está biologicamente tudo saudável não saber tudo).

 

Quando o esquecimento se torna patológico

Em posts anteriores falamos sobre a Doença de Alzheimer (DA) e algumas de suas implicações. A importância de identificar os mecanismos não patológicos do esquecimento também têm função nas doenças, em especial na DA.

Biologia molecular a parte, os pesquisadores identificaram maiores taxas de endocitose de receptores na membrana pós-sinaptica dos pacientes com DA, sugerindo uma redução da transmissão de sinal. Com isso, as informações são menos acessadas, levando ao esquecimento. Além disso, houve mais ativação de micróglia, resultando em eliminação de algumas sinapses já estabelecidas.

Dessa forma, será que podemos pensar em algumas possibilidades de tratamento para pacientes com DA? Inibir a endocitose dos receptores ou reduzir ativação de micróglia, por exemplo? Ainda, diversos outros mecanismos foram propostos. Em pacientes de alto risco ao desenvolvimento da DA, uma opção profilática seria reduzir tais mecanismos?

Vamos aguardar novos estudos.

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Referências:

Ryan, T.J., Frankland, P.W. Forgetting as a form of adaptive engram cell plasticity. Nat Rev Neurosci (2022).

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